PROJETO XEQUE-MATE #05




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Transcrição da pág. 23 – 28:


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ESTRATÉGIA

“O homem que sabe como sempre terá trabalho. O homem que também sabe o porquê será sempre o próprio patrão.”
- Ralph Waldo Emerson


Sucesso a qualquer velocidade


O futebol e, em menor grau, o hóquei eram os esportes preferidos dos espectadores na União Soviética em que eu cresci. O “jogo bonito”, como o futebol é amplamente conhecido, é também um dos jogos mais simples no que se refere a regras. Não é preciso muito tempo para descobrir como se joga; basta algumas partidas. Alguns amigos tentaram me explicar o beisebol e o futebol americano, uma experiência que me fez pensar se a absoluta simplicidade do verdadeiro futebol foi o que o tornou tão impopular nos Estados Unidos. (Embora, como sempre se observa, a causa mais provável é que o futebol oferece muito menos oportunidades para intervalos comerciais.)

Por mais simples que o futebol seja, a estratégia do jogo é profunda e complexa. A finalidade óbvia é marcar gols, impedindo, ao mesmo tempo, que o adversário faça o mesmo. A melhor maneira para alcançar esse propósito, entretanto, gera debates intermináveis. A estratégia tradicional da seleção da Itália, por exemplo, é defensiva. Se seu adversário nunca marca gols, diz a lógica, você nunca perde. Outras seleções, como a do Brasil, emprega meios diferentes com o mesmo fim de marcar mais gols que o adversário.
Imagine aprender a jogar xadrez numa cartilha em que faltem algumas páginas. Ela ensina a montar o tabuleiro, e a movimentar e capturar peças do adversário, mas não ensina nada sobre xeque-mate e final de jogo. Quem aprender com esse livro poderá torna-se competente em cálculo e hábil na execução de movimentos estratégicos, mas não teria maiores objetivos. Sem um objetivo, seu jogo não teria propósito algum.
O velho ditado sobre xadrez – “Um mau plano é melhor do que plano nenhum” – é mais inteligente que verdadeiro. Cada passo, reação e decisão devem ocupar uma posição clara em seu planejamento. Caso contrário, você não poderá tomar nem as decisões mais óbvias com certeza de que elas o beneficiam. Isso se torna ainda mais importante em virtude do ritmo acelerado do mundo atual.

Durante meus trinta anos como enxadrista profissional, a pesquisa sobre o adversário passou da busca em livros e jornais mofados para a obtenção instantânea no computador de cada um dos jogos de sua carreira. Era comum levar meses para que jogos de torneios fossem publicados em revistas especializadas. Atualmente, qualquer pessoa pode assistir aos jogos pela internet em tempo real.
As implicações da revolução das informações vão muito além das questão de conveniência. Com a disponibilização mais rápida de informações, a capacidade de processá-las também deve ser mais rápida. Quando um jogo é disputado em Moscou, ele se torna disponível no mesmo instante para análise no mundo inteiro. Uma ideia que levou semanas para ser desenvolvida pode ser imitada por terceiros no dia seguinte, portanto, todos devem ter consciência dela de imediato e estar preparados.
Essa aceleração também afetou o jogo de xadrez propriamente dito. Em 1987, joguei um match de seis partidas de “xadrez rápido”, no palco do teatro de London Hippodrome, contra o inglês Nigel Short, que me desafiaria pelo título mundial seis anos mais tarde. Foi o primeiro match sério dessa espécie, com um ritmo incrivelmente acelerado de jogo. Nesses jogos rápidos, cada jogador tinha apenas 25 minutos para fazer todos os lances, muito diferente do xadrez tradicional, em que os jogos podem durar até sete horas.



Treinei intensamente para esse novo limite de tempo, e descobri que continuava sendo possível executar conceitos complexos, apesar da impossibilidade em se calcular cada movimento com profundidade. Em vez de um estudo aprofundado de uma posição, temos de confiar mais no instinto. Seria justo supor que, no xadrez rápido, planejamento cuidadoso e objetivos estratégicos são elementos secundários, ou até ignorados, em favor do cálculo rápido e intuição. Eu diria mesmo que, para muitos jogadores, acontece exatamente isso. Se você não aprecia o planejamento de uma partida de sete horas, é provável que o abandone por inteiro em um jogo rápido. Mas os jogadores mais bem-sucedidos – em qualquer velocidade – baseiam seus cálculos no planejamento estratégico.  Longe de se excluírem mutuamente, a análise mais efetiva e a mais rápida são possíveis quando existe uma estratégia norteadora.
Se você joga sem metas de longo prazo, suas decisões se tornarão puramente reativas, e você estará jogando o jogo do adversário, não o seu. À medida que você pula de uma coisa para outra, será afastado do curso, ficará envolvido no que está diretamente a sua frente, em vez de se concentrar no que se precisa conquistar.
Veja o exemplo da campanha presidencial americana de 1992, que levou Bill Clinton à Casa Branca. Durante as primárias do Partido Democratas, parecia que a cada dia surgia um novo escândalo que certamente destruiria a candidatura de Clinton. Sua equipe de campanha reagia imediatamente a cada revés, mas não era só isso que fazia. Ela assegurava que a cada comunicado à imprensa também enfatizasse a mensagem de seu candidato.
A eleição geral, contra o presidente Bush seguiu padrão semelhante. Contra cada ataque, a equipe de Clinton respondia com uma defesa que redirecionava o debate para a própria mensagem. “É a economia, seu imbecil” – constantemente reforçando a própria estratégia. Quatro anos antes, em contrapartida, o candidato Michael Dukakis ficou completamente atrapalhado com as táticas agressivas do adversário. O público só o ouvia se defendendo, sem apresentar a própria mensagem. Em 1992, a equipe de Clinton sabia que não era só uma questão de reagir rapidamente, mas também de saber se as respostas se encaixavam bem na estratégia da campanha como um todo. Antes de você seguir uma estratégia, entretanto, ela precisa ser desenvolvida.

O futuro das decisões que você toma no presente

O estrategista começa com um objetivo no futuro distante e trabalha em retrospecto até o próprio presente. Um Grande Mestre faz os melhores movimentos porque ele se baseia na aparência que ele quer o tabuleiro tenha dez ou vinte lances à frente. Isso não exige o cálculo de incontáveis variações das vinte jogadas. Ele avalia as melhores possibilidades de sua posição e estabelece objetivos. Em seguida, elabora os lances passo a passo para alcançar os objetivos.
Esses objetivos intermediários são essenciais. Eles são os componentes necessários para criar condições favoráveis à nossa estratégia. Sem eles, estaremos tentando construir uma casa a partir do próprio telhado. Quase sempre estabelecemos uma meta e seguimos em sua direção, sem considerar todas as etapas necessárias para atingi-la. Que condições devem ser constantes para a nossa estratégia ser bem-sucedida? Que sacrifícios serão exigidos?  O que deve mudar e o que devemos fazer para induzir ou possibilitar essas mudanças?
Minha intuição ou análise me diz que, em uma determinada posição, existe potencial para que eu ataque o rei adversário. Em seguida, em vez de jogar todas as minhas forças contra o rei, procuro objetivos que devo conquistar para fazer isso com sucesso, por exemplo, enfraquecendo a proteção em torno do rei do oponente, promovendo a troca de uma peça chave da defesa. Em primeiro lugar, preciso compreender que objetivos estratégicos me ajudarão a alcançar minha meta e atacar o rei, e, só então, começarei a planejar a forma precisa de realizá-los e a examinar os lances específicos que conduzirão à execução de bons resultados. A ausência dessa estratégia resultará em planos simplistas com poucas chances de sucesso.

Na segunda rodada do torneio Corus, em 2001, Na Holanda, eu me defrontei com um dos perdedores do torneio, Alexei Fedorov, de Belarus. Esse foi o torneio mais forte que ele havia jogado, e a primeira vez que nos enfrentamos no tabuleiro. Ele logo deixou claro que não pretendia demonstrar muito respeito pela atmosfera imponente ou pelo adversário.
Fedorov logo abandonou o jogo padrão da abertura. Se o que ele jogou contra mim tivesse um nome, poderia ser chamado de “Ataque Suicida”. Ignorando o restante do tabuleiro, ele lançou todos os peões e peças contra o meu rei desde do início. Eu sabia que um ataque feroz e mal preparado só podia dar certo se eu cometesse um erro grave. Vigiei meu rei com todo o cuidado e reagi pelo outro lado, ou flanco, e no centro do tabuleiro, uma área crucial em que ele havia ignorado completamente seu avanço. Logo ficou evidente se seu ataque fora totalmente superficial e ele abandonou o jogo após 25 lances.
    

Confesso que não tive que fazer nada de especial para conquistar essa vitória fácil. Meu adversário jogou sem uma estratégia sólida e acabou ficando sem saída. O que Fedorov não fez foi se perguntar logo de início que condições teriam de ser atendidas para que seu ataque fosse bem sucedido. Ele decidiu que queria atravessar o rio e entrou direto na água, em vez de procurar uma ponte. Também vale a pena observar que contar com um erro grave do oponente não é uma estratégia viável.

A consistência não contraria a adaptabilidade

Ter metas e objetivos é o primeiro passo; manter-se fiel a elas e permanecer em curso, o segundo. A história militar está repleta de exemplos de comandantes que se deixaram empolgar pela ação no campo de batalha e se esqueceram da estratégia. De acordo com os anais da história e William Shakespeare nos contam, as forças francesas foram derrotadas pelos ingleses em Agincourt, em 1415, quando a cavalaria francesa permitiu uma saraivada de flechas de curta distância provocasse um ataque desordenado. Quando seu adversário complica a situação, você fica fortemente tentado a refutar a ideia dele, topar a parada, mostrar-se à altura do desafio. É claro que isso é exatamente o que ele quer e o motivo pelo qual é aconselhável resistir a tais perturbações. Se você já optou por uma boa estratégia, por que abandoná-la por algo que favoreça o adversário? Isso exige intenso autocontrole, pois a pressão por mudança pode ser tanto interna, quanto externa. Seu ego não quer provar que você pode vencer o adversário em seu próprio jogo, mas também calar os críticos, existentes, ou potenciais.
Antes do início de meu match pelo campeonato mundial em 1993, contra o inglês Nigel Short, minha equipe e eu decidimos que a melhor estratégia seria enfrentar o impetuoso inglês na manobra de posições. Ele era um atacante perigoso com uma linha de jogo incisiva e, embora esse também fosse o meu trunfo, achamos que eu teria vantagem considerável em partidas lentas. Nossa análise revelou que Short ficava pouco à vontade ao jogar partidas monótonas.

O jogador com as peças brancas começa o jogo, e isso lhe confere uma ligeira vantagem que é compatível, embora menos pronunciada, a ter o serviço no tênis. Com o primeiro lance, pode-se controlar melhor o tempo e a direção do jogo. Em minha preparação para o match com Short, planejamos meu repertório de abertura com as brancas para evitar as variantes com duas faces que ele preferia. Com isso em mente, escolhi a abertura com linha de desenvolvimento mais lento, do venerável Ruy Lopez, bem conhecido por suas manobras posicionais. Ela deve seu nome a um padre espanhol jogador de xadrez, e sua eficiência trituradora conferiu à abertura o apelido de “Torturadora Espanhola”.
Iniciei com três vitórias nas quatro primeiras partidas, e assumi a liderança do match, que estava programado para 24 partidas. Venci duas partidas com as brancas, utilizando esse estilo de manobras lentas, e muitos se perguntaram se eu mudaria para variantes mais agressivas a fim de tentar derrotar meu adversário enquanto ele estava em situação desesperadora. Short estava confuso – pensei que fosse um bom momento para mudar a abordagem a fim de mantê-lo distraído.
Fiz uma mudança, mas não de estratégia. Usei minha liderança para sondar suas defesas, em busca de fraquezas. Logo conquistei mais duas vitórias, persistindo em minha estratégia de abrir lentamente com as peças brancas.
Manter um plano quando se está ganhando parece simples, mas é fácil torna-se superconfiante e deixar-se levar pelas circunstâncias. O sucesso duradouro é impossível se você permitir que suas reações sobrepujem o planejamento.

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