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Ter uma estratégia que vive mudando é o mesmo
que não ter estratégia
Mudança deve ser
algo essencial, mas só deve ser feita com atenção meticulosa e motivo justo. A
derrota pode persuadi-lo a mudar o que não precisa, e a vitória pode
convencê-lo de que tudo está ótimo, mesmo que você esteja à beira da tragédia.
Se você se apressa em responsabilizar a estratégia que falhou e a altera o
tempo todo, não tem estratégia alguma. Só quando o ambiente muda radicalmente é
que devemos considerar uma mudança nos fundamentos.
Precisamos caminhar
na linha tênue entre flexibilidade e coerência. Um estrategista precisa ter fé
em sua estratégia e coragem para mantê-la, e ainda ter vistas largas o
suficiente para perceber quando é necessário mudar de curso. As mudanças têm de
ser avaliadas com cuidado e, quando ocorrem, devem ser feitas com firmeza. O
sucesso quase nunca é analisado com tanto rigor quanto o fracasso, e sempre nos
apressamos em atribuir nossa vitória a superioridade, e não as circunstâncias.
Quando as coisas estão indo bem, é ainda mais importante questionar. Excesso de
confiança conduz a erros, uma sensação de que qualquer coisa basta.
Em um dos jogos
mais tensos da minha vida, meu oponente não teve fé em seus próprios planos. Em
1985, eu travava mais uma batalha com meu antigo inimigo, Anatoly Karpov. Era a
partida final de nosso segundo match
pelo campeonato mundial e eu liderava por um único ponto. Ele tinha a vantagem
das peças brancas e, se empatasse o jogo, manteria o título por mais três anos.
Ele jogou
agressivamente desde o início e estabeleceu uma posição de ataque
impressionante contra o meu rei. Aí chegou o momento da decisão crucial:
executar completamente seu ataque, avançando seu peão para a ala do meu rei ou
continuar com preparações mais prudentes. Acredito que ambos sabíamos que esse
era o momento crucial do jogo.
Karpov decidiu não
fazer o ataque e perdeu a oportunidade. Depois de passar os primeiros vinte
movimentos do jogo preparando um ataque direto, ele sentiu medo e perdeu a
oportunidade. De imediato, eu estava em meu elemento, contra-atacando em vez de
defender. O jogo teve complicações nas minhas condições, não nas do meu
oponente, e eu trouxe para casa a vitória que me tornou campeão mundial.
Quando chegou a
hora de jogar a final, Karpov fez um lance que se encaixava em seu estilo
prudente, mas não em uma situação de vitória a qualquer custo. Seu estilo
pessoal estava em conflito com a estratégia de jogo necessária, e ele se
desviou do curso.
Como um adendo
esclarecedor ao jogo decisivo que lhe custou o campeonato mu8ndial, depois
disso, Karpov descontinuou quase que completamente a abertura do peão do rei.
Ele reconheceu que, em momentos decisivos, seu estilo não se adequava a
posições fortes que criava. Ele aprendeu, adaptou-se, e permaneceu próximo do
topo por muitos e muitos anos, porque foi rápido em reconhecer que tinha que
mudar.
Precisamos saber
que perguntas fazer – e fazê-las com frequência. As condições mudaram de uma
maneira que exija uma mudança de estratégia, ou um pequeno ajuste se resume ao necessário?
Os objetivos fundamentais mudaram por algum motivo? Evite mudar pelo simples
ato de mudar.
Devemos também
evitar que a concorrência nos desvie de nosso caminho estratégico. Se você está
empregando uma estratégia poderosa e bem-sucedida, ganhando espaço no tabuleiro
ou numa fatia de mercado no comércio global, a concorrência tentará fazê-lo
tropeçar para que você desista. Se seus planos forem sólidos, e sua percepção
tática for boa, o adversário só poderá vencer com sua ajuda.
Contra uma
estratégia sólida, táticas diversas serão insuficientes ou falhas. Se forem
insuficientes, você pode até ignorá-las, continuando no seu curso. Se forem
radicais a ponto de lhe obrigarem a desviar, provavelmente serão falhas em
algum aspecto, a menos que você tenha cometido um erro. Muitas vezes, um
oponente estará tão ansioso para fazê-lo mudar de curso que ele, fatalmente,
enfraquece a própria posição na tentativa.
Um interessante
efeito colateral de meus anos de sucesso foi que alguns de meus oponentes
decidiram empregar variantes heterodoxas para conduzir o jogo para canais não-convencionais. Ali, achavam que minha longa experiência seria anuladas e
estariam preparados para as posições incomuns. O problema, como muitos desses
jogadores descobriram, é que a maioria desses conceitos era rara por uma boa
razão. A virtude de uma inovação quase nunca compensa o defeito da imperfeição.
Não vigie mais a concorrência do que si
próprio
Mesmo que os
adversários não estejam interferindo diretamente, nós podemos nos desviar.
Quando estou em um confronto direto com o oponente, como em um match em um campeonato mundial, só tenho
um sujeito para observar, e ele está bem à minha frente, do outro lado do
tabuleiro. É uma situação de soma zero: eu venço, ele perde, ou vice-versa.
Todavia, em um torneio com 12 jogadores, o que ocorre nos outros jogos pode
causar impacto no meu sucesso. É como qualquer empresa, com vários sócios e
concorrentes, a Continental tem de prestar atenção se a United e a American
iniciarem negociações.
Em 2000, eu estava
disputando um torneio muito forte em Saraivo. No início da rodada final, eu
estava na liderança pela mais estreita das margens, meio ponto. (Vitórias valem
um ponto, empates, meio ponto e derrotas, nenhum ponto.) Dois dos principais
jogadores mundiais, Alexei Shirov e Michael Adams, estavam bem atrás de mim.
Teria sido ótimo enfrentar um deles pela vitória na rodada final, mas jogávamos
todos com adversários diferentes. Se eu empatasse meu jogo e Adams e Shirov
empatassem os deles, eles empatariam comigo pelo primeiro lugar. Se eu
perdesse, poderia ficar até em terceiro.
Assim, antes da
partida, tive de decidir se jogava com cautela ou faria todo o possível para
vencer. Seria heroico iniciar cada batalha com as palavras “vitória ou morte”,
mas poucas situações no xadrez ou na vida são tão horríveis quando essas
palavras foram ditas no Álamo.
Para começar, eu
tive a desvantagem das peças pretas. Em seguida, ali estava meu oponente, um
estranho nesse evento de elite. Sergei Movsesian, representando a República
Checa, havia tido um desempenho fraco no torneio, mais vencera dois dos
jogadores com melhor rating nas duas
anteriores. Devo também mencionar que havia um pequeno fator pessoal em nossa
disputa. Em 1999, eu zombara de Movsesian e de alguns outros jogadores,
chamando-os de “turistas”, o que o levou a protestar com forte indignação junto
à imprensa. Agora, esse turista certamente queria meu escalpo como recordação.
Precisei então
analisar as outras duplas do dia. O oponente de Shirov, o fracês Etinne Bacrot,
já havia perdido cinco partidas, e era o último colocado. Eu não poderia contar
com ele para conseguir um empate, porque seu adversário iria jogar muito para ganhar
aquela partida.
Incorporando essa
informação à minha estratégia de jogo, parti para o ataque contra Movsesian
desde o início. O jogo estava virando para o meu lado quando me levantei para
examinar meus perseguidores. Eu sabia quem se vencesse o jogo do jeito deles,
seria irrelevante, mas era difícil não olhar. Se ambos empatassem ou perdessem,
seria uma estupidez eu me arriscar em demasia no meu jogo. Nesse caso, eu
poderia empatar, e ainda assim vencer o torneio. Devo admitir que pensamentos
como esse dificultavam minha concentração no jogo. Há um equilíbrio precário
entre saber o que a concorrência está tramando e distrair-se dos fatores sob o
seu controle direto.
Assim, foi quase um
alívio ver que Shirov e Adams estavam a caminho da vitória. Eu tinha certeza
que precisava ignorá-los e me concentrar no meu próprio jogo, e que agora a
questão era vencer a qualquer custo. Todas as estratégias cautelosas foram
atiradas pela janela logo que voltei para o meu lugar. No final, nós três
vencemos, de modo de que mantive minha liderança e fiquei em primeiro lugar.
Não podemos passar muito tempo nos preocupando com o outro sujeito, pois
perdemos de vista nossos próprios objetivos e desempenho.
“Por que” transformar táticos em
estrategistas?”
Em seu livro sobre
empresas japonesas, Kenichi Ohmae resumiu o papel de estrategista do seguinte
modo: “O método do estrategista é contestar as suposições predominantes com uma
única pergunta: Por quê?”
“Por que” é a
pergunta que separa funcionários de visionários, meros táticos de grandes
estrategistas. Você deve fazer essa pergunta constantemente, se quiser
entender, desenvolver e seguir sua estratégia. Quando observo o jogo de alunos
novos de xadrez, vejo uma jogada horrível e pergunto ao aluno por que ele a
fez. Quase sempre eles não têm resposta. Obviamente, algo em seu cérebro fez
aquele lance, acreditando ser a melhor escolha, mas é desnecessário dizer que
não fazia parte de um plano aprofundado que contemplava objetivos estratégicos.
Todos se beneficiariam muito se parassem antes de cada lance, cada decisão, e
se perguntassem: “Por que este lance? O que estou tentando conquistar e como
esse lance vai me ajudar nessa conquista?”
O xadrez mostra-nos
o poder do “por quê” de uma maneira muito clara. Cada lance tem uma consequência;
cada lance se enquadra ou não em uma estratégia. Se você questiona suas jogadas
constantemente, perderá para um jogador que estiver jogando com um plano
coerente.
Imagine fazer isso
regularmente no trabalho, ou mesmo em suas atividades particulares. Todos nós
temos centenas de objetivos pessoais e profissionais, mas geralmente eles são
listas de desejos vagos e informes, em vez de objetivos que podem formar a base
de uma estratégia. “Quero ganhar mais dinheiro” é o mesmo que dizer “Quero
encontrar o amor verdadeiro” ou “Quero vencer este jogo”. Um desejo não é um
objetivo.
Para dar um exemplo
prático, encontrar um emprego melhor é o desejo que quase todos têm em algum
momento. Somente quando você souber por completo o que deseja mudar, é que
deverá dar o primeiro passo. Pode ser que não seja apenas o emprego; talvez
você precise de uma carreira inteiramente nova. Ou quem sabe há mudanças que
você pode fazer no local de trabalho atual. Você não saberá o que está
procurando, até que conheçam as condições que o satisfaçam.
Quando realmente
começar uma busca, seu guia é a lista de objetivos intermediários que resulta
em seu objetivo de “emprego melhor”. Por exemplo, se dinheiro não for o
principal problema no trabalho atual, você não deveria se deixar atrair por um
emprego que paga mais, mas que não muda as coisas que o estão enlouquecendo na
empresa em que está.
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