Na
segunda e “conclusiva” parte, Sean Howe foca mais em contribuições criativas
pouco comentadas de Steve Ditko, em especial duas cruciais para o Homem de
Ferro e o Hulk. É revelado mais do caráter recluso de Ditko, e possíveis “gotas
d’aguas” que o fizeram com que larga-se a maior mina de ouro que havia em suas
mãos, no caso, o Homem-Aranha. É uma jornada inversa: Lee se firma perante o
público como um “embaixador dos quadrinhos”, ao tempo que Steve Ditko...
-->Transcrição formatada da pág. 39 à 51 do livro “A História Secreta da Marvel – Sean Howe:
Biografia sobre o Rei, inédita no Brasil |
Lee movimentava os
artistas como peças de xadrez, testando-os em diferentes títulos até que algo combinasse.
Dick Ayers se assentou com passagens confortáveis por Sgt. Fury e o Comando
Selvagem [Sgt. Fury and His Howling Commandos] e nas histórias do Tocha Humana,
em Strange Tales ; Don Heck herdou Os Vingadores e Gigante de Kirby; Werner Roth
assumiu Os X-Men; e Ditko tirou o Homem de Ferro de Heck em Tales of Suspense durante
um período curto. O Hulk foi trazido de volta a Tales to Astonish, repensado
por Ditko de forma que a transformação de Bruce Banner em Hulk fosse causada
pelos acessos de raiva de Banner.[26] Com
frequência era requisitado aos artistas que copiassem o estilo de Jack Kirby.
Quando novos artistas estreavam num título, Lee pedia a Kirby para fazer o layout
da primeira edição, dando aos novatos as rodinhas de bicicleta para a expressão
visual. “Stan queria que Kirby fosse Kirby, que Ditko fosse Ditko... e que
todos os outros fossem Kirby”, disse Don Heck; aliás, quando Heck assumiu Os
Vingadores , Lee não teve vergonha de elogiar o que considerava o ideal
platônico. “Don Heck desenhou esta aqui com Dick Ayers ajudando na arte-final”,
rugia ele na seção de cartas, “e você vai se surpreender com o quanto ele
chegou perto do estilo do King Kirby!”.
Durante as reuniões
de roteiro, Lee repetidamente enfatizava a ideia do dinamismo. Cada palavra,
insistia ele, devia fazer a história progredir. Toda ação tinha que ser
enfática; quando um punho batia numa mesa, tinha que ser um trovão, e quando
alguém levava um soco, tinha que sair voando. Personagens que estivessem
falando tinham que aparecer com a boca bem aberta. Ao discutir uma cena de
luta, ele interpretava a ação para os artistas, subindo na mesa, pulando no
sofá, fazendo vozes, enquanto eles entortavam o pescoço, descrentes diante do
boneco humano, careca e exuberante de 42 anos. Apesar da ginástica entusiasmada
de Lee, alguns dos artistas tinham agonia com os argumentos rasos, que exigiam
deles inventar cenários e determinar o ritmo (trabalhar no Método Marvel era “como
enfiar a mão nas minhas entranhas e puxar”, resmungou um deles, anos depois). A
solução óbvia, concluiu Lee, era encontrar artistas com experiência de escrita,
que estivessem acostumados com a carga pesada e não precisassem de muita
explicação. Ele repassou as opções que lhe restavam. A tentativa de colaborar
com Carl Burgos, criador do Tocha Humana original, terminou de forma rápida. A
seguir, Lee recrutou Bill Everett, criador do Príncipe Submarino, agora com 46
anos e trabalhando como diretor de arte em Massachusetts, para ver o que ele
faria com o nome “Demolidor”, outra marca registrada da empresa que estava sem
uso. O conceito do novo Demolidor não tinha nada de extraordinário: Matt
Murdock, estudante esforçado e filho de um boxeador – pai solteiro nas últimas,
salva um cego de um caminhão de entregas dos Laboratórios Atômicos Ajax – e é cegado
por um cilindro radioativo. Como ele vivia no Universo Marvel, a radiação
também aguçou seus outros sentidos, que vêm bem em conta quando ele precisa
vingar o assassinato do pai. Murdock cresce e vira advogado, satisfazendo o gancho
forçado de Lee para “a justiça é cega” e dando ao Demolidor acesso fácil às
ocorrências criminosas. Mas Everett não conseguiu cumprir o prazo, mesmo depois
do apoio de Kirby no design do personagem. “Eu trabalhava 14 a 15 horas por
dia”, diria ele mais tarde, “aí, voltar para casa e tentar fazer
quadrinhos à noite era demais”. Ele entregou a Sal Brodsky os dois terços de
Demolidor n. 1 que conseguira completar. Brodsky entrou em pânico; a sorte foi
que Steve Ditko estava na firma, e Brodsky cercou-o até terminar a edição que
houvesse na mesa. Levaria mais um ano até que Everett voltasse a trabalhar na
Marvel. A segunda edição de Demolidor foi entregue a Joe Orlando, que fizera
quadrinhos marcantes de terror e ficção científica na EC. “O problema”, admitiu
Orlando, “é que eu não era Jack Kirby. Jack ou Ditko e mais um punhado de
outros – conseguiam pegar algumas frases de trama e trazer vinte páginas que
Stan levava uma ou duas tardes para dialogar. Quando eu desenhava a história ao
meu modo, Stan vinha, olhava e dizia ‘este quadro precisa ser alterado’ ou
‘esta página inteira precisa ser alterada’ e assim por diante. Eu não fazia a
trama da forma que ele queria contar a história, então acabava tendo de
desenhar pelo menos metade da edição pela segunda vez. Não pagavam o suficiente
para compensar o retrabalho, então eu desisti”.
Demolidor foi passado
para o mentor de Orlando, o brilhante mas volátil Wally Wood. Seus
deslumbrantes contos espaciais na Weird Science e paródias na Mad o haviam
tornado umas das figuras mais reluzentes da EC Comics, e Jack Kirby escolhera-o
pessoalmente para arte-finalizar seus desenhos na tira Sky Masters. Assim como
Kirby, Wood era um burro de carga. Mas não foi só o cronograma penalizante que
começou a pesar para o artista. Ele sofria de enxaqueca crônica, depressão,
bebia bastante e passava noites insones no estúdio, subsistindo de cafeína e
cigarro. Pouco antes de a Marvel telefonar, Wood havia saído furioso da Mad
porque um editor recusara uma história
sua. Ele precisava do dinheiro e havia parado de beber, o que não queria dizer
que ia entrar na linha da editora. Era teimoso e dado a fazer joguinhos. “Mesmo
que houvesse cinzeiros na sala do Stan”, disse Flo Steinberg, “ele sempre
soltava as cinzas no carpete. E o Stan pirava. Aí, quando o Woody ia à sala do
Stan, eu entrava junto e espertamente tirava o cigarro das mãos dele no último
minuto. Algumas vezes funcionou. Mas assim que entrava na sala ele acendia
outro”. Lee trombeteou sua nova estrela com chamada na capa, algo que nem Kirby
nem Ditko ganhavam. “Sob a perícia artística do famoso ilustrador Wally Wood, o
Demolidor atinge novas glórias!”, berrava a capa de Demolidor n. 5. A capa,
porém, era desenhada por Jack Kirby. Lee sempre podia confiar em Kirby. Já
fazia alguns anos que Stan vinha intensificando seu estilo modernoso,
aliterativo, camelô beatnik. Distribuía apelidos para todos que trabalhavam nos
quadrinhos e dava notícias nas seções de cartas com uma voz que era o coquetel
singular de fanfarrice e autodepreciação. Em Marvel Tales Annual n. 1, de 1964, ele publicou fotos em preto e
branco de “Magnânimo Marty Goodman”, “Stan Sorrisos Lee”, “Solly Cintilante
Brodsky”, “Jovial Jack Kirby” e outros dezesseis. Havia pelo menos uma ausência
notável: não se via o “Sólido” Steve Ditko. “Alguns coleguinhas do Bullpen não
estavam na cidade quando tiramos essas fotos”, explicava animadamente o texto,
“outra hora as fuças deles aparecem”. Na verdade, Ditko estava distanciando-se
silenciosamente do discurso motivacional marvelesco.
Em 27 de julho de
1964, um grupo de fãs alugou um salão próximo à Union Square e convidou roteiristas, artistas e colecionadores (e
um vendedor) de quadrinhos antigos para reunirem-se. Ditko apareceu nessa que
foi a primeira convenção de quadrinhos, mas estava longe de ser um embaixador
de boas-novas. Um dos fãs, Ethan Roberts, chamou a ocasião de “interlóquio mais
deprimente que já tive com um profissional dos quadrinhos”. Ditko – “alto,
magro, cabelo rareando, rígido, óculos” – respondeu ao desejo de Robert de fazer
carreira nos quadrinhos dizendo-lhe “como o trabalho era difícil, que pagava
muito
pouco e que as
recompensas eram mínimas. Foi deprimente”. Ditko nunca mais foi a convenções.
Quando os desenhos que dera a fãs apareciam nas capas de fanzines mimeografados,
ele reagia com cartas iradas (“Não é a primeira vez que fui tratado sem consideração
por fãs”) e parou de dar suas artes por nada. Duas semanas depois da convenção,
saiu Espantoso Homem-Aranha n. 18. O argumento
era todo de Ditko, que vinha tendo desacordos com Lee quanto ao direcionamento da
série e aos poucos ia assumindo mais controle do enredo. Ditko achava que Lee
tinha medo de seguir o próprio instinto e queria mais agradar os fãs que
escreviam cartas, com “a tendência a absorver de forma literal as reclamações
que vinham por escrito”. Ditko resistiu aos pedidos de Lee para suavizar as
arestas dos personagens coadjuvantes do HomemAranha. Ele também era contra
soterrar o título de elementos fantásticos ou místicos, preferindo manter as
histórias “mais no mundo crível de um adolescente”. Lee queria o máximo
possível de cenas de luta com uniforme; Ditko queria mais cenas de Peter
Parker. A décima oitava edição foi o ápice do conflito entre os dois: alguns
quadros em que o Homem-Areia acertava o Homem-Aranha, mas na maior parte um
gibi de super-herói sem aventura, só de um adolescente sem grana, importunado,
mal-amado e seus probleminhas. A descrição que Lee fez nas seções de cartas de
outros gibis Marvel daquele mês puxava o tapete de Ditko ao mesmo tempo em que
vendia a edição. “É certo que vários leitores vão detestar”, prometia ele
quanto à revista, “e, se você quer saber do que os críticos estão falando, compre
já seu exemplar!”. As rachaduras começaram a aparecer bem quando a animação da
torcida de Lee atingia ponto de ebulição. O Bard
College convidou-o para uma palestra, e outras escolas vieram a seguir. Lee
ficou tão enlevado por esse interesse do ensino superior que, quando decidiu começar
um fã-clube Marvel – a Merry Marvel Marching Society, ou MMMS –, as inscrições
visavam mais estudantes universitários do que garotinhos de dez anos. Por um dólar,
podia-se comprar um kit MMMS que incluía, além de adesivos e o cartão de sócio,
um bóton “para combinar perfeitamente com sua chave da Phi Beta Kappa!”27 Um flexi-disc 33 rotações também era
incluído no kit. Para “As vozes da Marvel”, Lee escreveu um roteiro recheado de
piadinhas bobas, marcou hora num estúdio do centro e reuniu funcionários e freelancers
no escritório para ensaios. “Para o Stan, era como se estivesse produzindo a entrega
do Oscar”, disse Kirby. “Ele escrevia e reescrevia... todo mundo entrou no escritório,
tinha mais gente do que espaço. Quando não era a sua vez, você tinha que
esperar no corredor. Naquele dia não se fez nada dos gibis. Foi um dia só para
o disco. Ensaiamos a manhã inteira. Era para irmos almoçar e depois no estúdio
de gravação... mas chegou a hora do almoço, e Stan disse ‘não, não, ainda não
estamos prontos’, então a maioria matou o almoço e ficou lá para ensaiar mais.
Aí pegamos táxi até o estúdio de gravação e era para ficarmos uma ou duas
horas, mas foi até o início da noite. Não sei quantos takes foram.”[28] “As vozes da Marvel” trazia quase todos os nomes
negritados na editora, fazendo piadas, de forma encantadoramente desajeitada,
que talvez não pudessem ser ditas de outra forma. Lee, Kirby, Ayers, Heck,
Steinberg, Brodsky, Goldberg, o arte-finalista Chick Stone, os letreiristas
Artie Simek e Sam Rosen e a novíssima estrela Wally Wood estavam todos reunidos
numa gravação de cinco minutos. Steve Ditko, mais uma vez, ficou de fora. Lee transformava
tudo em chiste:
STAN: Ei, o que está acontecendo
aí, Sol?
SOL: Ah, é o Steve Ditko,
tímido como sempre. Ele ouviu dizer que você ia fazer um disco e ficou todo
assustadinho! Oops! Lá vai ele!
STAN: Ele pulou pela
janela de novo? Olhe, estou começando a achar que ele é mesmo o Homem-Aranha.
Steve Ditko: Se sentindo o Aranha perto do Quarteto. |
No mês em que o disco
foi anunciado, um aviso saiu na primeira página de Surpreendente Homem-Aranha.
“Muitos leitores perguntam por que o nome de Stan vem na frente dos créditos!
Por isso ele e seu coração mole dessa vez toparam deixar o nome do Steve! Que tal?!”
A piada: o nome de Lee estava abaixo de Ditko – com o dobro do tamanho. Ditko
não riu. Devoto cada vez mais fervoroso das obras da romancista e filósofa Ayn Rand – cuja filosofia
objetivista sublinhava o interesse pessoal, os direitos individuais e a lógica
dura e fria –, ele estava longe da imagem do empregado dócil. Stan Lee,
enquanto isso, era um ímã de aplausos, sempre querendo agradar e submisso às
exigências de Goodman – praticamente um vilão randiano feito sob medida.29 “Não
sei o que ele fez, nem onde ele morava, quem eram seus amigos, ou o que ele fez
de si”, Stan Lee diria anos depois a respeito de Steve Ditko. No início de
1965, os dois não estavam mais se falando. Ditko inventava suas próprias
tramas, desenhava as páginas e entregava as artes a Sol Brodsky, que repassava
a Lee. A MMMS foi uma sensação; havia seções em Princeton, Oxford e Cambridge.
Flo Steinberg tinha de vir no fim de semana ao escritório para dar conta dos
pedidos de filiação que não paravam de chegar. “Tínhamos de escrever o nome de
cada um, fazer etiquetas para cada um, pegar centenas de notas de um dólar. A
gente ficava jogando as notas uns nos outros, de tantas que eram!” A obsessão
não estava somente nas cartas – fãs adolescentes começaram a ligar para o
escritório para longas conversas telefônicas com a Fabulosa Flo Steinberg, a bela
jovem que respondia as cartas com tanta gentileza e cuja foto adorável
conheciam dos gibis. Não demorou muito para eles aparecerem nos corredores
mal-iluminados da Madison 625, querendo conhecer Stan, Jack, Steve, Flo e toda
a turma. Mas não sobrava tempo. Lee tinha um universo fictício inteiro para
administrar. Ele fora vigilante em manter a continuidade consistente entre
todos os títulos, de forma que, por exemplo, quando o Hulk era capturado em
Tales to Astonish, Reed Richards ficava se perguntando sobre seu paradeiro no
Quarteto Fantástico Anual. Se Tony Stark sumia em Tales of Suspense, também não
era visto na edição seguinte de Os Vingadores . Uma edição de Sgt. Fury e o
Comando Selvagem, que se passava na Segunda Guerra Mundial e até então estava
alheia aos super-heróis, contou com a participação especial do Capitão América.[30] As exigências dessa coreografia acabaram ficando
tão intrincadas que Lee tirou Thor, Homem de Ferro, Gigante e Vespa dos
Vingadores, substituindo-os por Gavião Arqueiro [Hawkeye], ex-vilão do Homem de
Ferro, Mercúrio [Quicksilver] e Feiticeira Escarlate [Scarlet Witch], outrora
nêmeses dos X-Men.[31] Capitão América
permaneceu nos Vingadores, mas suas aventuras solo em Tales of Suspense agora eram restritas ao seu passado na Segunda
Guerra Mundial, que não precisava de sincronia tão afinada. Lee também tentava
tapar buracos na mão de obra. Ao longo de 1965, mais veteranos da Atlas
voltaram: George Tuska começou a desenhar o Capitão América em Tales of Suspense sobre os layouts de
Kirby; Gene Colan começou a fazer histórias do Príncipe Submarino em Tales to Astonish; John Severin (irmão
mais velho de Marie) desenhava “Nick Fury, Agente da S.H.I.E.L.D.” na Strange
Tales . Kirby reclamou para si o Hulk do incomunicável Steve Ditko por um
período breve, antes de entregá-lo a um carrossel de artistas probatórios que chegou
a incluir Bill Everett, ainda problemático nos prazos. Lee continuou a cortejar
John Romita, que fora demitido sem cerimônia em 1957. Romita resistira às
ofertas persistentes de Lee durante todo o início dos anos 1960, duvidando das afirmações
de que a sorte da Marvel havia virado. Ele já fora testemunha de vários ciclos
de queda e ascensão e por isso sabia que era melhor ficar com o que era
garantido: a DC pagava melhor. Por que assumir riscos?
Romita Pai e Romita filho (Romitinha), duas lendas da Marvel, e sucessores em traço de Jack Kirby |
Em 1965, Romita finalmente disse a Lee que estava deixando o mercado de quadrinhos e ia pegar uma vaga fazendo storyboards na agência BBDO. “Eu estava esgotado depois de passar oito anos desenhando gibi romântico”, disse Romita. “Não conseguia desenhar mais nada.” Lee insistiu que eles se encontrassem para conversar. “Você não tem ideia do sucesso que esses carinhas fazem”, Lee explicou durante o almoço, sacando edições de Quarteto Fantástico e O Surpreendente Homem-Aranha. Romita achou o Homem-Aranha terrível, mas Lee insistiu que os super-heróis tinham apelo entre os leitores, que eram o futuro. Romita, titubeante, aceitou voltar a trabalhar para a Marvel na condição de que só iria arte-finalizar páginas desenhadas. Três semanas depois, Lee pediu a Romita amostras de ilustração do Demolidor. Não disse que o artista regular da série, Wally Wood, já estava com o pé do outro lado da porta. Para Wood, o assim chamado Método Marvel – desenhar a edição antes de haver roteiro – significava criar argumento sem ser pago nem ganhar crédito. Assim, na décima edição de Demolidor, Lee lhe entregou as rédeas por completo, dando uma premissa ao leitor que tinha algo de familiar e insinuante. “Wally Wood sempre quis uma chance de também escrever as histórias que desenha, e o adorável Stan (que precisava mesmo de um relax) falou: manda ver! Portanto, a seguir, prepare-se para... sei lá o quê! Goste ou não goste, você pode ter certeza que... vai ser diferente!”
Wood, contrariado,
imediatamente levantou acampamento e partiu à incipiente Tower Comics para editar uma linha de títulos de super-herói. Lee
passou Demolidor a Romita, baseado nas ilustrações que ele havia entregado do
herói fazendo acrobacias no céu. Quando Romita trouxe as páginas, porém, Lee
disse que o estilo ainda denunciava sua experiência nos quadrinhos românticos e
que ia conseguir outro artista para fazer os layouts. Assim ele ia aprender
como se faz. Ligou para Jack Kirby. Wood já estava trabalhando na Tower Comics
quando viu os comentários de Lee na seção de cartas de Demolidor n. 10: “O
Wonderful Wally resolveu que não tem tempo para escrever a conclusão no próximo
número, e se esqueceu de deixar as respostas que a gente vai precisar!
Portanto, o Sofrido Stan ficou com a tarefa de amarrar essa trama toda e dar um
jeito de tudo ficar limpinho e bonitinho! E vocês achando que tinham
problemas!”. Wood voltou-se para os colegas da Tower Comics e descascou Stan
Lee. Guardaria esse rancor por anos. A verdade era que Lee – que passava as
terças, quintas, sábados e domingos escrevendo na sua casa de Hewlett Harbor e
vinha à firma nos outros três dias – ainda precisava de muita ajuda com a carga
de trabalho. Foi quando Steve Skeates, fã do Homem de Ferro que estava perto de
se formar na Alfred University, interior do estado de Nova York, escreveu uma carta
à Marvel em forma de quadrinhos, Lee ligou pessoalmente para Skeates e
contratou-o, pelo telefone mesmo, como editor-assistente. Quando ele chegou à
sede da Marvel, foi repassado de mesa em mesa, onde conferia roteiros e tentava
auxiliar no processo de produção. Mas Lee logo percebeu que o recém-formado não
entendia nada de como fazer revistas em quadrinhos e tinha mais experiência em
filar cigarros de Marie Severin do que em corrigir roteiro. Quando solicitado
para acertar rabinhos de balões de fala, Skeates só conseguiu desenhar linhas
trêmulas. Foi nesse momento que Lee recebeu o bilhete de um habitué das seções
de cartas, Roy Thomas, o qual anunciava que havia acabado de se mudar para Nova
York e gostaria de conhecê-lo pessoalmente. Thomas estava com 24 anos. Passara
os últimos deles como professor de Inglês no ensino médio no Missouri, onde
nascera. Mas vivia e respirava quadrinhos: escrevia cartas tanto para a DC
quanto para a Marvel e ainda editava o fanzine
Alter Ego. Viera a Nova York para trabalhar com Mort
Weisinger na DC – o mesmo editor que infernizara a vida de Jerry Siegel. Mas,
assim que Thomas chegou, Weisinger prontamente raspou 10% do salário prometido
e informou que ele ficaria em estágio probatório de duas semanas. Aí Weisinger
apresentou Thomas a seu assistente anterior, dizendo que ele já fora demitido,
mas teria de ficar para preparar o novo contratado. Quando Weisinger precisava
de Thomas para alguma coisa, convocava-o a sua sala via interfone e ficava
resmungando ofensas. Em questão de duas semanas, Thomas já estava se autoflagelando
em seu solitário quarto de hotel da Rua 23, questionando se a carreira nos quadrinhos
não havia sido um grande engano. Lee ligou para o hotel de Thomas e pediu para
ele fazer um teste: acrescentar diálogos e recordatórios às páginas de Quarteto
Fantástico Anual n. 2. Em 9 de julho, duas semanas depois de mudar-se para Nova
York, Thomas estava na sala de Stan Lee. Cansado da busca por novos talentos e
impressionado com Thomas, Lee não queria perdê-lo. Ele se voltou para a janela,
conferiu o movimento na Madison Avenue e perguntou o que a Marvel precisava
fazer para tirar Thomas da DC. Lee mandou Thomas para casa com instruções de
roteirizar uma edição inteira de Lili, a Garota Modelo; quando Thomas voltou,
na segunda-feira, foi enfiado na sala de Brodsky e Steinberg, com uma máquina
de escrever sobre uma mesa de metal ondulado. Estava contratado para sentar e
escrever ali por quarenta horas semanais – o cargo era “roteirista residente” –
mas com telefone tocando, freelancers entrando e saindo, e Sol e Flo e Marie passando
para lá e para cá, não havia como ele se concentrar. Não demorou a começar a fazer
serão até 8 ou 9 da noite, apagando as luzes da sala num prédio já às escuras.
Lee revisou o contrato para que Thomas pudesse trabalhar de editor-assistente
durante o dia e escrever os roteiros de casa. Lee teve que reescrever muitos,
freneticamente. Mas logo a incrível capacidade de Thomas de imitar o estilo do
chefe lhe rendeu passe livre em colaborações com artistas de Sgt. Fury e Os
X-Men. Enfim, depois de três anos de procura, havia alguém em quem Lee confiava
não só para roteiro, mas também para co-argumentar os gibis de super-herói
da Marvel. Lee poderia dedicar mais tempo a seu cargo secundário: embaixador
mundial dos quadrinhos.[32]
Nesse momento, as
obras-primas em papel barato que a Marvel fazia já eram referência nas aulas de
física da Cornell University e nos jornais estudantis de Colgate, e Lee topava todos
os convites para palestras nos campi. Aos poucos, os jornais começaram a
prestar atenção: o Wall Street Journal
percebeu o aumento nas vendas, enquanto o Village
Voice destacou como os beatniks haviam adotado as histórias adoidadas e
moderninhas. “Os gibis Marvel são os primeiros da história que conseguem
envolver um escapista pós-adolescente”, bradava o Voice. “Porque os gibis Marvel são os primeiros a suscitar, mesmo
que metaforicamente, o Mundo Real.” A tagarelice afiada e autoinquisitiva de
Lee ganhou destaque, assim como a verossimilhança dos cenários nova-iorquinos.
“Há aproximadamente quinze
super-heróis no Grupo Marvel, e quase todos eles moram na região de Nova York. Seus
marcos lotam o centro de Manhattan. Na Madison Avenue, o Edifício Baxter é a
casa do Quarteto
Fantástico e de toda a sua aparelhagem de segurança... O Doutor Estranho é mestre
do conhecimento oculto e costuma sair por aí em forma ectoplásmica; seus
criadores dão a entender que ele mora no Village, pois provavelmente ninguém
ali se assusta com espectros.”[33] Enquanto
isso, em San Francisco, o poeta Michael McClure usava um monólogo de Strange Tales n. 130 como peça central
de sua controversa peça The Beard, de 1965. Houve entusiasmo similar da parte
do mundo das artes. Roy Lichtenstein apropriou-se de um dos quadros de Kirby em
X-Men na sua pintura Image Duplicator, e Paul Morrissey, futuro colaborador de
Warhol, fez um filme experimental de dez minutos, A Origem do Capitão América,
no qual um ator lia Tales of Suspense n. 36 em voz alta. Havia outros gibis espalhados pelo
fundo do filme de Morrissey – e eram todos gibis Marvel. Lee aproveitou a
oportunidade e tacou o logo “Marvel Pop Art Productions” no cantinho das capas.
Kirby também via ressonância com a arte contemporânea: fez experimentos de fotocolagem
grisaille nas histórias do Quarteto Fantástico, conferindo grandiosidade a sequências
no espaço sideral (ou em outras dimensões). Os quadrinhos também chamaram a
atenção de Robert Lawrence, sócio da Grantray-Lawrence Animation, que os
espiava nas bancas e fez a conexão com o movimento da pop art. Entrou em contato com Martin Goodman, que já estava
ensinando ao filho mais novo, Chip, o bê-á-bá dos negócios familiares. A
Grantray-Lawrence propôs um acordo dos sonhos para produzir uma série de
animação, The Marvel Super Heroes, e
ia tirar todas as imagens direto dos gibis impressos. O estúdio garantiu a
participação nos lucros de merchandising
relacionados ao programa. “Conseguimos um contrato impensável com os Goodmans”,
gabava-se Lawrence, “porque eles não sabiam nem o que tinham nem o que podiam”.[34]
A fotocolagem de Jack Kirby! |
Dennis e a missão do LSD |
Nada disso
impressionava os vizinhos da Magazine Management, que ainda não entendiam
porque aquela coisinha de criança de uma hora para a outra andava chamando tanta
atenção. Quando Federico Fellini, vindo a Nova York para promover Julieta dos espíritos,
correu à Madison Avenue 625 para conhecer Stan Lee, o editor da revista Men – Mel
Shestack – escarneceu que Lee nem sabia quem era Fellini; anos depois, Shestack
insistiu que o diretor rapidamente perdeu o interesse por Lee e se harmonizou
mais com os editores das revistas pitorescas, que eram eles próprios “gibis de
carne e osso”. A condescendência era a regra. “Estavam sempre fazendo troça da
gente. Entravam e ficavam de risadinhas”, recordou Flo Steinberg. “Mario Puzo
dava uma espiada quando estava indo para sua sala, via todo mundo trabalhando e
dizia: ‘Mais rápido, duendes. O Natal está chegando”. A verdade era que as
revistas da Magazine Management ainda botavam o pão na mesa de Martin Goodman.
“O que mais vendia eram as revistas masculinas”, disse Ivan Prashker, outro
editor. “Não eram os gibis. Todos os caras que trabalhavam nas revistas
masculinas achavam Stan Lee um palerma.” No outono de 1965, Roy Thomas recrutou
um colega de Missouri, Dennis O’Neil, para ser o segundo assistente editorial
da Marvel; em questão de semanas, um dos editores da divisão de revistas tentou
aliciar O’Neil num plano de dar LSD a Stan Lee. “Ele ia conseguir o cubinho de
açúcar com o ácido”, disse O’Neil. “Minha missão, caso eu optasse em aceitar,
era soltar no café dele.” O’Neil, que se descrevia “rebelde hippie de esquerda”
e já tinha levado sermão de Lee por usar no trabalho uma camiseta com a planta
da maconha, negou-se.
Parker entra em choque com protestantes em Espantoso Homem-Aranha #38 |
Em O Espantoso Homem-Aranha, Peter Parker
formou-se no colegial e deu fim ao namoro com Betty Brant, do Clarim Diário, a
primeira menina que fora gentil com ele – Peter percebeu que ela nunca seria
feliz com um combatente do crime em perigo constante. Peter foi para a
faculdade, onde conheceu Gwen Stacy, Harry Osborn e o Professor Miles Warren –
todos os quais viriam a tornar-se personagens importantes. Tudo isso aconteceu
enquanto Steve Ditko e Stan Lee não se falavam. O abismo de comunicação foi uma
das primeiras coisas que Roy Thomas conheceu no serviço. Quando Ditko veio
entregar uma edição e anunciou que estava indo para casa trabalhar na seguinte,
Thomas fez troça: “É mesmo? Então vai ter mais uma?”. “Eu estava só de
brincadeira, mas Sol me puxou de lado e disse: ‘Olhe só, você tem que ter muito
cuidado quando fala assim com um cara como o Steve. Porque agora ele vai pegar o
metrô e vai passar a viagem inteira pensando no que você quis dizer ou se sabia
algo que ele não sabia.’ Todo
mundo pisava em ovos com ele. Como é que o Stan sempre sabia quando não sair da
sala porque o Steve estava lá, não tenho ideia.” Mesmo não se falando, eles
davam um jeito de discordar. Quando Lee acrescentou um recordatório em Strange Tales para trombetear: “Esta
série foi votada ‘Maior chance de sucesso’ (por Stan e Steve)”, Ditko contestou
que não fizera parte de processo eleitoral algum, então Lee mudou para “(por
Stan e Barão Mordo)”.[35] Também não colaborava
a devoção contínua de Ditko aos princípios de Ayn Rand, e sua vontade de
preencher os quadrinhos com referências a esses princípios. Ditko pegou o termo
randiano saqueador [looter] e aplicou-o a um vilão; trouxe a ideia de que os
homens “devem se relacionar pela troca de valor por valor” e fez Peter Parker
exigir “troca igualitária de valores” de J. Jonah Jameson. Foi ótimo ver Parker
metendo bronca, mas ele também começou a agir de forma meio estranha. Usou uma
estratégia passivo/agressiva para encerrar a relação com Betty Brant e, quando
se deparou com um protesto no campus, em O Espantoso Homem-Aranha n. 38,
tentou dissuadir os manifestantes. “Mais uma manifestação estudantil! O que eles
querem HOJE?”, irritou-se. Quando um missivista da Students for a Democratic Society
[36] pediu explicações de Lee, ele se fez de
salame. “Nem em um milhão de anos achamos que alguém ia levar a sério nossos
manifestantes tão bobinhos!”
Ao fim de 1965,
quando um repórter chamado Ned Freedland visitou a sede da Marvel para um
perfil de três mil palavras destinadas ao New
York Herald Tribune, achou Lee com um humor pouco usual: franco. “Eu não
faço mais o argumento do Homem-Aranha”, disse:
“Steve Ditko, o
artista, é quem tem cuidado das histórias. E acho que vou deixar ele em paz até
que comece a derrapar nas vendas. Já que o Aranha anda tão famoso, Ditko se
acha um gênio. A gente discutia tanto por conta das tramas que eu disse para
ele mesmo fazer. Ele também não deixa ninguém arte-finalizar os desenhos. Solta
as páginas aqui, já finalizadas, com anotações nas margens, e eu coloco os
diálogos. Nunca sei com o que ele vai vir, mas é um jeito interessante de
trabalhar.”
Freedland ficou
impressionado com Lee. Pintou-o como um homem “ultra-Madison Avenue, um sósia
mais esguio de Rex Harrison” responsável por triplicar a circulação dos quadrinhos
a 35 milhões de exemplares por ano, vender 40 mil filiações da Merry Marvel Marching
Society e inspirar 500 cartas de fãs por dia. Freedland descreveu Lee cansando
os olhos de ler tantas cartas e aflito quanto à escolha da onomatopeia mais
adequada para uma página de Quarteto Fantástico n. 50. Encantado com as tiradas
autodepreciativas de Lee e as anedotas fellinianas, o repórter mal fez menção a
Martin Goodman e foi apenas tangencial quanto à contribuição de Ditko,
referindo-se ao Homem-Aranha como obra-prima – “o personagem mais fora do comum
que sua imaginação alcançou”. Freedland conseguiu participar de uma das
reuniões de Lee e Kirby para discutir roteiro, nas manhãs de sexta-feira – e
não podia ter chegado em hora melhor. Eles estavam discutindo histórias do
Quarteto Fantástico, que corria a todo vapor ao seu auge, amarrando todas as
subtramas que os dois vinham pontuando havia meses. “O Coisa finalmente derrota
o Surfista Prateado”, Lee propôs a Kirby, enquanto Freedland anotava. “Mas aí
Alicia o faz perceber que cometeu um engano. É isso que o Coisa sempre temeu
acima de tudo, que um dia ia perder o controle e fosse atacar uma pessoa.” Lee,
expansivo, foi ganhando impulso, Kirby apenas se interpondo com sinais de
concordância, OKs e hmmms. “O Coisa fica de coração partido. Sai sozinho por
aí. Está com vergonha de encarar Alicia ou de ir para casa, de voltar para o
Quarteto Fantástico. Não percebe que vai fracassar pela segunda vez... e quanto
o Quarteto precisa dele.” Freedland cortou para Kirby, “homem de meia-idade com
grandes olheiras e um terno largo meio Robert Hall. Mastiga um charutão verde
e, se fosse visto no metrô, diria que é contramestre numa fábrica de
espartilho”. “Ótimo”, Freedland registra Kirby dizendo, “com sua voz aguda”.
“Ótimo.” Muitos meses depois, quando o relato da briga do Coisa com o Surfista
Prateado finalmente saiu, Kirby havia mudado e expandido tudo. Era apenas a
seção final de uma grande ópera espacial, uma infusão de existencialismo e
aventurismo grandioso na qual ele ficara com a carga pesada. Apesar de seu
status perpétuo de freelancer, Kirby não apenas concebia argumentos com Lee,
mas também era o reforço principal na hora de projetar personagens e dar ritmo
às histórias. No momento ele era, em certo sentido, o diretor dos filmes que
eles faziam juntos, compondo cada cena e conduzindo a narrativa com base no impulso
das imagens. “Passo uma semana sem o ver”, Lee contou a um entrevistador. “Ele volta
uma semana depois, e a história está desenhada. Ninguém sabe o que eu vou ver
nas páginas. Pode ser que ele tenha inventado uma dúzia de ideias novas,
sabe... Aí eu pego e escrevo com base no que o Jack desenhou. Ele já armou a narrativa
para mim. Desenhou tudo, na verdade. Eu boto só os diálogos e os recordatórios.
Ele não sabe exatamente o que eu vou escrever, quais palavras vou botar nas
bocas. E eu não sei o que ele vai desenhar.” Na verdade, o Surfista Prateado,
que ainda estava para estrear à época da matéria de Freedland, fora criação
solo de Kirby, uma surpresa que Lee teve ao receber as páginas prontas. Vez por
outra, quando Kirby vinha ao escritório, ele e Romita pegavam carona de volta a
Long Island com Lee. Romita subia no
banco de trás do Cadillac e ouvia Lee e Kirby discutirem argumentos. Enquanto o
conversível ia e vinha pelo tráfego do Queens Boulevard, eles soltavam
saraivadas de ideias, um alheio ao outro. “Parecia que eu estava assistindo ao
Gordo e o Magro”, disse Romita. “Os dois caras na minha frente, dois gigantes,
e Jack dizia: ‘Bom, Stanley, como é que vai ser esse garoto? Vai ser um
feiticeiro? Vai ser um gênio? Ele vai ter superpoderes ou vai ser um garoto
normal numa família maluca?’ Stan respondia: ‘Bom, vamos tentar assim’ e ‘vamos
tentar assado’. Aí Stan pegava uma tangente, e Jack começava a falar o que
achava que devia acontecer. Jack ia para casa e fazia o que achava que Stan
estava esperando. E quando Stan recebia o roteiro, eu o ouvia dizer: ‘Jack esqueceu
tudo o que a gente conversou!’. E era isso que levava a pequenas alterações nas
histórias do Jack, porque o Stan ficava com a impressão de que o Jack havia
esquecido tudo o que ele havia dito.”
Roz Kirby e Jack Kirby: casamento mais que duradouro |
Hulk, por Steve Ditko |
Cedo na manhã de 9 de janeiro de 1966, Stan Lee recebeu um
telefonema de Roz Kirby. A matéria no Herald Tribune havia saído. “Ela estava
praticamente histérica”, disse ele, “e gritava:
‘Como você pôde? Como pôde fazer isso com o Jack?’”. Quando Lee
finalmente botou as mãos no artigo, diria posteriormente, entendeu o ultraje. “Ela tinha todo o
direito de ficar aborrecida. Uns quatro quintos do artigo falavam de mim e faziam
de mim o ser humano mais glamouroso e maravilhoso da história, e só os
parágrafos do fim lembravam-se do Jack, tratando-o como um babaca.” Lee alegou
inocência para os Kirbys. Não demorou para os
créditos de Quarteto Fantástico e Thor começarem a dizer “Uma produção de Stan
Lee e Jack Kirby”. Não haveria mais “escrito por Stan Lee” em séries de Kirby.
Os ânimos esfriaram, mas Kirby se lembraria da desfeita pelo resto da vida. Pouco
depois de sair a matéria no Herald
Tribune, Ditko entregou suas páginas
a Sol Brodsky e anunciou que, quando terminasse seu trabalho atual, não faria
mais nada para a Marvel Comics.
Brodsky correu à sala de Lee para contar, mas Ditko já estava decidido. Chegou
a escrever uma carta a Jack Kirby, ainda amuado, incentivando-o a acompanhá-lo
no êxodo. Kirby, porém, tinha esposa e quatro filhos para criar. Não tinha como
deixar o trabalho fixo na Marvel, pelo menos ainda não. “Já ouvi teorias,
propostas por outros caras do escritório”, Lee falou posteriormente quanto às
especulações do que teria causado tamanha consternação a Ditko. Aparentemente
não era só a disputa pelo argumento. “Os letreiristas
diziam que ele odiava quando eu colocava onomatopeias. Às vezes eu acrescentava
linhas de movimento no desenho. Ele detestava. Ele achava que eu fazia muitos
diálogos ou poucos diálogos. Talvez ele tenha... Sei lá.”
As últimas quadrículas feitas por Ditko para o Homem-Aranha. Seu desânimo transbordava. |
Em outra ocasião, porém, Lee deixou pistas de uma tensão
distinta.
A matéria no Herald Tribune,
publicada três dias antes da estreia do programa de TV de Batman instigar o renascimento
dos super-heróis na grande mídia, foi a primeira a falar dos planos de expansão
do merchandising da Marvel, incluindo as animações por vir da Grantray- Lawrence.
“Estão a caminho kits de montar, jogos, um disco de jazz do Homem-Aranha e uma
série de desenhos animados para a TV.” Pelo jeito, alguém estava prestes a
fazer fortuna, e não era nenhum dos que ficavam na prancheta. Quando Lee
questionou Ditko, anos depois, se ele voltaria a fazer uma última história do
Homem-Aranha, Ditko respondeu: “Só quando Goodman
pagar os royalties que me deve”. Ao visitar a
Princeton University para uma palestra, em março, Lee foi tímido ao anunciar a
saída de Ditko. “Acabamos de perder o artista que faz o Doutor Estranho, Steve
Ditko”, conseguiu dizer, até que
suspiros, buuus e assobios o impediram de continuar.
“Eu
sinto a mesma coisa que vocês. Ele é um cara peculiar. É muito talentoso, mas
meio excêntrico. Enfim, não falo com ele faz mais de um ano. Ele entregava o
trabalho pelo correio, aí eu escrevia as histórias, e era assim que ele gostava
de trabalhar. Um dia ele telefonou e disse:
‘Acabou.’ Agora que vem a prova final, porque ele era um artista muito
popular. Acho que conseguimos gente para substituí-lo, e aí esses buuus vão
virar um coro de vivas.”
[26] Ditko foi chamado no
escritório de Lee e teve a opção de escolher entre três personagens para
reviver numa série de aventuras solo: Hulk, Ka-Zar ou Príncipe Submarino. Ditko
escolheu Hulk porque queria desenhar os cenários do Novo México. (N. do A.)
[27] A chave é símbolo de
fraternidade composta de alunos de maior êxito em universidades
norte-americanas. Existe desde 1776.
(N. do T.)
[28] Em sua
autobiografia, Lee lembrou-se da ocasião desta forma: “Em um momento de
inspiração, fiz a turma inteira sair marchando do escritório e fomos a um
estúdio de gravação a umas cinco quadras... fizemos um disco para os fãs, tudo
de improviso”. (N. do A.)
[29] “O criador está a
serviço de seu próprio juízo”, Rand escreveu em The Fountainhead. “O parasita segue as opiniões dos outros. O criador
pensa, o parasita copia. O criador produz, o parasita rouba. O interesse do
criador é a conquista da natureza. O interesse do parasita é a conquista do
Homem. Ao criador é necessária a independência – ele não serve nem comanda.
Lida com os homens por interlóquio livre e decisão voluntária. O parasita busca
o poder. Quer cegar todos os homens juntos, em ação comum e escravidão comum.”
(N. do A.)
[30] Pouco depois, Kirby
inventou uma versão contemporânea de Nick Fury como superespião. A existência
de Fury em dois momentos diferentes da história foi explicada por um supersoro
que o mantinha jovem. Assim, ele se uniu ao Capitão América nas fileiras de
veteranos da II Guerra Mundial que haviam encontrado uma maneira de enfrentar o
envelhecimento, sacada que permitiu que o heroísmo da Greatest Generation tivesse continuidade nos anos 1960; os anos de
experiência eram um acréscimo de dignidade aos personagens. (N. do A.)
[31] Foi o sinal de que
as possibilidades eram infinitas: no Universo Marvel, a escalação das equipes
podia mudar e criminosos podiam redimir-se. (N. do A.)
[32] Lee estava longe de
largar os roteiros. Roy Thomas o viu na manhã da segunda-feira após o blecaute
de 9 de novembro de 1965 e soube que havia datilografado dez páginas de Thor à
luz de velas. Lee, porém, não conseguira fazer o roteiro de Sgt. Fury no fim de
semana – e por isso Thomas acabou assumindo o título. (N. do A.)
[33] Sally Kempton, do
Voice, usou uma boa dose de jargões de Introdução à Psicologia, sinal claro de
que os personagens já eram levados a sério. “O Homem-Aranha tem um terrível
problema de identidade, complexo de inferioridade acentuado, é atormentado pelo
complexo de Édipo e dado a lapsos.” Também faz-se menção a “torres de
arranha-céus de aparência fálica” e da submissão de Peter Parker perante Tia
May. (N. do A.)
[34] Steve Krantz, que
vendia os direitos de retransmissão para canais de TV (e para mercados
estrangeiros como Japão, América do Sul e Austrália), também reclamava o
crédito por ter descoberto os gibis nas bancas. Krantz contou ao biógrafo de Stan
Lee, Tom Spurgeon, que os Goodmans haviam garantido uma porcentagem dos lucros
e que “a Marvel tirou uma dinheirama dos programas que eu produzi”. (N. do A.)
[35] “Barão Mordo” era um
inimigo do Doutor Estranho. (N. do A.)
[36] Movimento estudantil
de esquerda bastante ativo nos EUA dos anos 1960. (N. do T.)
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