CADÊ VOCÊ, BERNADETTE?
por Joba Tridente
publicada originalmente no Claque ou Claquete
Entre os meus filmes favoritos se encontram alguns de
Richard Linklater: Antes do Amanhecer (1995), Antes do
Pôr-do-Sol (2004), Antes da Meia-Noite (2013), Escola de Rock
(2003), O Homem Duplo (2005), Boyhood
- Da Infância à Juventude (2014). Com seus diálogos emocionantes,
que também podem ser tão desconcertantes quanto os do mestre Woody Allen, o
diretor Linklater, um dos nomes mais interessantes do cinema indie
norte-americano, faz de seus filmes um espetáculo raro, que por muito tempo ou
mesmo anos, fica ecoando na memória, como a envolvente trilogia “Antes”,
por exemplo. Um cineasta capaz de passar doze anos filmando uma história como a
de Boyhood,
realmente, deve ter muito a dizer com sua arte. O problema é que nem sempre a
plateia está olhando para o mesmo horizonte que ele. Sua obra mais recente, Cadê
Você, Bernadette?, já está nas salas de cinema. Será que o grande público irá
mergulhar na onda da sua protagonista e confortavelmente sintonizá-la?
Cadê Você, Bernadette? (Where'd You Go,
Bernadette, 2019) é baseado no best-seller homônimo de Maria Semple,
lançado em 2012. O roteiro, assinado Holly
Gent, Vincent Palmo Jr. e Linklater, acompanha a misantrópica arquiteta Bernadette
Fox (Cate Blanchett) que, ao contrário de seu marido Elgie (Billy
Crudup), desenvolvedor de tecnologia inteligente, está no auge de uma crise
criativa e, sem se dar conta do seu estado depressivo, acaba perdendo o chão
quando a filha Bee (Emma Nelson), faz uma proposta para os três
passarem uns dias numa base na Antártica.
O sumiço de Bernadette é mostrado num breve
prólogo, belissimamente fotografado por Shane F. Kelly, na Antártica. Há um
recuo de algumas semanas e então começamos compreender o título da trama, que
vai muito além deste início. Através de emails, narrativas da filha, vídeos e relacionamento
com vizinhos, a vida de Bernadette vai se desvelando e, só aos poucos,
começamos a compreender as idiossincrasias da personagem, que se mudou da Los
Angeles para Seattle, onde o marido trabalha na Microsoft e ela, praticamente,
se ocupa da amada filha adolescente Bee. A família, um tanto
disfuncional, mora num casarão antigo (parecido com casas velhas e abandonadas
de filme de terror) há muito esperando por uma restauração adiada, já que a
proprietária, considerada um dos nomes mais importantes da arquitetura
norte-americana, está com bloqueio criativo, provocado por um trauma (que só
quem é artista profundamente dedicado à sua arte vai compreender a dimensão da
dor) que será mostrado no avanço da narrativa.
Ao se emparedar em seu mundo, com abertura de sol
apenas para a amada filha e com alguns raios para o amigável marido, Bernadette
pede socorro. Mas ninguém, além dela, a ouve. A sua janela está fechada para a
(odiada) humanidade ao seu redor..., o que a faz se “relacionar” com Manjula,
uma assistente virtual indiana, sempre online, que “resolve” todos os seus
problemas materiais. Conforme o enredo amarra as pontas soltas, compreendemos
que o questionamento “cadê você?” vai muito além do “último”
desaparecimento (na Antártica) da protagonista, que há muitos anos estava
perdida dentro de si mesma à espera de um resgate.
Embora classificado como comédia, a mim Cadê Você,
Bernadette? sugere um drama psicológico..., com espaço para se compreender
uma emocionante jornada do herói tardia. O que não quer dizer que algum
espectador não possa achar graça em algumas cenas absurdas. Toda via retórica dos gêneros
cinematográficos, no entanto, creio que os profissionais do divã vão se
encantar com uma notável edição de duas sequências em que (sem dividir a tela) Bernadette
encontra casualmente o arquiteto Paul Jellinek (Laurence Fishburne)
e conversa sobre os velhos tempos (há uma fala curiosa de Jellinek sobre
criatividade) e os percalços da profissão, ao mesmo tempo em que o seu marido Elgie
se encontra com a psiquiatra Dr. Kurtz (Judy Greer) e fala sobre
o comportamento da mulher. Esta fascinante alternância de diálogos é essencial para
se compreender como a misantrópica Bernadette chegou àquele estado
mental e para sinalizar uma possível saída desse transtorno.
Não sei dizer o quanto a adaptação de Cadê Você,
Bernadette? é fiel ao romance de
Semple, pois desconheço a obra, mas o roteiro (com alguma obviedade) me pareceu
enxuto, na medida certa para contar uma história que vai lapidando sem pressa a
aspereza do assunto até chegar redondinha (e sem subestimar o espectador) ao satisfatório
epilogo. A direção de Richard Linklater é precisa. O elenco é formidável e,
claro, Cate Blanchett não decepciona. Como já disse, não há alívio cômico, mas (procurando
bem) nada impede o espectador de encontrar sinais de humor e, ao menos, abrir
um leve sorriso. Além da fotografia, destaco tanto a cenografia quanto a edição.
Ah, e se a misantrópica Bernadette vai ser encontrada e ou se encontrou,
você só vai saber assistindo!
Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem
(Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já
fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à
"traumatizante" e divertida experiência de
cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do
norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no
Paraná, Brasil.
* No Claque ou Claquete você
encontra muitas resenhas atuais e antigas!
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