Escrito por: Marreta do Azarão
Para quem, assim como eu, achou, nem direi absurda, uma vez que, dentro da realidade brasileira, ela tem lá sua coerência, mas lamentável e preocupante a aprovação da lei do deputado evangélico Vavá Martins, que permite que igrejas captem subsídios da Lei Rouanet para a realização de seus eventos, lei originalmente pensada para o fomento e o incremento da cultura, especialmente destinada a músicos, atores etc em início de carreira e/ou sem a notoriedade que os permita angariar recursos por conta própria, saiba que a situação ainda pode piorar muito.
Saibam,
ó vós, que consideram (e com razão) alarmante o recrudescimento do
pensamento místico, religioso e fanático em nossos parlamentos, Câmara e
Senado, e sua possível e provável imposição através de leis nada
laicas, saibam, ó vós, que temem pela implantação oficial do
obscurantismo sobre a lógica e a ciência, que, em relação aos sobrinhos
evangélicos do Tio Sam, a nossa hedionda bancada evangélica ainda está a
engatinhar. Que ainda há muito a piorarem as coisas por aqui.
Em
13 de novembro do corrente ano de Nosso Senhor, a Câmara dos Deputados
de Ohio (EUA) aprovou a chamada "Lei das Liberdades Religiosas dos
Estudantes", por 61 votos contra três.
A
lei permitirá que os alunos respondam a toda e qualquer questão, de
toda e qualquer disciplina, com base em suas religiões, mesmo que
estejam errados cientificamente. E o professor terá de acatar as
respostas como corretas.
Assim,
se o cordeirinho de Deus responder que a Terra tem cerca de 6 mil anos,
como quer a Bíblia, ao invés dos 4,5 bilhões de anos como diz a ciência
com base em sólidas evidências, o professor terá que lhe dar uma nota
10. Se ele responder que a humanidade surgiu de Adão e Eva, nota 10 com
louvor, medalha e foto no mural da escola. Se ele disser que homens e
dinossauros foram contemporâneos no planeta e que a extinção dos grandes
lagartos se deu porque eles não conseguiram um lugar na Arca de Noé,
será aprovado com louvores e encaminhado diretamente para Harvard.
Os
trabalhos escolares de pesquisa também poderão ser feitos de acordo com
os dogmas religiosos de cada um. Se o aluno usar a Bíblia, ou o livro
de Mórmon, ou a revistinha Sentinela, como fonte de pesquisa, ao invés
da Barsa (sou velho pra caralho), o seu trabalho também deverá ser
considerado correto. Também autoriza que espaços da escola sejam
utilizados para encontros religiosos e proselitismos e arrebanhamento de
novos idiotas.
A
lei ainda precisa passar pelo Senado estadunidense, o que o fará sem
maiores percalços, visto ser este composto por maioria republicana.
Lembrou-me
de um caso que se deu comigo em 2004, ou 2005. Uma questão dizia que um
acidentado chegou a um hospital precisando de uma transfusão sanguínea e
eram fornecidos o tipo sanguíneo do acidentado e quantidade de litros
de sangue de cada tipo disponíveis no hospital. A questão exigia que o
aluno dissesse quais eram as transfusões possíveis, e os porquês, e as
que não eram possíveis, e os porquês. Uma aluna respondeu : nenhuma
transfusão seria possível, nenhuma é permitida por Deus, e citou até o
versículo que vetava tal prática, acho que do livro dos Levíticos. Na
época, tasquei-lhe uma sonora nota vermelho-sangue e ficou por isso
mesmo. Hoje, será que ficaria? Em Ohio, não.
Dia
desses, disse aqui que Idade Média pouca é bobagem, a querer dizer que
antevejo uma nova idade média do pensamento humano, um novo período de
breu da razão, em virtude, dentre outros fatores, das novas tecnologias
idiotizantes e do advento das religiões mais fundamentalistas.
Vejo,
agora, diante dos fatos daqui e de Ohio, que fui por demais otimista e
esperançoso; vejo, agora, de forma clara que a Idade das Trevas nunca
abandonou o pensamento humano, não o da grande maioria; antes ainda :
que o pensamento humano não quer se desapegar das trevas, gosta delas.
Vejo,
agora, que, lá pelo século XVI, algumas poucas mentes lançaram suas
luzes sobre o obscurantismo, que alguns poucos, pouquíssimos, acenderam
tremeluzentes archotes de racionalidade. Alguns poucos.
Vejo,
agora, que alguns poucos, lá pelo século XVI, escreveram o obituário da
Idade Média e fizeram o registro de nascimento do Iluminismo. E o
fizeram à revelia do povão, como se ele fosse um movimento comum à
maioria. Não era. Nunca foi.
Vejo,
agora, que tal nascimento passou despercebido - até hoje - do
populacho. A notícia do nascimento do pensamento livre não viralizou
entre o povão.
Vejo,
agora, que alguns poucos fizeram o parto forçado à fórceps das Luzes.
Que umas poucas e raras mentes deram à luz a Luz da razão.
Vejo,
agora, que é possível - oficial, histórica e tecnologicamente - tirar o
ser humano da Idade Média, mas impossível tirar a Idade Média do ser
humano. O grosso da grosseira e inculta população mundial nunca
abandonará as trevas que traz dentro de si, nunca abandonará o escuro. E
não lhes falta uma razão para não abandonarem a falta de razão : o
escuro é confortável, aconchegante, acolhedor, não requer dispêndio de
esforço ou energia. O escuro, a ignorância, nubla nossa visão do mundo,
mas também a visão do mundo acerca de nossas misérias, mazelas e
fealdades. O escuro da ignorância nos acolhe sem nada exigir.
Embota-nos, reduz-nos a amebas (a alguns até eleva), torna-nos
protosseres, mas nada nos cobra.
O
escuro é o ventre. Em útero, o escuro primordial, nada precisamos fazer
ou pensar para sobreviver. Tudo nos é dado; calor, oxigênio,
nutrientes. Nem respirar, ou digerir por nós mesmos, precisamos. Para
que migrar à luz no fim do túnel vaginal? Pois se ao corpo não é dada a
escolha física de ficar ou não em útero, ele, o corpo, por sua vez,
depois de parido e crescido concede essa chance ao seu pensamento, a
chance de não sair para a luz da razão.
O
indivíduo opta, livre e tranquilamente, por manter seu pensamento em
eterna incubação, no eterno escuro. Opta, livre e alegremente, por
passar sua vida recebendo, de forma pronta e mastigada, instruções de
que decisões deve tomar, de que conduta e de que moral deve seguir, de
que impressão do mundo deve ter etc através dos mais variados e
perpétuos "cordões umbilicais" : família, escola, círculos de amizade,
tv, internet e, sim, as religiões.
Todos
estes cordões umbilicais se prestam como mídias e plataformas da eterna
Idade Média do pensamento humano, e não da nova idade média como
julguei anteriormente.
Não
precisar treinar o pensamento, não precisar fazê-lo respirar por conta
própria nem pô-lo à caça de seu próprio sustento. Receber o pensamento
já formatado e apostilado, tê-lo entregue na porta de casa por um
sistema de delivery de opiniões pré-fabricadas sobre cada assunto
de relevância cotidiana e, em troca, só aceitar o escuro, a ignorância?
Querem melhor negócio? Que troca mais vantajosa ao ser humano médio e
medíocre?
O
escuro do pensamento é e sempre foi a melhor opção para uns 90% da
população global. Desesperariam-se com a luz. Veriam fantasmas e
assombrações na claridade da razão, da lógica e da coerência. Noventa
por cento da população global tem fotofobia à luz do pensamento.
O
idiota sempre existiu, sempre existirá, sempre será a maioria e sempre
se orgulhará de ser idiota. Hoje, ele só se expõe mais , só é mais
facilmente identificado : o cara louvando a deus na igreja de cada
esquina, o abobalhado hipnotizado e de boca aberta grudado na tela do
smartphone, o apresentador de programas vespertinos de tv (e o seu
público), o universitário das faculdades à distância etc.
Daí,
e voltando à vaca fria, o fácil e inexorável avanço das novas religiões
cada vez mais tacanhas e xiitas, não só no âmbito das próprias crenças
religiosas, mas também, uma vez que elegem os seus para cargos
parlamentares, no âmbito das políticas nacionais.
Vejo,
agora, que não é de surpreender a aprovação da lei "Lei das Liberdades
Religiosas dos Estudantes", em Ohio; muito menos que, futuramente, ela
seja copiada pela bancada evangélica daqui e, igualmente, aprovada por
larga maioria de votos.
E
aqui a coisa pode ficar pior ainda. Em Ohio, a resposta baseada na
crença religiosa pode ser aceita como correta, como uma das explicações :
aqui, com toda a certeza, ela será cobrada e exigida como a única
resposta certa.
Pãããããããta que o pariu!!!
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