"O filme que não deveria existir." Publicado originalmente em: Pensando a Dor. |
Antes de falar objetivamente sobre o filme, acho necessário colocar algumas palavras: nunca me considerei um aluno e, muito menos, um discípulo do Olavo (até porque não tenho a prepotência para assim me denominar), mas nutro pelo pensamento Olavista um apreço considerável e uma concordância significativa com boa parte de suas ideias (embora não sejam todas). Por isto, considero simplesmente ultrajante toda a maracutaia e patifaria promovida pelo festival de Recife com relação ao filme, demonstrando sintomaticamente o parasitismo de boa parte da intelligentsia brasileira. Mas vamos ao que interessa.
É claro que é impossível adaptar todo o contexto de uma obra literária para o cinema. As plataformas de produção dessas vertentes artísticas são compostas de características muito distintas e é muita ingenuidade imaginar que um filme consiga abarcar toda a narrativa tratada no livro (ainda mais quando este aborda tantas questões, especialmente filosóficas). Por isso que, ao menos para mim, o filme O Jardim das Aflições serve apenas como um introdutório das reflexões engendradas por Olavo no seu livro homônimo e, em certa medida, ao resto de sua extensa produção filosófica.
Na primeira parte do filme: Contra a tirania do coletivo, o Olavo desencadeia a ponta do iceberg de suas reflexões acerca das compleições socio-político-jurídicas do mundo contemporâneo, tomando como princípio "o jardim das delícias" de Epicuro, no qual ele encontra as raízes que viriam, posteriormente, a desembocar nas ideias que culminariam nas aflições de seu jardim. Neste ponto, o Olavo se põe ostensivamente contra a ação centralizadora e instrumentalizada com que o Estado detém o poder, bradando de tal forma que - brinco - assemelha-se a um libertário inveterado.
Caçando os esquerdistas. |
Apesar do tom de bajulação que às vezes surge no filme (consequência clara da admiração dos produtores do filme com relação ao filósofo), a construção do longa deixa a desejar ao mostrar as ideias do Olavo sem uma espécie de confrontamento mais claro. É óbvio que o intuito do filme é mostrar e disseminar as ideias do pensador, tais como elas são, mas trabalhar as ambiguidades com que o próprio Olavo erigiu seu pensamento poderia ter acrescentado para o filme. Contudo, isso não foi o suficiente para diminuir o brilhantismo do filme.
Olavo de Carvalho é, talvez, uma das figuras mais importantes no confronto com a hegemonia de pensamento e, citando o Lobão, o apartheid intelectual que foi engendrado nos meios de difusão de ideias pela intelligentsia brasileira. Além disso, foi por influência sua que muitas produções bibliográficas chegaram ao alcance dos leitores brasileiros, que jamais teriam acesso se não fosse pela sua iniciativa. E, sobretudo, na formação intelectual de diversos jovens. Por isto, é, ao menos para mim, compreensível o furor que seu nome causa, tanto por admiradores quanto por detratores. Afinal, a maior força que existe é a personalidade e, sem dúvidas, isso é algo que não falta ao Olavo.
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