Mikhail Tal na juventude. |
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Jogue o seu próprio jogo
Dois fortes
enxadristas podem ter estratégias muito diferentes na mesma posição e ser
igualmente eficientes – deixando de lado aquelas posições em que só existem uma
única sequência de lances que levam a vitória forçada. Cada jogador tem o
próprio estilo, a própria maneira de resolver problemas e tomar decisões. Um
segredo para desenvolver estratégias bem-sucedidas é ter consciência de seus
pontos fracos e fortes, saber o que você faz bem.
Alexander Pushkin |
Duas figuras
proeminentes de diferentes escolas de pensamento no xadrez tornaram-se campeões
mundiais. Mikhail Botvinnik confiava em sua enorme autodisciplina, trabalho
intenso e rigor científico. Seu rival, Mikhail Tal, alimentava a criatividade e
a fantasia desenfreadas, e pouco se importava com a saúde e a preparação
metódica. Thomas Edison disse uma frase memorável: “Sucesso é 1% inspiração e
99% transpiração”. Essa formula funcionou para Edison e Botvinnik, mas nunca
teria dado certo para Tal – ou mesmo para Alexander Pushkin, o fundador da moderna
literatura russa. A paixão de Pushkin pela vida excitante, jogo e romance
representou parte de sua capacidade de criar algumas das melhores obras da
língua russa.
Tigran Petrosian,
outro ex-campeão mundial, aperfeiçoou a arte do que chamamos de “profilaxia” no
xadrez. Profilaxia é a arte do jogo preventivo, reforçando nossa posição e
eliminando ameaças antes mesmo de se materializarem. A defesa de Petrosian era
tão boa que o ataque do oponente terminava antes de começar, talvez antes de
ser idealizado. Em vez de atacar, Petrosian estabelecia uma defesa perfeita,
deixando os oponentes frustrados e propensos a cometer erros. Ele ficava atento
a qualquer pequena oportunidade e explorava esses erros com precisão cruel.
Gosto de me referir
a ele como um verdadeiro “herói da inatividade” no xadrez. Ele desenvolveu a
política de “vigilância inativa”, que demonstra como vencer sem tomar
diretamente à ofensiva. Generalizando, a estratégia de Petrosian era
inicialmente ver as oportunidades do adversário e depois eliminá-las. Somente
quando sua própria posição se mostrava invulnerável é que ele começava a
analisar as próprias chances. Essa estratégia de ser um objeto imóvel
demonstrou-se muito eficiente para ele, mas poucos jogadores conseguiram imitar
seu estilo paciente e defensivo.
Quando joguei
contra Petrosian na Holanda, em 1981, eu tinha 18 anos e Petrosian, 52. Eu
estava ansioso por uma desforra, por ter perdido para ele no início do ano em
Moscou, onde eu desenvolvera uma posição de ataque impressionante que acabou
fracassando. Na ocasião, achei que fosse um acidente, mas depois aconteceu
novamente. Toda vez que minha ofensiva parecia estar penetrando com toda a
força, ele calmamente fazia um pequeno ajuste. Todas as minhas peças estavam
aglomeradas ao redor de seu rei, e eu tinha certeza que era só questão de tempo
para que eu deferisse meu golpe definitivo. Mas onde é que ele estava? Comecei
a me sentir como um touro perseguindo o toureiro na arena. Exausto e frustrado,
cometi um erro, depois outro e acabei perdendo a partida. No futebol, fato
semelhante aconteceu na Copa do Mundo na Espanha, um ano mais tarde. O estilo
de defesa trancada dos italianos triunfou sobre o bonito jogo de ataque dos
brasileiros. Às vezes, a melhor defesa é uma boa defesa.
Durante os dois
anos seguintes, consegui igualar o placar de nossas carreiras, vencendo
Petrosian por duas vezes em um estilo posicional tranquilo, quase com o estilo
dele mesmo. Atribuo a mudança bem-sucedida de minha abordagem ao conselho que
recebi do homem que tirou de Petrosian o título mundial em 1969, Boris Spassky.
Antes de enfrentar Petrosian novamente, menos de um ano após as derrotas descritas
acima, conversei com Spassky, que estava participando de um torneio na
Iugoslávia. Ele me aconselhou dizendo que o segredo era fazer pressão – pouca,
mas firme. “Aperte as bolas dele”, Spassky me disse de maneira memorável, “mas
aperte uma, e não as duas!”
As próprias
experiências de Spassky contra Petrosian seguiram um padrão semelhante ao meu.
Primeiro, ele disputou com Petrosian o mundial de 1966, e foi eliminado numa
disputa tensa. Ele entrou no jogo acreditando – erroneamente – que Petrosian
não jogava um xadrez incisivo e de ataque porque lhe faltava capacidade para
tanto. Spassky complicou ao máximo, até que seus ataques foram repelidos de
forma brilhante pelo ardiloso campeão mundial.
Três anos mais
tarde, Spassky demonstrou que havia aprendido a lição, respeitando muito a
capacidade de Petrosian. No match que
disputaram em 1969, ele jogou uma partida mais equilibrada e chegou a vitória.
Minhas duas primeiras derrotas me fizeram ter um profundo respeito pela
capacidade de Petrosian e por sua arte de defesa no xadrez. Mas percebi que
esse estilo não era para mim. Eu sempre quis estar do lado atacante, e minhas
estratégias de jogo demonstravam isso. Devemos ter consciência de nossas
limitações e também de nossas melhores qualidades.
Meu estilo dinâmico
e agressivo de jogar é coerente com meus pontos fortes e minha personalidade.
Mesmo quando sou forçado a ficar na defensiva, procuro constantemente uma
oportunidade de mudar de situação e contra-atacar. E, quando estou na ofensiva,
não me contento com ganhos modestos. Prefiro o xadrez incisivo e dinâmico, em
que as peças voam por todo o tabuleiro e em que o primeiro jogador que cometer o
primeiro erro perde a partida. Outros jogadores, inclusive Anatoly Karpov, o
campeão mundial que derrotei, especializaram-se em acumular pequenas vantagens.
Eles se arriscam pouco e se contentam em melhorar sua posição gradativamente
até que o oponente ceda. Mas todas essas estratégias – defensivas, dinâmicas,
de manobra – podem ser extremamente eficientes nas mãos de alguém que as
entenda bem.
Também não existe
uma única melhor estratégia nos negócios. Aqueles que estão dispostos a correr
riscos coexistem com dirigentes conservadores na cúpula das quinhentas melhores
empresas relacionadas pela revista Fortune.
Talvez 50% das decisões de um CEO sejam tomadas de forma idêntica a qualquer
homem de negócios competente, assim como há muitos lances óbvios para qualquer
bom enxadrista, independente de seu estilo. São os outros 50%, ou até os 10%
mais complicados, que fazem a diferença. Os melhores líderes avaliam os
desequilíbrios específicos e fatores importantes de cada situação e conseguem
arquitetar uma estratégia fundamentada nesse entendimento.
O CEO da Nokia,
Jorma Ollila, transformou a empresa finlandesa em líder de telefonia celular,
com um estilo heterodoxo, até mesmo caótico, que modificou radicalmente o
convencional em todas as situações. Altos executivos eram convidados a trocar de
cargo, o pessoal de pesquisa e desenvolvimento reunia-se diretamente com os
clientes, e certa vez, o principal designer de telefones comparou seu
gerenciamento à forma como uma banda de jazz improvisa em suas apresentações.
Um estilo tão
flexível e dinâmico não pode ter sucesso em outro setor, em outro país, ou com
outro CEO. Durante várias décadas, a IBM desenvolveu suas atividades com a
reputação de ser conservadora e até enfadonha. No mundo de materiais para
escritório, isso representava confiabilidade, que era muito mais importante
para os clientes dos negócios da IBM do que estilo. Novos modelos de telefones
celulares eram lançados todos os meses, enquanto a IBM vendia e fazia
manutenção em máquinas de cinco e até dez anos. Aos olhos dos clientes, esse
conservadorismo extremo era uma virtude.
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