Uma
vez ao ano, às vezes nem isso, mas quando sim, geralmente nas férias de
julho, lavo minha bolsa de lona cáqui, que carrego a tiracolo com os
apetrechos de meu triste e desprestigiado ofício.
Desocupada,
lavada e a secar no varal, o seu conteúdo, espalhado por sobre a mesa
da sala, estava a atrapalhar a faxina iniciada por minha esposa, também
de férias.
Recebi
peremptória ordem de dar um jeito àquilo. Aos livros, cadernos e folhas
avulsas, fiz-lhes uma gaveta no fundo de uma cadeira, posta com o
assento no tampo da mesa e pernas ao ar para permitir a limpeza do piso.
Às canetas, vi uma garrafa plástica vazia de água mineral (500 ml) e,
com ela, fiz-lhes um estojo improvisado.
Gostei do resultado. Achei-o interessante. Contemplei-o por um momento.
Então, a ficha me caiu : eu tivera uma ideia de um designer
de móveis e interiores. Pãããããta que o pariu!!! É o complô
internacional para o embichamento planetário tentando pegar o Azarão.
Eu
acabara de criar um objeto-conceito, que traz em si, e ao mesmo tempo, a
fusão do elemento utilitário com o decorativo; a função mecanicista e
pragmática do porta-canetas exercendo também a função artística do
adorno.
Eu
acabara de conceber uma peça dessas vendidas em modernosas lojas de
decoração, tipo Tok & Stok, uma peça dessas expostas em salões
de utensílios arrojados e pra frentex. Minha criação só não é mais
vanguardista porque poucas coisas são mais antigas do que a expressão
"pra frentex". Tanto que só o Jotabê entenderá.
Pra
piorar : além do utilitário em união com o artístico, percebi que minha
criação também atendia e comungava com as prementes necessidades
ambientais do planeta, por se tratar de um exercício de reuso da
embalagem. Meu porta-canetas se revelou utilitário, artístico, ecológico
e autossustentável.
Pããããããta que o pariu!!! Foi por pura sorte que meu cu não começou a piscar, que minhas pregas não começaram a bater palminhas.
Mas,
por vasta experiência, sei que não posso me fiar na sorte. Olhei fixo
para o porta-canetas. Tentei espanar as desmunhecantes ideias da minha
cabeça. Concentrei-me em vê-lo como um simples e prático objeto. Um
porta-canetas das antigas.
Foi
então que, olhando para as canetas encapsuladas na garrafa - as tintas
em suas cargas, germens de textos e de poemas à espera de viris
reprodutores e de hábeis parteiras que os fecundem e os deem à luz do
papel em branco -, ocorreu-me que elas são como óvulos congelados em
nitrogênio líquido nos bancos de uma clínica de fertilização. Tanto
podem explodir em cores e vida como continuarem ali, inertes, para
sempre. Para sempre apenas possibilidades, potenciais.
Então, mais uma vez, a ficha me caiu : eu tivera uma ideia de artista de Bienal.
Uma ponte transgressora entre o prosaico e o acadêmico, a minha obra; entre o aterro sanitário e o vernissage.
A desconstrução da água mineral enquanto recurso natural monetizado. A
revalorização da caneta como obra de arte em si, como fonte geratriz,
não apenas como um vetor, como ferramenta condutora de grandes
clássicos. Os bastidores feitos em palco e protagonista.
Pãããããta que o pariu!!!! Embichei de vez!!!
Gostei
do porta-canetas improvisado, é bem verdade; mas por via das dúvidas e
em prol da integridade de minhas velhas pregas, assim que a bolsa secar,
as canetas voltarão para um de seus bolsos internos. De onde nunca
deveriam ter saído.
Vade retro ré no quibe!!!
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