Meu filho - feito toda criança - sonha o tempo todo; acordado e dormindo. Dormindo, às vezes, os pesadelos o assediam. Comumente, ele se debate, chuta o ar, grita e consegue espantar os maus sonhos por conta própria. Quando são mais insistentes - e talvez mais aterradores -, os pesadelos, quando mais difíceis de expulsar, feito assentamento do MST, ele acorre à minha cama, com seu inseparável e surrado travesseiro e pede por socorro, por proteção.
Abro
espaço para ele na cama. Vou, equilibrista, para a borda da cama. Ele
se aconchega de costas para mim. Abraço-o, para-raios dos pesadelos
dele. Em segundos, ele respira em sono profundo, como não tivesse
acordado há instantes. Ah, o sono fácil das crianças.
E
se sou eu quem acordo de um pesadelo? Para a cama de quem corro? Se,
hoje, eu sou o pai? Se, hoje, minha condição de filho é apenas condição
biológica de eu ter que ter nascido de alguém, não mais condição de
sobrevivência? Se, hoje, minha condição de filho é mera ata empoeirada
em algum cartório de registros? A que pai, eu grito? A que pai, eu me
aconchego? Que pai é a sentinela do meu sono?
Deve
ser aí que entra Deus. O Pai inventado por filhos desmamados a
contragosto, o Pai inventado para lhes mimar pelo resto de suas vidas.
Acordar
assustado, em sobressalto, suando frio, vendo assombrações de dias
passados, espíritos de saudade decompostos, Loiras do Banheiro e Freddys
Krueger e chamar por Deus? Onde fica o quarto de Deus, para que eu
possa para lá correr e pedir beirada na cama? Acordar apavorado,
taquicárdico e gritar por um Pai que, no sexto dia, saiu para comprar
cigarros e nunca mais voltou? Gritar por um pai imaginário? Oniausente?
No RG da humanidade, deveria constar : pai desconhecido.
Melhor
me levantar em silêncio. Sem alarde nem viadagens. Para não acordar
esposa e filho. Ir para a sacada do apartamento. Servir rodadas de vodka
regadas a rock nacional dos '80 a tocar quase que inaudível no meu
velho toca-CDs.
Rodadas
de vodka para mim, para minhas assombrações, para meus duplos etéricos
putrefatos (minhas máscaras em ruínas), para a Loira do Banheiro sentada
no meu colo a alisar meu pau e para o insone Freddy Krueger, a picotar o
gelo e a fatiar rodelas de limão.
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