Eu
raramente respondo postagens feitas fora desse blog.
Mas
me foi enviado pelo Ozy esse texto, postado no "Rapadura
açucarada" que aparenta ser um site que se propõe a postar scans de revistas em quadrinhos (não
conhecia o site e não posso afirmar com certeza a qualidade do trabalho, embora
eu tenha ouvido falar que são realmente excelentes). O texto na verdade é um
tipo de resumo transcrito do vídeo do filósofo Henry Bugalho, mas não irei responder o vídeo em si, focando na
postagem do Rapadura (onde os argumentos mais absurdos estão presentes) e
usando o vídeo apenas como "suporte". Também já deixo claro que não
sou um grande conhecedor do período histórico do Regime militar e me abstenho de defender ou atacar o documentário
como historicamente válido, me limitando a comentar os argumentos lógicos
presentes no texto (que são na verdade os únicos argumentos presentes no
texto). Vamos então:
"Eu não assisto o canal Brasil
Paralelo, pelo mesmo motivo que não assisto Diário do Centro do Mundo e outros
parecidos. São canais com forte teor partidário, ideológico, dogmáticos. Em
resumo, são canais que sempre estão puxando fortemente a sardinha - ou a baleia
jubarte - para o seu lado. Assim sendo, não assisti nem vou assistir o
documentário deles sobre 1964. Não perderia duas horas de minha ocupada vida
para ver isso da mesma forma que nunca assisti o filme Lula - O Filho do
Brasil."
Quanto
a esse inicio da postagem, não faço objeções. Não contesto que o Brasil
Paralelo possua um lado, uma vez que qualquer idiota pode perceber que possui
(isso não faz com que nada dito no documentário seja mentira ou verdade, mas
levanta sim suspeitas). A postura do senhor Eudes me parece razoável quanto a
isso, embora eu mesmo costume tomar uma postura diferente (ver conteúdos
nitidamente enviesados para ambos os lados).
"Mas, o pessoal que faz videos
comentando política, como Henry Bugalho e outros, assistiram e comentaram, e
eles são até mais aptos do que eu para comentar. Porém, mesmo sem assistir, uma
coisa já retira TODO e QUALQUER crédito da produção: ter o caquético Olavo de
Carvalho envolvido nele. Se tem o astrólogo muito louco é porque vem merda por
aí. E nem foi pelo Henry Bugalho que fiquei sabendo disso e sim, por ele mesmo
- Olavo - posar de garoto-propaganda nos comerciais do Facebook. "
Esse
trecho sintetiza o problema do texto. Alguém
que nitidamente não viu o documentário simplesmente acata as críticas de outro
como verdade sem questionar no mínimo aparenta ser uma pessoa que não se
preocupa tanto com a verdade (embora possa se defender o senhor Eudes ao se
observar que é um documentário extenso e que por falta de tempo, todos nós
acabamos tendo que aceitar em boa fé aquilo que dizem pessoas que consideramos
honestas. Nesse caso peço desculpas, mas ainda crítico a facção de um texto
sobre algo que claramente não se conhece).
[Adendo do Ozy, sobre os
desejos verdadeiros de EUDES:]
Quanto a desqualificação do documentário
unicamente por conta da participação do senhor Olavo de Carvalho, devo dizer que me parece uma atitude não só
infantil como não inteligente. Mesmo que se discorde de tudo o que uma pessoa
falou no passado, isso não fará com que necessariamente se discorde de tudo que
ainda será dito pela mesma pessoa. Certamente há uma repulsa e impressão de
desonestidade em relação a certas pessoas públicas, eu entendo, mas isso não
deveria ser parâmetro para ignorar tudo que possa ser feito por essas pessoas
(lembrando que a participação do Olavo é uma entre muitas no documentário). Eu
pessoalmente acho a senhorita Marcia
Tiburi uma das mulher mais intragáveis da política brasileira, o que não me impediu de a levar com o
mínimo de seriedade necessária para ler ao menos um livro dela.
"Bugalho diz que o
documentário abre com uma frase de alguém lá do Brasil Paralelo, ou citado por
eles, que diz que só quem viveu a Guerra Fria
pode saber realmente como era a situação em 1964, o que já invalida
praticamente todo documentário, pois muita gente ali não viver a Guerra Fria e,
pior, a afirmação é idiota, pois assim nenhum Historiador teria crédito, pois
nenhum deles, vivos hoje, viveu a época do Império Romano, as Cruzadas, a
Primeira Guerra Mundial,. e assim por diante."
Creio
que esse argumento (retirado diretamente do vídeo do senhor Bugalho) não se
sustenta ao ser analisado. O que acontece é que se tentar interpretar a fala
"É praticamente impossível que alguém que não tenha vivido a guerra fria
tenha condição de avaliar as condições pelas quais foram possíveis os
acontecimentos do mês de março de 1964" no sentido de que apenas quem
viveu no período pode sequer apontar os acontecimentos. O problema é que, por
mais literalmente que se interprete a afirmação, não é dito em nenhum momento
que não se pode falar ou comentar sobre os acontecimentos, e sim que não poderá
os avaliar (julgar). Se tomarmos essa interpretação nesse sentido literal, ela
claramente não é muito inteligente (afinal, tanto se pode avaliar como se
avalia) mas não chega perto de invalidar o documentário (podendo invalidar
apenas certos juízos de valor realizados por alguns dos entrevistados) e muito
menos a pesquisa histórica sobre outros assuntos, podendo no máximo a
limitar(afinal, pode muito bem se dizer que o príncipe Francisco Ferdinando foi
morto por Gávrillo Princip sem que se avalie a situação da época).
Mas o problema maior é interpretar a fala como
literal em sua totalidade. Quando no Brasil se diz que algo é
"praticamente impossível" não se quer dizer que seja impossível na
prática (ou seja, de fato impossível dentro da realidade concreta) mas sim que
é muito difícil (se eu disser que é praticamente impossível vencer fulano em
uma partida de xadrez, não estou afirmando que ninguém jamais poderá alcançar
vitória contra ele, mas sim que essa vitória seria dificilmente alcançada). E a
afirmação de que é muito difícil (praticamente impossível) que se entenda o
período da Guerra Fria sem o ter vivido é, até onde eu vejo, correta. Da mesma
maneira que é muito difícil de se entender diversos acontecimentos históricos
atualmente, incluindo acontecimentos ligados ao Império Romano, Primeira Guerra
Mundial ou Cruzadas. Achar que atualmente é fácil se entender ações feitas por
indivíduos inseridos em sociedades dotadas de mentalidades diferentes da atual
me parece um erro de julgamento.
Para ser justo, Bugalho mora fora do Brasil
(pelo menos eu acho que ele mora) e pode ter se desacostumado ligeiramente com
a língua, o que poderia o ter levado a interpretar literalmente a expressão
"praticamente impossível". O senhor Eudes também não pode ser acusado
de má interpretação proposital pois apenas replicou aquilo que foi dito por
Bugalho.
"O documentário parece que se
propõe ser honesto e aceita que foi um golpe e que houve uma ditadura,
contradizendo assim o presidente, o Ministro da Educação (quase ex-ministro),
o Ministro das Relações Exteriores e
sabe-se lá mais quantas pessoas desse governo. Porém, ainda continua com a
falácia da ameaça comunista, mesmo dizendo que não houve uma reação comunista
quando se deu o golpe. Ou seja, o golpe foi parar rechaçar uma ameaça comunista
que pretendia tomar o Brasil, no entanto esta ameaça tão iminente não reagiu
quando veio a "salvação" pelos militares."
O
argumento referente a não existência da ameaça comunista por conta da ausência
de reação imediata também não me parece sustentável. Ao meu ver, não há
exclusão no que se refere as duas afirmações. Uma "ameaça comunista"
poderia existir, com adeptos da ideologia planejando tomar o poder no país sem
que uma reação imediata ao golpe de 64 ocorresse. Afinal, mais tarde houveram
reações comunistas (vide as diversas guerrilhas) contra a ditadura. A premissa
de que a reação teria de ser imediata não só se sustenta logicamente (por
diversos motivos, sejam estratégicos, organizacionais ou de outro tipo, poderia
não se ter reagido naquele momento) como não aparenta encontrar bases
históricas sustentáveis. Basta lembrar de outro famoso caso brasileiro, o golpe
do 15 de Novembro. As grandes reações (Canudos, Armada, etc...) não ocorreram
de imediato, apesar de ser óbvia a existência de apoiadores da monarquia no
Brasil.
"Bugalho diz que o
documentário terminando deixando subentendido que, no fim das contas, os
próprio militares é que eram comunistas. Não, não uma ala, mas os militares que
regeram o Brasil. Essa alucinação não é inédita. Olavo de Carvalho já falou
mais explicitamente sobre isso em uma teoria tão absurda que chega a ser idiota
até mesmo para ele."
Aqui eu devo deixar claro que houve
uma má interpretação do vídeo de Bugalho por parte do senhor Eudes.
Bugalho não diz que o documentário afirma que os militares eram comunistas. O
que o filósofo diz é que o documentário deixa subentendido que os militares
eram esquerdistas (o que não é exatamente a mesma coisa). Creio eu que há um
exagero por parte de Bugalho, se não me engano apenas um dos entrevistados do
documentário diz que o golpe possuía caráter revolucionário e, portanto, não é
de direita (e não o documentário inteiro deixa sub-entendido), embora seja
possível que eu tenha deixado passar uma defesa mais geral desse argumento.
Conclusão:
Acho que deixei claro minhas discordâncias
quanto a lógica das críticas contra o documentário (o debate historiógrafo deve
ser travado por entidades que entendem mais sobre o assunto, o que talvez seja
o caso de Eudes ou Bugalho mas certamente não é o meu). Não sou arrogante o
bastante para me considerar irrefutável e ficaria feliz com qualquer
apontamento de erros cometidos por minha parte.
Vou
deixar o vídeo do Bugalho para que vocês possam avaliar por si mesmos, assim
como o link da postagem:
http://rapaduradoeudes.blogspot.com/2019/04/brasil-para-leigos.html