De
agora em diante, não serão mais apenas os grandes nomes, os medalhões
da MPB e os atorezinhos de merda Globais que poderão mamar nas tetas do
dinheiro público - do meu dinheiro, do seu dinheiro, caro leitor - sob o
pretexto de que fazem cultura, não serão mais os únicos que terão o
privilégio de usar o dinheiro dos impostos do trabalhador para montarem
seus shows e peças sem que tal subsídio faça baixar sequer um centavo os
preços dos ingressos, o mínimo para reverter para o povão o dinheiro
tomado dele.
Doravante,
também as igrejas, os pastores evangélicos, os cantores gospel e os
padres cantores poderão captar recursos da Lei Rouanet para as suas
pregações. É o MEC pagando dízimo!
Rogai por nós, São Humberto Gessinger : não é só mais o Papa que é pop!
Picaretagem religiosa foi declarada e homologada uma forma de cultura. O pior? É que, no Brasil, desgraçadamente, ela o é.
A
lei que permitirá aos pastores, aos padres, aos cantores de louvores e a
outros gigolôs de Cristo também darem suas mamadas nos úberes do erário
público foi aprovada na semana passada, em 07/11/2019, pela Comissão de
Cultura da Câmara dos Deputados e é de autoria do deputado Vavá Martins
(Republicanos - PA), ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, do
bispo Edir Macedo.
A
proposta de Vavá Martins substituiu e ampliou o projeto original do
deputado Jefferson Campos (PSB-SP), de 2015, que previa o fomento da
Rouanet apenas para músicas gospel e para eventos realizados de forma
independente pelos cantores. O novo texto muda "música gospel" para
"música religiosa", expandindo a roubalheira de forma ecumênica, e
permite que eventos realizados por igrejas também sejam contemplados com
recursos da Rouanet. Agora, Edir Macedo, R.R. Soares e Padre Marcelo
Rossi, se quiserem, poderão captar dinheiro de nossos impostos para
financiarem seus shows da fé.
Justifica-se, Vavá Martins : " Acreditamos que as igrejas também devem ser beneficiadas pelos
mecanismos de fomento previstos na Lei de Incentivo à Cultura ou Lei
Rouanet, reconhecendo o notável papel evangelizador que essas
instituições religiosas cumprem".
A
ideia, porém, não é nova, é mesmo anterior a 2015. É de 2007, de
proposição do então senador da República Marcelo Crivella, também
evangélico. Disse Crivela, com o mesmo propósito de Vavá Martins, em
2007 : “nada expressa melhor a formação da cultura
brasileira que o caldeamento das diversas religiões, seitas, cultos e
seus sincretismos, que, durante séculos, moldaram o processo
civilizatório nacional”.
Revoltas
da classe "artística", que terá de dividir o bolo com os religiosos, à
parte, Crivella e Vavá Martins estão certíssimos; desgraçadamente
certíssimos. Revoltas (inclusive a minha) intelectuais e ideológicas à
parte, Crivella e Vavá estão cobertos de razão. Melhor : ungidos de
razão.
Em
um país de analfabetos, de um povo orgulhoso de sua burrice, que
festeja a soltura de criminosos condenados, religiões tacanhas (e existe
alguma que não seja?) e obscurantismo são, sim, fortes componentes da
cultura popular.
Analisando
friamente, e depois de umas geladas, não vejo diferença nenhuma, por
exemplo, entre uma Cláudia Leite, baiana do axé que recebeu R$ 1,2
milhões da Lei Rouanet e uma Aline Moraes, diva do gospel. Não vejo
diferença nenhuma, a outro exemplo, entre um Luan Santana, o reitor do
sertanejo universitário, contemplado com R$ 4 milhões, e a banda Diante
do Trono.
Para mim, é tudo a mesma merda em diferentes embalagens.
A
bem da verdade, Luan Santana captou, mas não usou. Apresentou
documentos que provam que pediu o cancelamento do dinheiro. Mas o fato é
que captou. O fato é que alguém julgou que a "música" dele é relevante
para a cultura e liberou a grana. Muito digno, até, da parte dele, ter
recusado o dinheiro. Mas o que estou discutindo aqui não é a lisura de
quem é contemplado pela Rouanet, mas sim os critérios utilizados por
quem libera o dinheiro e a qualidade do que está sendo financiado.
E
se o axé e o sertanejo universitário são considerados manifestações
culturais, por que não o gospel e outros que tais? Repito : certíssimos,
em nosso triste contexto nacional, Crivella e Vavá.
Mais
: uma vez que o uso do dinheiro público deve ser feito de modo a
atender às necessidades e às prioridades do maior número possível de
cidadãos, de modo a ir, democraticamente, de encontro aos anseios da
maioria, até que demorou para que eventos religiosos - promovidos por
igrejas, ou não - fossem considerados atividades culturais e que
passassem a receber o mecenato da lei Rouanet. Demorou muito.
Afinal,
quem atrai e distrai maior público, maior manada? Um espetáculo do
Chico Buarque, ou uma sessão de desencapetamento encabeçada por Edir
Macedo? Um show do inigualável e inclassificável Ney Matogrosso, ou os
padres Marcelo Rossi e Fábio (Jr.) de Melo cantando em Aparecida do
Norte no dia da padroeira?
Pois
então. No Brasil, muito melhor uso do dinheiro público dá-lo às
religiões e aos religiosos que aos verdadeiros e cada vez mais raros
artistas. Aliás, sem nenhum tipo de ironia, sou muito mais o Pe. Antônio
Maria que o Wagner Moura, esquerdista e comunista que mora em Los
Angeles.
Numa dessa, até o rei Roberto monta uma turnê só com seu repertório religioso e entra na farra. Rouanet, Rouanet, Rouanet, eu estou aqui...
E vamos que vamos. Que Idade Média pouca é bobagem!
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