Crítica: Coringa



C O R I N G A
por Joba Tridente
publicada originalmente em Claque ou Claquete

Advertência: Se você é um espectador que está ansioso para assistir à mais nova versão “biográfica” do Coringa, no cinema (que é onde deve ser visto), é bom esquecer tudo aquilo que você conhece e ou que pensa conhecer e ou, ainda, o que ouviu falar sobre o icônico arquiinimigo do Batman..., pois esta história de origem, sem o homem-morcego por perto, pode dar um nó “irreversível” no seu cérebro, principalmente se tiver coulrofobia (medo de palhaços).


Coringa (Joker, 2019), estrelado, ou melhor, incorporado com maestria por Joaquin Phoenix, sob direção minuciosa de Todd Phillips, traz uma leitura incômoda da personagem que, levada pelas circunstâncias e a esquizofrenia, passa de um palhaço lúdico, de sonho de criança ("Minha mãe sempre me diz para sorrir e fazer uma cara feliz. Ela me disse que eu tinha um propósito: trazer risos e alegria ao mundo"), a um palhaço amedrontador, de pesadelo (“Só o que eu tenho são pensamentos negativos.”), e que espectador algum vai querer encontrar pelas ruas do seu sono. Se, como cantou Caetano Veloso em Vaca Profana (1984), “De perto ninguém é normal.”, quanto mais nos aproximamos e tentamos decifrar este “novo” Coringa (ou Arthur Fleck, seu nome de batismo), mais enigmático e real ele nos parece no alto (ou no interior) de sua paranóia homicida (norte-americana?).


É impossível não sentir empatia pelo dedicado Arthur Fleck/Coringa, principalmente no primeiro ato ("Sou só eu, ou as pessoas estão ficando mais loucas lá fora?"), vivendo uma vida miserável, cuidando da mãe (Frances Conroy) enferma, enfrentando todo tipo de humilhação, na rua e no trabalho, e, entre um transtorno e outro, escrevendo seu show stand-up (a sua tábua de salvação), que sonha em apresentar no programa televisivo de Murray Franklin (Robert De Niro) e se tornar tão famoso quanto o seu ídolo (e quem sabe ser perdoado por suas falhas morais). Assim como..., em uma cidade cheia de nãos, aos menos favorecidos social e mentalmente, feito a caótica Gothan City, tomada por ratos e pelo lixo doméstico e humano..., é fácil entender a razão das suas ações e reações insanas, que vão aflorando no seu cotidiano perverso e crescendo rumo ao apoteótico terceiro ato.

Possivelmente, por causa da acentuada presença do astro De Niro, como apresentador de tv, os cinéfilos mais antigos veem na trama visceral de Coringa, em que a ficção ganha ares de realidade (contemporânea), referências aos filmes O Rei da Comédia (no que tange à fama a qualquer preço) e Taxi Driver (no que tange à justiça a qualquer preço), ambos de Martin Scorsese. Toda via das referências, porém, não me parece que estas reverências causem ruídos (ou demérito) na trama original, escrita por Scott Silver e Todd Phillips, que não muda o caráter de Arthur Fleck/Coringa, mas acentua o desequilíbrio mental do futuro vilão (vítima da sociedade?) idiossincrático. Ainda que conte com a presença dos Wayne, mais precisamente na figura de Thomas Wayne (Brett Cullen) que, por conta de um desfecho clássico, torna-se uma piada mortal, na visão do inconstante Coringa (com seu angustiante tique do riso), não deixa de ser uma história autônoma.


Enfim, não creio que Coringa, premiado com o Leão de Ouro, no Festival Internacional de Cinema de Veneza, em 2019, seja a senha para qualquer maluco (psicopata ou não) se inspirar e sair fazendo justiça com as próprias mãos (se não falhar o dedo no gatilho), afinal, por mais semelhanças que tenha com a realidade (da impunidade) é uma ficção com base em elementos quadrinescos. O que não quer dizer que as HQs não possam refletir o cotidiano das terras do tio Sam e d’outras paragens terráqueas.

Então, considerando o fascinante estudo de personagem; a performance tão arrebatadora quão assustadora de Joaquin Phoenix; a perspicácia do roteiro que, mesmo com duas sequências previsíveis, magnetiza o espectador; a violência psicológica, que é muito mais perturbadora que a violência (explícita) física; a neurose de um mundo (real) comandado por criminosos; as apavorantes sequências dentro do metrô, com destaque para a derradeira, insuportavelmente opressiva; a válvula de escape do humor mínima; o cinismo à flor da pele e à luz dos olhos; a trilha sonora tensa; a cenografia (claustrofóbica); o vistoso figurino do Coringa; a sensacional fotografia detalhista de Lawrence Sher..., o filme Coringa vai fazer você querer menos realismo e mais ficção no cinema.


Portanto, se você tem coulrofobia (medo de palhaço), surtos psicóticos, toma remédio controlado (psicotrópico, tarja preta), é sugestionável, é criança, passe longe (muito longe!) de Coringa. Caso contrário, boa sessão! Pois, como disse o mestre Charles Chaplin: “A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe.” Será?!


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.
*  No Claque ou Claquete você encontra muitas resenhas atuais e antigas!


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