BACURAU E BRUNO GARSCHAGEN


[Texto da tag “Escritor Convidado*”, escrito por Blogue do Neófito, publicado originalmente em: http://bloguedoneofito.blogspot.com/2020/01/bacurau-e-bruno-garschagen.html 


Lá em cima daquela serra,
passa boi, passa boiada,
 passa gente ruim e boa,
passa a minha namorada.

Quadra de desafio, epígrafe em Sagarana de João Guimarães Rosa



Devido a hábitos noturnos, algumas pessoas me chamavam, na adolescência, de bacurau, pássaro típico em nossa região. Esses dias, apareceram muitos aqui nas imediações da grande propriedade rural ao lado de minha casa; e, à noite, em meu quintal, ouço-os piar junto às corujas. Nos mourões de madeira da cerca em frangalhos ao lado de casa, não raro me deparo com olhares quase arrogantes desses pássaros. Mas os que encantam e amedrontam são mesmo os das corujas que, felizmente, abundam aqui. Quando criança, eu achava que coruja e bacurau eram idênticas espécies de aves.

Conheço bem não apenas o semi árido pernambucano mas, posso afirmar, quase todo o nordestino. Nestas terras sofridas, há de tudo um pouco, tolhendo nossa dignidade. Comentei brevemente sobre os rincões sertanejos quando indiquei a HQ Moonshine. Mantenho uma atávica relação de amor e ódio com essa terra tão cruel e, a esse respeito, já teci alguns comentários em postagens avulsas neste blogue. A terra o molda, como tentei esboçar nas resenhas de A voz do fogo e Onde os velhos não têm vez. Kleber de Mendonça Filho é meu conterrâneo e alega conhecer bem o sertão, além de possuir o mesmo prenome que meu irmão. Não creio, contudo, que ele tenha tanto conhecimento assim dessa região, exceto no aspecto panfletário quando precisa invocar elementos do semi árido para ilustrar suas ideias confusas sobre a relação entre o Estado e os indivíduos.


Em sua obra Pare de Acreditar no Governo - Por que os Brasileiros não Confiam nos Políticos e Amam o Estado, Bruno Garschagen inaugurou o que, agora, convencionamos chamar de "paradoxo Garschagen". E esse aspecto da conturbada psique brasileira é, sem querer, bem revelada no filme Bacurau de Kleber Mendonça. Numa trama divertida para se ver quando não há nada de mais produtivo para ocupar o tempo, sofridos habitantes do povoado que dá nome à película têm sua região "apagada" dos mapas, ficam incomunicáveis e passam ser caçados por norte-americanos endinheirados com a ajuda do Prefeito local e pessoas "do sul" brasileiro.

De plano, percebemos os delírios juvenis do cineasta quando pinta os gringos de malvadões que compram tudo, até mesmo vidas de pobres nordestinos em prática desportiva com armamento vintage. Que metáfora pobre! E vai mais além: pinta os habitantes de Bacurau como pessoas boas, destemidas, bastante cultas e esclarecidas, sempre aguerridos na defesa de sua vila. A má fé fica evidente no velho recurso de jogar homens contra mulheres, pretos contra brancos e, mais ainda, "sulistas" contra nordestinos. Você precisa ver tudo com bom humor para não enjoar de tanta groselha.

Como falei acima, conheço bem nosso semi árido e sei que, nos Bacuraus da vida, não há nada de mais: gente ruim e boa, ignorantes e valentes, otários e exploradores. Os pequenos povoados brasileiros são apenas microcosmos brasileiros: cheios de filhos da puta, como as grande metrópoles. Cada um por si e todo mundo querendo se dar bem sobre o outro. Acho até compreensível quando, jovens bobos, erguemos bandeiras regionalistas de superioridade moral, atacamos o imperialismo ianque e nos reputamos o suprassumo de valores nobres, como honestidade, integridade e inteligência. Só não compreendo como homens maduros, a exemplo do cineasta, continuam com tal pensamento tacanho.

Em algo o filme acertou: fundamenta bem o paradoxo Garschagen. A trama saiu da mente de pessoas que advogam mais Estado, mais mimos regionais e ações afirmativas. O Estado, na cabeça dessas pessoas, deveria ser o grande provedor de bem-estar, pois é nele que devemos depositar confiança. As coisas estão mal? tome-lhe mais Estado! Kleber de Mendonça é daqueles caras cuja mentalidade revolucionária pede uma legenda política forte e populista à frente da máquina, para, inflando-a, promover a justiça social. Só que o vilão-mor em seu folhetim ideológico é o... Prefeito.



Amiúdes: veja Bacurau. É divertido e a estética sertaneja é sempre bacana na tela. Só não espere muita inteligência diante de ideias e ideais tão conflitantes, além dos velhos mantras e clichês típicos de mentes ditas revolucionárias.

O filme está disponível para aluguel on line, mas certamente busquei meios gratuitos para vê-lo, pois quem visa a lucro é burguês sulista, babão de gringo e apoiador do imperialismo ianque. Precisamos socializar conteúdos. Logo, eu mesmo que não pagarei para ver filme nacional, cáspite!

Abraços aguerridos e até a próxima.


- As corujas podem não ser o que parecem, mas ainda assim têm um papel fundamental: 
elas nos lembram de olhar para a escuridão.
Coronel Douglas Milford em A História Secreta de Twin Peaks



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