"Frank Miller, com O Cavaleiro das Trevas, reconstruiu os super-heróis. Eu, com Watchmen, os destruí".
Alan Moore
Como prometido, publicaremos comentários de alguns de nossos colaboradores quanto ao aniversário dessa estória, considerada por muitos um dos melhores trabalhos de narrativa gráfica já publicados. "Watchmen" foi lançado em 12 edições, entre 1986 e 1987. Foi um divisor de águas, junto a mais alguns outros trabalhos da mesma época, mostrando que as HQs de super-heróis podiam e até mesmo, deveriam, continuar tratando de grandes estórias com conteúdos pertinentes e reflexivos. Alan Moore (roteirista) e Dave Gibbons (desenhista) traziam uma atmosfera realmente violenta e pesada no seu realismo, somado à ambientação mais diversificada possível que poderia ser feita em uma história em quadrinhos. O final de cada edição contava com documentos relacionados aos personagens; como diários, registros penitenciários, entrevistas para a mídia e afins. Uma dedicação admirável que cativou, confundiu e inspirou todo o público.
Um filme chegou a ser feito e foi lançado em 2009, se tratando de uma das adaptações de quadrinhos mais aprovadas e elogiadas até hoje. Em 2012 a DC resolveu cutucar os personagens e fazer uma série prelúdio chamada "Antes de Watchmen" mostrando aventuras dos heróis que antecedem os eventos de 85. Fizeram oito volumes diferentes, mas não foram bem recebidos, além da total desaprovação do autor original, o Alan Moore. Hoje a DC está misturando esses personagens com o elenco tradicional da editora (Batman, Superman e Liga da Justiça) na série "Rebirth"... O único comentário do desenhista Gibbons é de que nem sequer foi consultado quanto a isso. Teremos que aguardar pra ver quais serão os resultados e consequências... Mas até lá vamos aproveitar o momento para fazer uma humilde homenagem postando os comentários dos nossos colaboradores quanto aos seus primeiros contatos com a história original.
A.L., do Esmiuçando a Cultura Nerd:
"Watchmen se tornou um fenômeno por mostrar os heróis, que mais são pessoas comuns que usam fantasias - com grande exceção para o Dr. Manhattan - que decidiram que poderiam fazer mais do que somente ver crimes acontecendo. Alguns surgiram pela necessidade, outros surgiram por motivos estritamente comerciais. Alguns usavam sua alta capacidade de imaginação - e de condições financeiras - para conseguir ir além. Eram pessoas cansadas da monotonia do dia-a-dia ou cansados de ver injustiças. Isso torna Watchmen um fenômeno especial, pois vai além dos superpoderes que geralmente vemos em revistas da DC Comics e da Marvel Comics - as duas principais da época -, pois o que move os personagens não são poderes incríveis, mas sim sua vontade de fazer a diferença. Eles são heróis, como um bombeiro que socorre uma pessoa em um incêndio ou um policial que corre riscos para salvar outros de bandidos. Eles são queridos ou odiados, pois nem todos os querem resolvendo seus problemas.
Uma das coisas que percebemos, também, é que Alan Moore busca nos mostrar como seria o mundo influenciado por eles. Como seria os Estados Unidos se o Dr. Manhattan tivesse participado da guerra do Vietnã? Se ele tivesse influenciado o desenvolvimento do mundo, nossas fontes de energia, nossa política - principalmente dos Estados Unidos, já que Nixon ainda continua sendo presidente na década de 1980.
Não vemos esses aspectos em outros quadrinhos, mas esse tipo de ação sempre foi algo que Moore trabalhou na sua época escrevendo para a publicação inglesa Warrior, como foi o caso de 'V de Vingança', onde uma sociedade distópica é comandada por uma máquina, que mudou tudo até que um rebelde anárquico decide destruir tudo. No caso de Watchmen, vemos um homem extremamente inteligente vendo a paz na destruição e usando dessa forma para conseguir seu objetivo, não importando com quantas vidas sejam perdidas, desde que a humanidade fique em paz.
Watchmen mudou a forma de se ver os quadrinhos como aventuras super heroicas, mudou a forma de se olhar para os heróis somente como salvadores e também criou questionamentos de como seria nossa vida com suas interferências. Tá, alguns poderão falar que a Marvel Comics já havia criado super-heróis que não eram aceitos pela humanidade, mas uma questão que nunca se pensou era: eles resolvem mesmo as coisas? Eles criam situações definitivas? Eles são super-heróis? Sem contar que - mencionando novamente -, com exceção de Dr. Manhattan que está mais para um deus do que um super-heróis, todos são heróis fantasiados. Sim, estou sendo repetitivo, mas é Watchmen, ou seja, uma história que nos mostra heróis fantasiados.
Desculpe, Douglas Joker, mas é bem complexo falar de Watchmen e ser breve. O que me entristece foram as tentativas de revitalizar essa obra-prima com Antes de Watchmen. Mesmo com talentosos roteiristas e desenhistas, foi frustrante, pois não captou toda a essência da obra. Bem como o filme de 2009, com roteiro de Alex Tsé e David Hayter e direção de Zack Snyder, que mesmo na sua versão estendida não consegue nem metade da representação da minissérie que revolucionou o mundo dos quadrinhos e continua sendo uma das melhores obras já realizadas.
Watchmen completa 30 anos de publicação e continua sendo algo único e absoluto."
Douglas Joker, de Gotham City:
"Talvez por morar bem do lado, eu tenho o costume de passar sempre na livraria, mesmo que vá comprar nada. Faço isso desde quando nem sabia ler. Watchmen sempre foi uma capa curiosa de algo que sempre esteve lá, como Desventuras em Série e os encadernadões de Sandman. Daí até eu ler foram muitos anos. Provavelmente porque, ironicamente, quando eu resolvi que ia comprar e ler de qualquer jeito eu não encontrei em mais lugar nenhum, fosse livraria ou banca de jornal. E já tinha sido relançado umas quinhentas vezes. Ou seja, foi azar mesmo.
Um tempo depois, na escola de inglês que eu estudava, um amigo meu me mostrou que na biblioteca deles havia um Watchmen, inteirinho. Sendo a escola de inglês, assim também era o Watchmen. Mas dane-se, finalmente eu tinha encontrado e poderia ler, mesmo em inglês. Aproveitei um feriado que haveria de quatro dias (somado com o final de semana que o antecedia) e pedi pro meu amigo pegar pra mim (eu procurava que nem um doido e não achava, ele parecia localizar o gibi magneticamente). Nesses quatro dias eu terminei de ler. Provavelmente não peguei tudo que se passava na estória, já que ainda estava no meio do curso de inglês, hoje não chego a me considerar fluente, mas leio gibis gringos de boa. De qualquer forma, quando terminei estava fascinado. Não eram os temas políticos ou de guerra que me atraíam, mas a forma como se levantavam tantos pontos de vista, a forma relativa que situações tão preocupantes eram colocadas e tiradas! Eu sentia que havia descoberto algo lá, um caminho que eu queria seguir.
E o principal que Watchmen me trouxe foi ALAN MOORE, o descobri como meu escritor preferido e o primeiro que passei a tomar como referência. Eu queria saber tudo mais que ele tinha escrito e queria ler. Já conhecia 'A Piada Mortal' e 'Para O Homem Que Tem Tudo...', ambas haviam me marcado sem dúvida e eu sabia quem tinha sido o cosplayer de Gandalf responsável por elas. Mas Watchmen foi o primeiro que foi assim diferente: 'eu tenho que ler outras estórias desse cara'. Foi nesse nível que Watchmen mexeu comigo, continuo priorizando os trabalhos dele até hoje sem qualquer arrependimento, inclusive porque outras estórias que mexeram tanto comigo foram 'V de Vingança' e 'Reino do Amanhã' (do Mark Waid, mas em homenagem a uma série que Moore havia deixado de fazer).
Em 2013 comprei as primeiras edições lançadas no Brasil em uma Comic-Con da minha cidade. Hoje já li muitas outras coisas, conheci outros autores, mas Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons não perdeu o meu fascínio."
ANT, do MEGABLOG:
"Para mim Watchmen não significou tanta coisa quanto significou para muitos leitores de quadrinhos. Foi sim uma das melhores histórias que eu já li, mas 'não passa disso'. Provavelmente por eu já ter lido historias/visto filmes/jogado videogames que já tratassem de 'ficção realista', inclusive histórias em quadrinhos que vieram depois do Watchmen. Acho que no fundo eu acabei lendo Watchmen muito tarde, porém digo que é sim uma obra fantástica, tanto quanto crítica quanto como entretenimento e algo comparável a clássicos da literatura e possivelmente supera muitos destes."
Roger, do Planeta Marvel/DC:
"Meu parceiro de blogs, Douglas Joker, me lembrou de um fato que estava me passando completamente despercebido - os 30 anos de Watchmen. Bem, o que essa obra significou para mim? Por incrível que pareça eu li apenas uma ou duas vezes esse clássico e foi quando a Editora Abril lançou em seis edições em 1988, por isso, vou tentar fazer um resgate de memória aqui.
Os anos 80 foram o auge das HQs Marvel e DC pela Editora Abril. Em 1987, fui agraciado com Batman - O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, alguns meses depois, a Abril lançava a série Graphic Novel com X-Men - O Conflito de uma Raça (Deus Ama, Homem Mata), Demolidor - Amor e Guerra e A Morte do Capitão Marvel. Logo em seguida, a revista Superaventuras Marvel trazia A Queda de Murdock, na mesma época em que a revista Batman, em seu mix, nos brindava com Batman - Ano Um, O Sombra e Questão. Era uma época em que um adolescente aficionado em Marvel e DC como eu começava a ter contato com histórias mais complexas e com uma temática mais séria e adulta. Um ano depois de todo esse material que eu mencionei, eis que vejo nas bancas - Watchmen #1 - formato americano de luxo.
Na medida em que eu lia, aumentava minha certeza de que estava diante de algo diferenciado ali. Uma narrativa que me prendia aos mistérios no presente, me arrastava para o passado nu e cru, e me dava uma perspectiva sombria para o futuro. Imagens realistas e fortes graças aos traços minuciosos de Dave Gibbons (acredito que hoje esse quadrinho teria certas restrições quanto à idade, mas naquela época, qualquer criança podia adquirir seu exemplar em qualquer banca - coisas dos anos 80 mesmo). Os vários textos complementares fazia com que a leitura fosse longa, bem diferente dos quadrinhos atuais, cujas vinte e poucas páginas termino em quinze minutos ou menos. Mas Watchmen conseguia me prender durante um bom tempo e eu não me contentava apenas em ler os quadrinhos, mas mergulhava de cabeça nos textos explicativos intermináveis.
Confesso que fazer esse resgate, mesmo que superficialmente, aguçou minha vontade de reler, aproveitando o encadernado da Panini com a Edição Definitiva que adquiri algum tempo atrás. Será uma boa oportunidade de me submeter a uma visão mais madura dessa obra. De qualquer forma, Watchmen não chegou a ser um caso particular ou específico em termos significativos, pois para mim, esse papel coube à Cavaleiro das Trevas que ampliou minha visão sobre quadrinhos. Mas, sem dúvida, Watchmen ajudou a consolidar minha opinião de que a indústria dos quadrinhos de heróis tinha uma capacidade criativa que parecia não acabar tão cedo.
'Who Watches the Watchmen?'"
Ozymandias Realista, de um tabuleiro de xadrez gigante onde ele se isolou:
"E aqui estou eu, após meses, em frente a uma folha digital do word, e não pretendia tão cedo encarar uma, mas não pude recusar o convite do mano Douglas Joker. Como eu disse a ele, eu praticamente me demiti dos quadrinhos, após 11 anos colecionando, simplesmente me saturei com o rumo que as coisas seguem, mas como Watchmen é sempre Watchmen, a obra atemporal que transcende mídias e análises, vou me esforçar para digitar um breve 'testemunho'.
Bem, vamos começar com os 'radicalismos': Watchmen para mim não foi só uma leitura, foi a transcendência entre a adolescência e a fase adulta, além da redefinição de arte e padrão crítico. Digamos que essa célebre obra do rabugento ingrato do Moore tenha sido o Big Bang cerebral que me colocou no caminho que sigo hoje, quase como uma religião. Antes disso, quadrinhos eram leitura fácil, que eu muitas vezes cortava diálogos para só ver as lutas. Eu não me importava com dramas, monólogos, enquadramentos, tudo que eu queria era um fliperama impresso com os personagens da Marvel se digladiando, e se houvesse o Aranha, melhor ainda. Simples assim. Como um unidimensional torcedor de futebol, eu só sabia torcer cegamente para "um time", e o outros, em especial a DC, eram motivos gratuitos para desdenhos e ofensas, mesmo sem eu ter lido nada deles.
Mas sempre os leitores mais experientes atacavam "Você ainda não leu nada dos quadrinhos, as melhores histórias são da DC. 'Monstro do Pântano', 'Sandman', 'V de Vingança' e principalmente 'Watchmen', que é a melhor história de quadrinhos já feita. Mas como ousavam dizer isso? E todas aquelas histórias brilhantes do Aranha Ultimate, ao qual eu tinha vendido boa parte dos meus bens para colecionar? Como ousavam dizer isso?!
Fui a casa do meu tio, grande colecionador de quadrinhos, desde dos anos 80, eu acho. Só que tem um detalhe, sua coleção de mais de 5000 mensais, era 99% de quadrinhos da Marvel. Lhe questionei sobre essa obra 'que a concorrência ficava exibindo', e ele disse 'Nunca li, mas é uma das poucas coisas sem ser da Marvel que tenho', enquanto apontava para 12 edições impressas pela extinta Abril. Peguei aquilo com um tanto de rancor e nojo. Folheei. Tentei ler, e não consegui. Houveram vários incômodos. Olhava e pensava no excesso de texto, de não ter ninguém musculoso fantasiado se espancando, demonstrações a lá DBZ de poderes. Nada disso. E nem mesmo li. Joguei aquilo longe como se fosse uma revista Caras.
Meses depois, paro para ver o filme. Sim, era o ano de 2009. 'Já que não tenho paciência para ler essa porcaria, vou ao menos ver o filme', e ai, caro leitor, começaram o choque de realidades e crenças. Aquilo era totalmente o oposto do que eu havia conhecido em todas leituras que tinha feito na vida, até mesmo divergia dos filmes que eu costumava assistir. Primeiro de tudo, uma vítima no começo do enredo: 'O Comediante', até ali, um 'super-herói', alguém que deveria motivar seus amigos heróis a ir em busca de justiça, mas que heróis? Que justiça? Porque em 20 minutos de projeção, em sua cena do enterro ao som de 'Sound of Silence', quem parecia ser a maior vítima da história já era revelado como um cínico, estuprador, sádico, alguém capaz de atirar numa grávida portando seu próprio filho. Uma total reviravolta nos meus conceitos, não haviam vilões para culpar, o que me levava a crer que quem tivesse cometido o assassinato fosse um real herói, dada a figura, mas não anulava a curiosidade de chegar em 'quem matou o Comediante', afinal, como uma mente ainda muito vulgar, eu ainda estava preso em contos cujo 'mistério de assassinato' chegava a ser o mote principal, porém mal estava preparado para aquela história, cujo assassinato de um patife, era apenas meio passo de uma complexa conspiração e crítica, a quase tudo que conhecemos.
Terminada a projeção, eu não me encarava mais da mesma forma, era tudo um comparativo, Watchmen era como o 'cristal' do Walter White, algo puro e viciante, que não se consegue encontrar superior, na tentativa de achar algo que passse perto fui para a excelente Vertigo, depois DC, Marvel Max, fanzines, e claro, Marvel. Já encontrei materiais que rivalizassem, mas nada até hoje tirou Watchmen do topo de todas as minhas leituras. Eu poderia ficar o resto da madrugada falando sobre dezenas de filmes e quadrinhos que se inspiraram nessa obra, sobre as centenas de referências que não conseguimos captar em 5 ou 10 leituras, ou mesmo, como esse universo vai se aumentando e se tornando mais rico após cada releitura e discursão. A força da obra é tão forte, que acredito que até mesmo o 'grande mago Moore' consegue se perder lendo, apesar disso ser algo que ele nunca admitiria..."
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