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ESTRATÉGIA
“O homem que sabe
como sempre terá trabalho. O homem que também sabe o porquê será sempre o
próprio patrão.”
- Ralph Waldo Emerson
Sucesso a qualquer velocidade
O futebol e, em
menor grau, o hóquei eram os esportes preferidos dos espectadores na União
Soviética em que eu cresci. O “jogo bonito”, como o futebol é amplamente
conhecido, é também um dos jogos mais simples no que se refere a regras. Não é
preciso muito tempo para descobrir como se joga; basta algumas partidas. Alguns
amigos tentaram me explicar o beisebol e o futebol americano, uma experiência
que me fez pensar se a absoluta simplicidade do verdadeiro futebol foi o que o tornou tão impopular nos Estados
Unidos. (Embora, como sempre se observa, a causa mais provável é que o futebol
oferece muito menos oportunidades para intervalos comerciais.)
Por mais simples
que o futebol seja, a estratégia do jogo é profunda e complexa. A finalidade óbvia é marcar gols, impedindo, ao mesmo tempo, que o adversário faça o mesmo.
A melhor maneira para alcançar esse propósito, entretanto, gera debates
intermináveis. A estratégia tradicional da seleção da Itália, por exemplo, é
defensiva. Se seu adversário nunca marca gols, diz a lógica, você nunca perde.
Outras seleções, como a do Brasil, emprega meios diferentes com o mesmo fim de
marcar mais gols que o adversário.
Imagine aprender a
jogar xadrez numa cartilha em que faltem algumas páginas. Ela ensina a montar o
tabuleiro, e a movimentar e capturar peças do adversário, mas não ensina nada
sobre xeque-mate e final de jogo. Quem aprender com esse livro poderá torna-se
competente em cálculo e hábil na execução de movimentos estratégicos, mas não
teria maiores objetivos. Sem um objetivo, seu jogo não teria propósito algum.
O velho ditado
sobre xadrez – “Um mau plano é melhor do que plano nenhum” – é mais inteligente
que verdadeiro. Cada passo, reação e decisão devem ocupar uma posição clara em
seu planejamento. Caso contrário, você não poderá tomar nem as decisões mais óbvias com certeza de que elas o beneficiam. Isso se torna ainda mais
importante em virtude do ritmo acelerado do mundo atual.
Durante meus trinta
anos como enxadrista profissional, a pesquisa sobre o adversário passou da
busca em livros e jornais mofados para a obtenção instantânea no computador de
cada um dos jogos de sua carreira. Era comum levar meses para que jogos de
torneios fossem publicados em revistas especializadas. Atualmente, qualquer
pessoa pode assistir aos jogos pela internet em tempo real.
As implicações da
revolução das informações vão muito além das questão de conveniência. Com a disponibilização
mais rápida de informações, a capacidade de processá-las também deve ser mais
rápida. Quando um jogo é disputado em Moscou, ele se torna disponível no mesmo
instante para análise no mundo inteiro. Uma ideia que levou semanas para ser
desenvolvida pode ser imitada por terceiros no dia seguinte, portanto, todos
devem ter consciência dela de imediato e estar preparados.
Essa aceleração
também afetou o jogo de xadrez propriamente dito. Em 1987, joguei um match de seis partidas de “xadrez rápido”,
no palco do teatro de London Hippodrome, contra o inglês Nigel Short, que me
desafiaria pelo título mundial seis anos mais tarde. Foi o primeiro match sério dessa espécie, com um ritmo
incrivelmente acelerado de jogo. Nesses jogos rápidos, cada jogador tinha
apenas 25 minutos para fazer todos os lances, muito diferente do xadrez
tradicional, em que os jogos podem durar até sete horas.
Treinei
intensamente para esse novo limite de tempo, e descobri que continuava sendo
possível executar conceitos complexos, apesar da impossibilidade em se calcular
cada movimento com profundidade. Em vez de um estudo aprofundado de uma
posição, temos de confiar mais no instinto. Seria justo supor que, no xadrez
rápido, planejamento cuidadoso e objetivos estratégicos são elementos
secundários, ou até ignorados, em favor do cálculo rápido e intuição. Eu diria
mesmo que, para muitos jogadores, acontece exatamente isso. Se você não aprecia
o planejamento de uma partida de sete horas, é provável que o abandone por
inteiro em um jogo rápido. Mas os jogadores mais bem-sucedidos – em qualquer
velocidade – baseiam seus cálculos no planejamento estratégico. Longe de se excluírem mutuamente, a análise
mais efetiva e a mais rápida são possíveis quando existe uma estratégia
norteadora.
Se você joga sem
metas de longo prazo, suas decisões se tornarão puramente reativas, e você
estará jogando o jogo do adversário, não o seu. À medida que você pula de uma
coisa para outra, será afastado do curso, ficará envolvido no que está
diretamente a sua frente, em vez de se concentrar no que se precisa conquistar.
Veja o exemplo da
campanha presidencial americana de 1992, que levou Bill Clinton à Casa Branca.
Durante as primárias do Partido Democratas, parecia que a cada dia surgia um
novo escândalo que certamente destruiria a candidatura de Clinton. Sua equipe
de campanha reagia imediatamente a cada revés, mas não era só isso que fazia.
Ela assegurava que a cada comunicado à imprensa também enfatizasse a mensagem
de seu candidato.
A eleição geral,
contra o presidente Bush seguiu padrão semelhante. Contra cada ataque, a equipe
de Clinton respondia com uma defesa que redirecionava o debate para a própria mensagem.
“É a economia, seu imbecil” – constantemente reforçando a própria estratégia.
Quatro anos antes, em contrapartida, o candidato Michael Dukakis ficou
completamente atrapalhado com as táticas agressivas do adversário. O público só
o ouvia se defendendo, sem apresentar a própria mensagem. Em 1992, a equipe de
Clinton sabia que não era só uma questão de reagir rapidamente, mas também de
saber se as respostas se encaixavam bem na estratégia da campanha como um todo.
Antes de você seguir uma estratégia, entretanto, ela precisa ser desenvolvida.
O futuro das decisões que você toma no
presente
O estrategista
começa com um objetivo no futuro distante e trabalha em retrospecto até o
próprio presente. Um Grande Mestre faz os melhores movimentos porque ele se
baseia na aparência que ele quer o tabuleiro tenha dez ou vinte lances à
frente. Isso não exige o cálculo de incontáveis variações das vinte jogadas.
Ele avalia as melhores possibilidades de sua posição e estabelece objetivos. Em
seguida, elabora os lances passo a passo para alcançar os objetivos.
Esses objetivos
intermediários são essenciais. Eles são os componentes necessários para criar
condições favoráveis à nossa estratégia. Sem eles, estaremos tentando construir
uma casa a partir do próprio telhado. Quase sempre estabelecemos uma meta e
seguimos em sua direção, sem considerar todas as etapas necessárias para atingi-la.
Que condições devem ser constantes para a nossa estratégia ser bem-sucedida?
Que sacrifícios serão exigidos? O que
deve mudar e o que devemos fazer para induzir ou possibilitar essas mudanças?
Minha intuição ou
análise me diz que, em uma determinada posição, existe potencial para que eu
ataque o rei adversário. Em seguida, em vez de jogar todas as minhas forças
contra o rei, procuro objetivos que devo conquistar para fazer isso com
sucesso, por exemplo, enfraquecendo a proteção em torno do rei do oponente,
promovendo a troca de uma peça chave da defesa. Em primeiro lugar, preciso compreender
que objetivos estratégicos me ajudarão a alcançar minha meta e atacar o rei, e,
só então, começarei a planejar a forma precisa de realizá-los e a examinar os
lances específicos que conduzirão à execução de bons resultados. A ausência
dessa estratégia resultará em planos simplistas com poucas chances de sucesso.
Na segunda rodada
do torneio Corus, em 2001, Na Holanda, eu me defrontei com um dos perdedores do
torneio, Alexei Fedorov, de Belarus. Esse foi o torneio mais forte que ele
havia jogado, e a primeira vez que nos enfrentamos no tabuleiro. Ele logo
deixou claro que não pretendia demonstrar muito respeito pela atmosfera
imponente ou pelo adversário.
Fedorov logo
abandonou o jogo padrão da abertura. Se o que ele jogou contra mim tivesse um nome,
poderia ser chamado de “Ataque Suicida”. Ignorando o restante do tabuleiro, ele
lançou todos os peões e peças contra o meu rei desde do início. Eu sabia que um
ataque feroz e mal preparado só podia dar certo se eu cometesse um erro grave.
Vigiei meu rei com todo o cuidado e reagi pelo outro lado, ou flanco, e no
centro do tabuleiro, uma área crucial em que ele havia ignorado completamente
seu avanço. Logo ficou evidente se seu ataque fora totalmente superficial e ele
abandonou o jogo após 25 lances.
Confesso que não
tive que fazer nada de especial para conquistar essa vitória fácil. Meu
adversário jogou sem uma estratégia sólida e acabou ficando sem saída. O que
Fedorov não fez foi se perguntar logo de início que condições teriam de ser
atendidas para que seu ataque fosse bem sucedido. Ele decidiu que queria
atravessar o rio e entrou direto na água, em vez de procurar uma ponte. Também
vale a pena observar que contar com um erro grave do oponente não é uma
estratégia viável.
A consistência não contraria a adaptabilidade
Ter metas e
objetivos é o primeiro passo; manter-se fiel a elas e permanecer em curso, o
segundo. A história militar está repleta de exemplos de comandantes que se
deixaram empolgar pela ação no campo de batalha e se esqueceram da estratégia.
De acordo com os anais da história e William Shakespeare nos contam, as forças
francesas foram derrotadas pelos ingleses em Agincourt, em 1415, quando a
cavalaria francesa permitiu uma saraivada de flechas de curta distância
provocasse um ataque desordenado. Quando seu adversário complica a situação,
você fica fortemente tentado a refutar a ideia dele, topar a parada, mostrar-se
à altura do desafio. É claro que isso é exatamente o que ele quer e o motivo
pelo qual é aconselhável resistir a tais perturbações. Se você já optou por uma
boa estratégia, por que abandoná-la por algo que favoreça o adversário? Isso
exige intenso autocontrole, pois a pressão por mudança pode ser tanto interna,
quanto externa. Seu ego não quer provar que você pode vencer o adversário em
seu próprio jogo, mas também calar os críticos, existentes, ou potenciais.
Antes do início de
meu match pelo campeonato mundial em 1993, contra o inglês Nigel Short, minha
equipe e eu decidimos que a melhor estratégia seria enfrentar o impetuoso
inglês na manobra de posições. Ele era um atacante perigoso com uma linha de
jogo incisiva e, embora esse também fosse o meu trunfo, achamos que eu teria
vantagem considerável em partidas lentas. Nossa análise revelou que Short
ficava pouco à vontade ao jogar partidas monótonas.
O jogador com as
peças brancas começa o jogo, e isso lhe confere uma ligeira vantagem que é
compatível, embora menos pronunciada, a ter o serviço no tênis. Com o primeiro
lance, pode-se controlar melhor o tempo e a direção do jogo. Em minha
preparação para o match com Short,
planejamos meu repertório de abertura com as brancas para evitar as variantes
com duas faces que ele preferia. Com isso em mente, escolhi a abertura com
linha de desenvolvimento mais lento, do venerável Ruy Lopez, bem conhecido por
suas manobras posicionais. Ela deve seu nome a um padre espanhol jogador de
xadrez, e sua eficiência trituradora conferiu à abertura o apelido de “Torturadora
Espanhola”.
Iniciei com três
vitórias nas quatro primeiras partidas, e assumi a liderança do match, que estava programado para 24
partidas. Venci duas partidas com as brancas, utilizando esse estilo de
manobras lentas, e muitos se perguntaram se eu mudaria para variantes mais
agressivas a fim de tentar derrotar meu adversário enquanto ele estava em
situação desesperadora. Short estava confuso – pensei que fosse um bom momento
para mudar a abordagem a fim de mantê-lo distraído.
Fiz uma mudança,
mas não de estratégia. Usei minha liderança para sondar suas defesas, em busca
de fraquezas. Logo conquistei mais duas vitórias, persistindo em minha
estratégia de abrir lentamente com as peças brancas.
Manter um plano
quando se está ganhando parece simples, mas é fácil torna-se superconfiante e
deixar-se levar pelas circunstâncias. O sucesso duradouro é impossível se você
permitir que suas reações sobrepujem o planejamento.
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