Tem um momento em que a gente percebe que deixou de ser o centro da história. Não é quando alguém vai embora, é antes disso. É quando você ainda está ali, mas ninguém mais te vê direito. Você fala e as pessoas escutam por educação, manda mensagem e elas respondem quando sobra tempo. É o tipo de ausência que acontece enquanto você ainda está presente. E o mais curioso é que quase ninguém nota o instante exato em que isso acontece, nem mesmo você. Um dia, simplesmente percebe que virou o coadjuvante da própria vida, e tenta entender quando foi que "a câmera parou de te seguir".
Esse deslocamento é silencioso.
Às vezes começa quando o grupo de amigos cria um novo assunto e você já não entende as piadas. Ou quando a pessoa que sempre te procurava para contar as novidades passa a te mandar só stories. Você ainda faz parte da lista de contatos, mas perdeu o “favorito”. A vida segue, e você se torna o que sobra no feed: alguém que observa o movimento dos outros sem saber mais como entrar na conversa. É um tipo de apagamento que não vem com briga, só com indiferença.
E
a indiferença, diferente da raiva, não dá material pra resposta. Só o vazio de
saber que não é mais lembrado.
O segundo plano é traiçoeiro porque ele se disfarça de paz. As pessoas dizem que é bom ser discreto, que é bonito deixar o outro brilhar. E é, quando é escolha. Mas quando é consequência, dói. Dói ver alguém que você puxava pra cima agora nem lembrar do seu nome. Dói perceber que, pra muita gente, você era companhia de transição, o ombro provisório, o meio de campo até elas encontrarem alguém “definitivo”. E dói ainda mais quando você começa a aceitar que talvez nunca volte a ser essencial para ninguém.
A vida continua, e você se convence de que o desapego é
sinal de evolução, quando, no fundo, está apenas se acostumando a ser ignorado.
Tem dias em que eu tento me
convencer de que isso é maturidade. Que talvez a vida seja mesmo um grande
revezamento de presenças. Que a importância que a gente tem é sempre
temporária, como as luzes de um palco que precisam apagar para outra cena
começar. Mas há uma diferença entre compreender e se conformar. A linha é fina. E muitas vezes a gente
atravessa sem perceber, chamando de “crescimento” o que, na verdade, é
desistência.
Às vezes eu lembro de momentos em
que fui o primeiro plano de alguém. Quando mandavam mensagem só pra contar
besteira, quando esperavam minha opinião sobre um texto, quando eu ainda era o
“vem cá” e não o “depois a gente se fala”. Nessas horas, dá vontade de escrever
de novo pra essas pessoas, mas aí vem o peso da dúvida: será que eu quero
conversar ou só quero provar que ainda existo pra elas? Essa é a parte mais
cruel: perceber que às vezes a saudade é menos sobre o outro e mais sobre o
reflexo de quem você era quando ainda era visto.
Talvez o segundo plano sirva pra ensinar a diferença entre ser lembrado e ser importante.
A lembrança é fácil, basta uma notificação.
A importância exige constância, exige espaço, exige
reciprocidade. O segundo plano é um purgatório emocional, um lugar onde a gente
aprende a lidar com a ausência sem o conforto do esquecimento. Você ainda
sente, ainda espera, mas com um tipo de sobriedade que não embriaga mais. E de
algum modo, essa sobriedade é o que te salva.
Hoje eu tento olhar pra isso com mais leveza. Tento enxergar o segundo plano como um ponto de observação, um lugar onde posso ver as histórias dos outros sem a obrigação de participar de todas. É onde eu escuto o mundo e tento entender o que ainda me toca.
Ser
coadjuvante também tem dignidade. Porque o que realmente fere não é sair do
centro, é perder o enredo. Enquanto eu ainda tiver algo pra dizer, algo pra
sentir, algo pra escrever, ainda há história.
E talvez seja esse o desafio:
continuar escrevendo a própria história mesmo quando ninguém mais está
assistindo. Continuar existindo de forma inteira, mesmo quando o mundo só te vê
pela metade. O segundo plano pode ser o lugar onde você se perde, mas também
pode ser o lugar onde você volta a se enxergar. E talvez seja ali, entre o
silêncio e o eco, que a gente finalmente entenda que nem toda ausência é perda:
às vezes é espaço.
