Eu tento. Sério mesmo que eu tento aposentar minha marreta. Mas sinto que é o próprio Universo - haja vista às provações que ele interpõe em meu caminho - que clama e implora pelo meu malho verbal. Que faz da minha marreta um instrumento de sua vontade, uma ferramenta para dar uma ligeira equilibrada na balança de dois pratos da idiotia humana vs. o cada vez mais raro bom senso. Minha marreta a encabeçar um pelotão de choque na luta contra as passeatas da estupidez e da futilidade humanas.
Briga
inútil, esta nossa, contra a estupidez humana; guerra perdida, esta
nossa, contra a idiotice e a futilidade. Sabemos disso, o Universo e eu;
ele há muito mais tempo. Mas, uma vez que estamos aqui, o que mais
podemos fazer, que não lutar contra os moinhos da ignorância?
Estava
lá eu, na terça ou quarta-feira passada, na minha faina e calvário
diários, em uma sala de um segundo ano do Ensino Médio (o substituto
anêmico do antigo, robusto e saudoso Colegial) a dar vistos em uma
tarefa encomendada na semana anterior. Uma fila formada pelos alunos dos
números 11 ao 20 da lista de chamada se estendia à minha esquerda.
Todos a esperar pelo meu visto e pela minha benção. Às vezes, nestes
momentos, sinto-me como um padre a comandar a fila da hóstia - um
trabalho tão inútil quanto o meu. Percebi, então, que o aluno sentado na
carteira à minha frente manuseava um paquímetro.
E,
neste ponto da minha narrativa, julgo ser necessário um interregno,
pois creio que poucos saibam o que seja um paquímetro e, menos ainda,
tenham alguma familiaridade com seu uso. Julgo ser necessário um breve
interlúdio, para uma curta aula do Telecurso 2º Grau - disciplina,
Tecnologia, ao fim do qual retornarei à vaca fria.
O
paquímetro é um instrumento usado para aferir com
grande precisão as dimensões de pequenos objetos, inclusive com formatos
redondos e cilíndricos, não acessíveis a uma régua vulgar. O paquímetro
vai onde a régua comum, a fita métrica e a trena jamais estiveram. O
paquímetro é uma régua graduada - e bota graduada nisso, uma régua PhD,
eu diria -, cheia dos guéri-guéri, com um apoio fixo sobre o qual
desliza um cursor e com duas hastes de medição, uma ligada à escala e a
outra, ao cursor. Abaixo, um desenho do paquímetro, que vale por muito
mais que mil das minhas palavras.
Para realizar a medição é só apoiar o objeto em 8, a parte interna da haste fixa 7, deslizar a haste 10 sobre a escala graduada até que a peça fique justa entre 8 e 9 e fazer a leitura da medida. O paquímetro mede objetos das mais variadas formas - porcas, parafusos, tubulações. Mede-lhes os diâmetros externo e interno, a profundidade, os ressaltos etc. É pau pra toda obra, é uma espécie de canivete suíço para cursos técnicos de mecânica, tornearia, projetista de peças, hidráulica etc. Muito utilizado também em cursos superiores de exatas nas aulas de propagação de erro. Ou seja, paquímetro é para coisa séria, para coisa de macho.
Fim da aula Telecurso Tecnologia.
Animado
- e iludido - perguntei ao aluno que brincava com o paquímetro para que
ele o usava. Pensei que ele me diria que, além do Ensino Médio, estava
também a se desdobrar e a cursar um curso técnico de mecânica, tornearia
etc.
-
Não é meu, não, professor, eu peguei ali com o Fulano - ele respondeu -
e apontou para o Fulano, sentado na terceira carteira da fileira ao
lado.
Perguntei, então, para o Fulano o que ele fazia com o paquímetro.
- Também não é meu, eu peguei ali com a Beltrana - e apontou para uma aluna na fila do visto, a esperar pela minha benção.
Olhei para a Beltrana : - Beltrana, para que você usa o paquímetro?
A
Beltrana saiu da fila, tomou o paquímetro das mãos do outro, distanciou
a haste móvel de medição cerca de cinco, seis centímetros da haste fixa
e levou o paquímetro à testa. Encaixou a sobrancelha direita dentro do
espaço aberto no paquímetro. Olhou para mim e disse : - eu faço curso de
Designer de Sobrancelhas, professor!
Pããããããta
que o pariu!!!!! Um nobre instrumento da Física, da Engenharia e dos
sacrossantos cursos de Exatas em geral sendo usado para medir
sobrancelhas de dondocas, patricinhas, cachorras e periguetes.
-
A gente mede a sobrancelha para ficar (sic) as duas iguaizinhas, o
tamanho, a largura - ela concluiu, fazendo com que a cena de um
paquímetro sendo usado como ferramenta de fútil estética tomasse ainda
mais corpo na minha cabeça.
Falei
: - ah, que legal! - afinal, de um jeito, ou de outro, a menina estava
indo à luta, estava tentando se virar de alguma forma na vida. E também
porque a atual sociedade brasileira dá mesmo muito mais importância e,
consequentemente, se dispõe a pagar um valor muito maior para uma sessão
de design de sobrancelhas do que, por exemplo, o valor que recebo hoje
por uma hora-aula. Eu ia dizer o que para ela? Deixa disso, menina, vá
estudar pra ser professora?
Imaginei
se o paquímetro poderia, igualmente, ser usado num curso de Designer de
Buceta, para medir certinho a depilação da perseguida, a simetria das
entrefolhas.
Voltei aos vistos nas tarefas.
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