PROJETO XEQUE-MATE #07


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Você nem sempre pode determinar o campo de batalha


Você não se torna um campeão mundial sem ser capaz de jogar em estilos diferentes quando necessário. Às vezes, você é obrigado a combater em território desconhecido; não pode fugir quando as condições não são do seu agrado. A capacidade de adaptação é fundamental para o sucesso.
Às vezes, você pode até mudar de estilo intencionalmente para pegar seu oponente desprevenido, embora esse procedimento sempre corra o risco do feitiço virar contra o feiticeiro. Eu me saí bem quando empreguei essa técnica no match do campeonato mundial de 1995, em Nova York, contra o célebre indiano Viswanathan (Vishy) Anand. Na metade do match, com o placar empatado com uma vitória para cada um, abandonei minhas linhas favoritas pela Defesa Siciliana de nome assustador – variante dragão – que eu nunca jogara antes em uma partida séria.

Anand, em 1992.
Não foi uma mudança que fiz aleatoriamente, outros fatores contribuíram para minha escolha da variante do Dragão. Ela conduz a um jogo inflexível, no qual você deve escolher a continuação de jogo mais agressiva para obter a vantagem. Anand defrontou-se com a surpresa de ver a variante e de saber que eu deveria tê-la preparado intensivamente. Além disso, nossa pesquisa indicou que Anand tinha pouca experiência anterior com a variante do Dragão, e se sentia menos a vontade com ela do que com outras linhas de aberturas contundentes. Se ele optasse pelas principais variantes arriscadas, estava certo de que eu teria algo desagradável à sua espera. Em vez disso, incapaz de se adaptar, ele jogou de forma monótona e perdeu duas vezes.
A capacidade de se adaptar quando necessário foi útil a Napoleão Bonaparte várias vezes em sua lendária carreira. Ele era famoso por manter o elemento surpresa no campo de batalha, especialmente dando sequência a um ataque que, aparentemente, estava paralisado. Mas ele bem que sabia fazer uso de sua fama de capturar inimigos com agressividade.
Mikhail Kutuzov, a voz da razão.
Napoleão preparou-se para a batalha de Austerlitz, em 1805, recuando suas forças de um excelente posto avançada, permitindo intencionalmente que as forças do czar russo avançassem e vissem as tropas francesas em retirada. O jovem czar Alexandre julgou que era sua oportunidade de alcançar sua glória e preparou-se para um ataque geral, exatamente como Napoleão queria. De maneira secreta, ele trouxera reforços para o local e fizera os russos acreditarem que estava vulnerável, e as forças do czar foram derrotadas em um único dia.
Esse não foi o primeiro caso de armadilha que funcionou à perfeição. Primeiramente, Napoleão sabia que contava com um efetivo menos que o do inimigo e que métodos diretos não seriam suficientes. Sabia que seu adversário era jovem e impulsivo, e ávido por glória, e também sabia que ninguém acreditaria que o grande Napoleão recuaria de um posto estratégico voluntariamente. A estratégia de Napoleão combinou todos esses fatores de uma forma brilhante. O general russo Mikhail Kutuzov, que tinha apenas um dos olhos, foi voz solitária da prudência, mas seus avisos para o czar foram ignorados. Todavia, mesmo um czar pode aprender com os próprios erros. Sete anos mais tarde, o Grande Exército de Napoleão marchou sobre Moscou no que, nós, russos, chamamos de Guerra patriótica de 1812. Dessa vez, Alexandre deu ouvidos a Kutuzov, e seguiu sua estratégia de acossar as tropas francesas e fazer o jogo de espera. Moscou foi completamente destruída pelo fogo, mas Napoleão acabou sendo forçado – de maneira desastrosa – a recuar.

Viktor Korchnoi
Fui obrigado a me adaptar na minha marcha em direção ao campeonato mundial de 1983. Eu era um rapaz presunçoso de vinte anos, enfrentando Viktor Korchnoi, de 52 anos, duas vezes finalista do campeonato mundial e que hoje, aos 75 anos, ainda joga xadrez sério. Previsivelmente, o veterano controlou o ritmo nas etapas iniciais do nosso match de classificação de 12 partidas. Ele venceu a primeira partida e, invariavelmente, me impedia de entrar nas posições de ataque aberto que eu gostava.
Em vez de continuar frustrado em minhas tentativas de mudar o caráter das partidas, decidi que o melhor a fazer seria aceitar a situação. Em vez de fazer jogadas incisivas que eu achava que seriam mais do meu estilo, fiz os lances mais confiáveis que pude, mesmo que conduzissem a posições de inércia. Isso me livrou da dificuldade psicológica de tentar forçar uma decisão em cada partida, e eu podia simplesmente jogar xadrez. Korchnoi obrigou-me a combater em seu território, mas, assim que me dei conta disso, consegui me adaptar, lutar e vencer.
Eu ganhara as partidas 6 e 7 e ficara na liderança, quando Korchnoi resolveu mudar a situação. Na partida 9, ele mudou para um estilo tático, tentando me surpreender com um jogo agressivo. Mas, tendo perdido a batalha em seu território, ele não conseguiu fazer uma transição bem-sucedida para combater em meus domínios, e sofreu uma derrota devastadora. Essa experiência de ter de me adaptar sobre ataque foi de grande auxílio quando tive de fazer o mesmo em condições até mesmo menos favoráveis contra Karpov, em nosso macth pelo campeonato mundial um ano depois.



Como qualquer leitor de Darwin sabe, não se adaptar quase sempre traz consequências terríveis. Um exemplo clássico vem da história dos Estados Unidos, 1755, quando George Washington era um ajudante de ordens voluntário, lutando no exercito britânico contra forças francesas e indianas. Os britânicos pouco se esforçaram para se adaptar aos combates de linha de frente praticados pelo inimigo. O General Edward Braddock foi um caso trágico. Ele alinhava os soldados em fileiras no campo aberto, a fim de disparar salvas de artilharia floresta adentro, enquanto os atiradores de elite franceses e indianos, protegidos pela mata, os abatiam um a um. Somente quando o próprio Braddock foi finalmente morto na desastrosa batalha, os poucos soldados que restaram conseguiram bater em retirada, liderados por ninguém menos que Washington.

Menos calamitosa é a história da Encyclopaedia Britannica quando se deparou com a era do computador. Talvez o nome mais conhecido em livros de referência, seu primeiro erro grave foi lançar tardiamente seus produtos em CD-ROM. Afinal, quem desejaria substituir aqueles belos livros por uma versão computadorizada? Todo mundo, segundo sabemos hoje. Esse fato permitiu que Encarta, da Microsoft, e outras empresas, se apossassem de uma enorme fatia do mercado, uma vez que as enciclopédias impressas despencaram para uma fração minúscula do mercado-alvo.
Em seguida, vieram a Internet e sua promessa de clientes quase ilimitados em todo o mundo. A Britannica cobrava pelo acesso a informações quando todos forneciam o conteúdo gratuitamente, e os negócios, como esperado, eram modestos. Poucos anos depois, o crescimento das empresas ponto-com estava em baixa – algo que me lembro muito bem, por experiência do meu portal de xadrez. O mercado de publicidade eletrônica desmoronou por inteiro, precisamente quando a Britannica, por fim, decidiu disponibilizar gratuitamente seu conteúdo. Seja o que for que tenham feito, estavam na contramão da mudança.

Quem foi responsável pela sucessão de fracassos da Britannica? Eles claramente tiveram um péssimo desempenho quando chegou a hora de passar a mídia impressa para a digital. O fracasso de suas estratégias na internet é muito mais complexo. Estar muito à frente de seu meio pode ser tão ruim quanto ficar para atrás dos concorrentes. Em vez de confiar na vantagem de sua marca gigantesca, eles tentarão ser mais inteligentes do que um mercado novo e imprevisível, e acabaram perdendo todas as batalhas.

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