Livros não são meu
forte, e não é falsa modéstia. Geralmente, fecham-se os anos, e consigo ler
até o final cerca de três ou quatro, sendo otimista. Para alguém com uma
leitura tão árida, reler se torna um fenômeno ainda maior. Quebrando esse tabu,
li duas vezes o livro “Xeque-Mate” de Gary Kasparov. A primeira vez em junho
desse ano, em uma semana, e agora reli, demorei dessa vez algo em torno de duas
semanas. A mensagem do livro é forte, mas tão fugaz quanto areia entre os dedos
se não for reforçada. Pela raridade que é encontrar esse livro no mercado, além
de seu alto preço, resolvi digitar ele todo. Esse é o “Projeto Xeque-Mate”. Ir
digitando entre três a seis páginas e ir colocando aqui em forma de posts, para
terminado tudo, seja lá quando for, construir um PDF para download, para que
mais possam ter acesso a essa obra, em nosso idioma. Não obstante a
precariedade de títulos mundiais traduzidos em português, nós amantes do
xadrez, sofremos com escassos volumes de sua literatura disponíveis não só
traduzidos, como para venda, que não inclua preços astronômicos e impressão extremamente
limitada. Segue-se abaixo a transcrição da página 1 – 5. Boa leitura, espero
que lhe traga alguma inspiração.
Sério, dessa vez eu
não estou sendo irônico.
Às vezes eu ainda
acredito no potencial construtivo humano.
<VEJA TAMBÉM: O DESAFIO DE XADREZ ONLINE. LEIA AS REGRAS E PARTICIPE!>
GARRY
KASPAROV
XEQUE-MATE
A vida é um jogo de
xadrez
TRADUÇÃO: THEREZA
FONSECA
Editora: Campus
Para a minha mãe,
por toda uma vida de inspiração e apoio
INTRODUÇÃO
O segredo do
sucesso
Quando eu era um
astro adolescente de xadrez, em uma União Soviética apaixonada pelo jogo, desde
cedo me acostumei a dar entrevistas e a falar em público. Além de perguntas
eventuais sobre hobbies e garotas, essas entrevistas voltavam-se unicamente
para a minha carreira enxadrista. Posteriormente, em 1985, tornei-me campeão
mundial com a idade de 22 anos, o mais jovem da história, e daí em diante, o
tipo de perguntas que me eram feitas, mudou radicalmente. Em vez de me pedirem
informações sobre jogos e torneios, as pessoas queriam saber como alcancei o
sucesso sem precedentes. Como é que eu conseguia me esforçar tanto? Quantos
lances à frente eu conseguia ver? O que se passava na minha mente durante um
jogo? Eu tinha memória fotográfica? O que comia? O que fazia toda noite antes
de dormir? Em resumo, quais eram o segredo do meu sucesso?
Não levou muito
tempo para eu perceber que o meu público ficava decepcionado com as minhas
respostas. Eu me esforçava muito porque minha mãe me ensinou assim. A
quantidade de lances que eu via à frente dependia da posição. Durante o jogo,
eu tentava lembrar minha preparação e calcular variações. Minha memória era
boa, mas não era fotográfica. Eu geralmente consumia porções substanciais de
salmão defumado, bifes e água tônica antes de cada jogo. (Infelizmente, quando
passei dos 35 anos, meu treinador físico exigiu que essa “dieta” se tornasse
coisa do passado.) Toda noite, antes de dormir, eu escovava os dentes. Não é o
que se pode chamar de assunto inspirador.
Todos pareciam
buscar um método preciso, uma receita universal que pudesse seguir para
alcançar ótimos resultados. Perguntam a escritores famosos que tipo de papel
usam, como se suas ferramentas fossem responsáveis pelo que escrevem. Quem nos
faz essas perguntas não entende que somos todos únicos, o resultado de milhões
de elementos e transformações que começam com o nosso DNA e se estendem até o
que aconteceu hoje mesmo. Cada um de nós cria a sua própria fórmula singular
para tomar decisões. Nosso objetivo é aproveitar essa formula ao máximo,
identificá-la, avaliar seu desempenho e encontrar meios de aperfeiçoá-la.
Esse livro descreve
como minha fórmula foi desenvolvida, como eu via o processo na ocasião, e como
vejo agora, em retrospecto. No desenrolar desse livro, relembrarei as várias
pessoas que contribuíram para esse desenvolvimento, direta ou indiretamente. Os
jogos inspirados de Alexander Alekhine, meu primeiro herói de xadrez, ocupam
lugar ao lado de Sir. Winston Churchill, a cujas palavras esse livro ainda
recorro regurlamente.
Com esses e outros
exemplos, espero que você aprenda lições para a própria evolução como tomador
de decisões e para estimular um maior crescimento. Isso exigirá grande
honestidade de autoavaliação e do quanto você realizou seu potencial. Não
existem jeitinhos, e esse não é um livro de dicas e truques. É um livro sobre
autoconhecimento e desafio, sobre como desafiar a nós mesmos e aos outros, para
que possamos aprender a tomar as melhores decisões possíveis.
A ideia desse livro
surgiu quando percebi que, em vez de ter respostas inteligentes para eternas
perguntas “O que se passava na sua cabeça?”, seria mais interessante se eu
tentasse descobrir. Mas a vida de um profissional de xadrez, com sua rigorosa
agenda de viagens, jogos e preparação, não me deixava muito tempo para
introspecção filosófica, ao contrário da prática. Quando me afastei do xadrez,
em março de 2005, finalmente consegui tempo e perspectiva para relembrar minhas
experiências e tentar partilhar de maneira útil.
Este livro teria
sido muito diferente se eu o tivesse terminado antes de minha surpreendente
mudança de carreira do xadrez para a política. Primeiro, eu precisava de tempo
para absorver as lições que aprendi em minha vida de enxadrista. Segundo,
minhas novas experiências estão me obrigando a analisar quem eu sou e do que eu
sou capaz. Ser apaixonado pela defesa da democracia não é o suficiente. Formar
coalizões e organizar conferências são comportamentos que exigem que eu aplique
minha visão estratégica e outras habilidades do xadrez de maneiras inteiramente
novas. Depois de 25 anos em uma zona de conforto de experiência, tenho de
analisar minhas habilidades a fim de me compor e recompor para esses novos
desafios.
Mapa da mente
No dia de meu sexto
aniversário, acordei e encontrei o melhor presente que já havia recebido. Ao
lado da cama, havia um enorme globo terrestre. Tive de esfregar os olhos para
ter certeza de que era verdadeiro. Sempre fui fascinado por mapas e geografia,
e minhas histórias de infância favoritas eram aquelas em que meu pai contava as
viagens de Marco Polo, Colombo e Fernão de Magalhães. Tudo começou com meu pai
lendo para mim Conqueror of the Seas: The
Story of Magellan, de Stefan Zweig. Portanto, nosso jogo favorito passou a
ser acompanhar as viagens desses grandes exploradores através do globo.
Não demorou muito
para que eu conhece as capitais de todos os países do mundo, seus povos e tudo
mais que eu pudesse descobrir. Essas histórias de aventura da vida real me
fascinavam mais do que qualquer conto de fadas. Embora não nos concentrássemos nas
terríveis dificuldades que envolviam as viagens marítimas no passado, eu sabia
que teria sido necessária uma coragem incrível para realizar esse tipo de
jornada. Essas histórias incentivaram meu espírito pioneiro. Eu queria explorar
novos caminhos, mesmo que naquele momento de minha vida isso significasse um
pouco mais do que fazer um trajeto diferente de volta para casa. E, durante toda
a minha carreira de xadrez, busquei novos desafios, procurando coisas que
ninguém havia feito antes.
A época dos grandes
exploradores e imperadores já passou, mas ainda há uns poucos territórios
preciosos a desbravar. Podemos explorar nossos próprios limites e os limites de
nossa vida. Também podemos ajudar os outros a fazer o mesmo, talvez dando um
globo de presente de aniversário a uma criança, ou o equivalente da era
digital.
Ter um mapa
personalizado é essencial, e este livro pode traçar apenas toscamente as etapas
de observação e análise que fazem parte da confecção desse mapa. Exagerando um
pouquinho, o mínimo denominador comum é inútil. Não há como encontrar vantagens
ou melhores no que é obvio ou idêntico para todo mundo. Devemos olhar mais alto
e nos empenharmos mais, transcender o básico e universal. Em teoria, qualquer
pessoa pode aprender a jogar xadrez em meia hora, e as regras são iguais para
homens, mulheres e crianças. Entretanto, quando pela primeira vez formos além
das regras, deixando aquele nível inicial em que nos preocupávamos apenas com
os movimentos corretos, começamos a formar os padrões que nos distinguem de
todos que já movimentaram um peão.
Padrões adquiridos
e a lógica para empregá-los combinados com nossas qualidades intrínsecas para
criar um jogador que toma decisões inigualáveis. Experiência e conhecimento são
enfocados pelo prisma do talento, que pode ser promovido, extraído e cultivado.
Essa mistura é fonte de intuição, uma ferramenta absolutamente única em cada um
de nós. Aqui começamos a perceber começamos a perceber as influências da psicologia
individual e de nosso caráter emocional expresso em nossas decisões – o que
chamamos de estilo de um jogador de xadrez. O xadrez é o instrumento ideal para
examinar essas influencias, porque, para nos destacarmos no jogo, somos
forçados a analisar as decisões que tomamos e como chegamos até elas. Isso é o
que os meus inquiridores realmente necessitavam – auto-investigação – e não
informações sobre os meus hábitos triviais.
Não podemos
selecionar um estilo que preferimos. Não é como um software genérico que
baixamos na internet e instalamos. Em vez disso, devemos identificar o que funciona
melhor para nós, então por meio de desafios e experiências, desenvolver o nosso
próprio método. O que é que me falta? Quais são os meus pontos fortes? Que tipo
de desafio sou propenso a evitar e por quê? O método para o sucesso é um
segredo porque só pode ser descoberto ao analisarmos nossas próprias decisões.
A tomada de melhores decisões é um processo autodidático, que não pode ser
ensinado.
A principio, parece
haver uma contradição no que descrevi. Devemos nos conscientizar de nosso
processo de tomada de decisões, e com a prática, ele aprimorará nosso
desempenho intuitivo – inconsciente. Esse comportamento pouco natural é necessário
porque nós, como adultos, já formamos nossos padrões, bons e maus. Para
corrigir os maus e aperfeiçoar os bons, devemos nos empenhar para sermos mais
autoconscientes.
Este livro tenta
usar histórias e análises para abrir as portas a essa percepção. A Parte I
examina os componentes fundamentais, as habilidades e aptidões essências que
fazem parte do processo decisório. Estratégia, cálculo, preparação – devemos entender
esses elementos essenciais e vê-los em nós. A Parte II é a fase de avaliação e
análise. Quais são as mudanças necessárias, e por quê? Aqui vemos os métodos e benefícios
de nossa autoinvestigação. A Parte III examina as maneiras sutis de combinar
todos esses elementos para melhorar nosso desempenho. Psicologia e intuição
afetam cada aspecto de nossas decisões e resultados. Devemos desenvolver a
capacidade de ter uma visão global da situação, lidar com as crises e aprender
com elas.
Esses momentos
decisivos são ponto críticos – como toda vez que selecionamos uma bifurcação
errada, sabendo que não podemos voltar atrás. Vivemos por esses momentos, e em
troca, eles definem nossa vida. Aprendemos quem somos e o que verdadeiramente
nos importa. Assim, o “segredo” é perseguir esses desafios em vez de evitá-los.
Essa é a única maneira de descobrir e explorar todos nossos dons. Criar nosso
plano pessoal nos permite tomar decisões melhores, ter segurança de confiar em
nossos instintos e saber que, seja qual for o resultado, sairemos mais fortes.
Isso, para cada um de nós, é o nosso segredo especial do sucesso.
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