Como profissional
de Educação Física, ao elaborar um programa para meus clientes, me pauto pelos Sete
Princípios do Treinamento. Neste breve artigo proponho a adaptação dos
mesmos para o desenvolvimento do enxadrista que quer levar a sério o seu
progresso na Arte de Caissa.
Obviamente alguns
poderão não levar a sério minhas considerações, afinal não sou nenhum GM, ao
contrário meu nível de jogo é relativamente baixo. Todavia, existem inúmeros
bons treinadores, cujo rating não ultrapassa a casa dos 2.000 pontos ELO!
Inclusive há ainda MIs com rating menor que 2.450 que são treinadores de GMs!
Isto me faz lembrar uma proposta pedagógica que diz “Nem
sempre um bom competidor será um bom professor e vice-versa”.
Durante muitos anos,
mesmo estudando bastante xadrez, meu rating ficou em 1.700 pontos e no Blitz em
1.300. Somente após uma reestruturação do meu método de treinamento é que
consegui aumentar em 200 pontos Elo meu rating em apenas 8 meses. Sei que isto
é pouco, mas conheço minhas limitações e, acredito firmemente, que existem
muitos enxadristas com o seu rating bem abaixo de suas reais limitações. E por
quê? Muitas vezes estes enxadristas não têm ainda um bom plano de treinamento.
Qualquer que seja o seu plano, acredito que deva estar pautado nestes sete
princípios:
1) Individualidade
Cada enxadrista
reage de maneira diferente ao mesmo tipo de treinamento. É preciso ter em mente
que alguns irão progredir mais rápido, outros nem tanto. Então não desanime se
seu colega aprendeu xadrez dois anos após você e agora já é um MI enquanto você
ainda está na casa dos 1.800 (ou nem isso!).
Todos nós temos o nosso próprio
ritmo de aprendizagem e devemos respeitá-lo. Mas atenção:
respeitar o ritmo não significa acomodar e achar que não progredirá mais do que
o ponto onde já está!
Certa vez perguntei
a um GM o que deveria treinar, e ele me respondeu: “depende do seu objetivo.
Você quer aumentar 100 pontos de rating, ou quer chegar a um GM com 2.500?” Ou
seja, tenha claro exatamente
onde quer chegar e trace
seu plano de treino de acordo com seus objetivos; nem é preciso dizer que
poderá levar anos para chegar onde pretende e, inclusive, pode não chegar ao
ponto final, mas você nunca saberá seus limites se não aceitar os desafios. Por
exemplo: em recente entrevista o GM Vescovi disse que pretendia estar entre os
top10 do mundo. Não conseguiu isso, mas conquistou muitas outras vitórias! Se
ele tivesse se acomodado, nunca teria chegado ao título de Grande Mestre.
2) Sobrecarga
Em qualquer esporte
é necessário variações e sobrecargas para que você progrida. O princípio da
sobrecarga é um dos mais antigos na Educação Física e pode ser aplicado ao
xadrez! Uma velha lenda conta que um jovem gladiador queria se impor sobre os
demais lutadores no Coliseum. Então foi instruido a carregar todos os dias
sobre os ombros, por cerca de 100 metros, um bezerro. Acontece que com o passar dos meses e anos o bezerro
foi se transformando num novilho até
chegar a um pesado touro.
E o gladiador continuava a carregá-lo! Ou seja, seus músculos foram se
adaptando a nova sobrecarga e ficando cada vez mais forte.
No xadrez não basta
estudar sempre a mesma coisa, deve-se sempre aumentar a carga, que poderia ser
representada aqui por novos desafios, problemas mais complexos, exercícios cada
vez mais difíceis. Eu mesmo quando comecei a enfrentar os programas Fritz e
Chessmaster o fiz pelo nível mais baixo (rating 1.580 e 1.200 respectivamente),
atualmente enfrento o Shredder com rating em 2.300 e o Chessmaster10 com 2.600
(e já consegui empatar!).
Existem muitos
programas de treinamento baseados em níveis de dificuldades. Só para citar
alguns de táticas, temos o Personal Chess Trainer do GM Milos, e o Tactics For Beginners e CT-Art
da Convekta. O ideal é que dá para começar dos mais fáceis e ir gradualmente
subindo de nível até os mais difíceis (esta é uma importante recomendação do GM
Rafael [Leitão]). Os livros devem ser utilizados sob a mesma ótica. Não adianta
nada eu passar para um aluno de rating 1.200 um livro de Estratégia Superior do
Dvoretsky!
3) Adaptação
Poderíamos dizer
que é o mesmo que recuperação. Explico: a medida que você vai treinando seu
cérebro ele vai se adaptando aos novos conhecimentos e estímulos. Não obstante,
você ficará saturado e até mesmo com um “overtraining” o que prejudicará seu progresso. É necessário dar um
tempo para a recuperação evitando assim a estafa ou estresse mental.
Diversas pesquisas
científicas têm comprovado que o cérebro precisa de cerca de 10 minutos para
“emergir” no treinamento e se sobrecarrega após 45 minutos! Ou seja, nos 10
primeiros minutos você não tem ainda a concentração absoluta, qualquer coisa
poderá distrai-lo e após 45 minutos você poderá perder a concentração por causa
da saturação mental! (mas lembre-se do primeiro princípio! cada pessoa é uma
pessoa). Minha sugestão é que após 45 ou
50 minutos de treino, dê uma pausa de 15 minutos para se recuperar. É imperativo que nesta pausa você não faça nada
referente ao xadrez. Procure tomar um pouco de água, faça alguns alongamentos
(veja sugestão no final do artigo), ouça uma música, etc. Não vale aproveitar
os 15 minutos de pausa para ficar navegando na Internet se os seus 45 minutos
de treino foram no computador! Você precisa fazer algo que descanse também os
olhos!!.
4) Progressão
Assim que o cérebro
se adapta a nova onda de treinamento é necessário uma nova sobrecarga para você
continuar se desenvolvendo. Aqui é necessário aumentar também o tempo dedicado
a cada parte do treino; especialmente onde você tenha mais necessidade (tática,
finais, aberturas!?).
De uma maneira
geral recomendo que o mesmo tempo dedicado ao Estudo seja também dedicado à Prática! Ou seja, se estuda duas horas por dia, deveria jogar
também duas horas!
Uma dica
importante, mesmo que você tenha horas e mais horas de tempo livre para dedicar
exclusivamente ao estudo e prática do xadrez, aconselho aos iniciantes não “ir
com muita sede ao pote”! No primeiro mês faça apenas uma hora de treino diário.
No segundo mês amplie para duas horas (sempre respeitando a pausa de 15
minutos)... Muitos GMs treinam até 8 horas diárias! Porém o excelente treinador
russo Shereshevsky afirma que metade deste tempo já é o suficiente (nada de
“overtraining”). O Rafael também afirma que não é necessário tantas e tantas horas
diárias... é melhor treinar TODOS os
dias por algum tempo (por exemplo 1 hora) do que ficar 6 dias sem fazer nada e
depois querer ficar 24 horas do domingo treinando...
5) Especificidade
Você só vai
melhorar o seu jogo se jogar! Não adianta nada estudar teoria meses e meses e
não jogar! Kasparov afirma que Andersen, considerado o melhor jogador do seu
tempo (e grande estudioso), tinha jogado só DUAS partidas sérias em 7 anos (!)
antes de enfrentar Paul Morphy... o resultado todos sabemos: um massacre do
Morphy. É imprescindível você colocar em
prática, o que vem estudando, em torneios reais. Só assim você adquirirá um
“feedback” para fazer pequenas correções, se houver necessidade, no seu plano
de treinamento enxadrístico.
Procure jogar
contra humanos, sejam aqueles amigos do
bairro e/ou adversários desconhecidos em torneios. Lembra
que temos que variar constantemente? Não vale jogar sempre com o mesmo
adversário. Jogue também pela Internet... procure jogar os mais diversos
ritmos, mas em especial àquele que você provavelmente mais jogará em torneios. Para
partidas rápidas há muitos servidores gratuitos, basta procurar. Não aconselho
jogar só contra programa de computador, mas se não tiver outra opção ao alcance
procure jogar contra os mais diversos engines (Fritz; Rybka; Doctor; Crafty;
Hiarcs; Shredder etc) e se tiver apenas o Chessmaster procure jogar com as mais
diversas Personalidades inclusas no programa (tem umas que prefere os jogos
abertos, gambitos, outras preferem defesas cerradas, etc). O importante é que
JOGUE!!
Um último conselho:
JOGUE XADREZ POSTAL! Tem
muitos sites que oferecem esta modalidade de jogo, que considero muito
importante para o desenvolvimento teórico, principalmente em aberturas. Outra
vantagem do xadrez postal é o tempo: geralmente o limite é bem alto comparado
com torneios “cara-a-cara”... use este tempo maior para uma análise maior das
posições críticas... você ficará surpreso com a quantidade de nuances táticas
que irá perceber em suas partidas.
6) Reversibilidade
Você já reparou que
quando fica umas duas semanas sem jogar ao tentar jogar uns pings com os
colegas acaba levando chumbo? Isto porque você perde ritmo de jogo, seus
reflexos e visão do tabuleiro são prejudicados. É por esse motivo que o xadrez
deve ser praticado continuamente (a exceção fica para os casos de “overtraining”). Mas
cuidado pois continuamente aqui pode ser interpretado de maneira equivocada e
se tornará uma faca de dois gumes. Explico: ficar sem jogar diminuirá seu tempo de reação, mas jogar excessivamente
também é prejudicial. O excelente treinador americano Edmar Medniss, no seu
livro Como se tornar um autêntico jogador de torneio, afirma que é
necessário dar uma pausa quando percebemos que estamos saturados de xadrez
(veja princípio 3)...
7) Variabilidade
Já disse que
devemos variar o treinamento sempre para que o nosso cérebro continue recebendo
os estímulos necessários para o desenvolvimento. As variações podem ser as mais
diversas, como já citadas anteriormente: ritmo de jogo (5x5; 15x15; 30x30;
60x60; 90x90; com acréscimo “Fischer”; com “delay-Bronstein”; etc); teoria
diversificada (tática; abertura; final; partidas comentadas; estratégia; etc);
material diverso: livros; programas para jogar; programas para estudar; etc.
Outro ponto chave: nosso cérebro precisa de estímulos diferentes para melhorar
na sua amplitude global. Por exemplo: faça outra coisa desafiante! Já fez aulas
de desenho? Que tal estudar violino? Aprender um novo idioma? Tocar piano?
Jogar Gotich Chess? Aprender o complexo jogo GO?
Eu e outro colega
todo domingo jogamos três horas de Gotich Chess (nós mesmos fizemos as peças e
o tabuleiro) e achamos o novo desafio interessantíssimo. Dizem que aprender um
novo idioma é uma ótima ferramenta para o desenvolvimento cerebral. Tente!
Quaisquer dúvidas
pode me contactar por email.
Abraços e bom
treino!!!
Por fim gostaria de
citar alguns links interessantes:
Xadrez
Postal:
Xadrez
On-line:
Teoria
Discussão
Treinamento anti-estresse
João Carlos Gatto de
Jesus Almeida
Profissional de
Educação Física e Jogador Fide
joao_gatto@ig.com.br
E ai? Gostou? Odiou? Deixe nos comentários e compartilhe o post.
Até o próximo.
Me siga no Instagram: @ozymandiasrealista
0 Comentários