A Arte De Odiar Discretamente

 


Estive ausente. Não por falta de assunto, mas por excesso de lucidez. Às vezes, o silêncio é uma forma de resistência — ou só uma maneira de preservar a própria sanidade em meio ao ruído. Mas o que me surpreendeu (e sim, agradeço de verdade) foi ver que mesmo enquanto eu não escrevia, vocês continuaram presentes: comentando, sugerindo, implicando, revirando as entrelinhas dos textos antigos como quem folheia cartas esquecidas com o nome de alguém que ainda importa. Obrigada a todos que escreveram, mesmo os que não assinaram. Vocês sustentaram essa casa na minha ausência melhor do que muita gente que mora aqui.

Agora, vamos ao que interessa: o ódio.

I. O ÓDIO É UM DOMESTICADO

A maioria das pessoas odeia mal. O ódio delas é grosseiro, impulsivo, feito de xingamento em caixa alta, unfollow impulsivo e frases de efeito que dariam vergonha até num story do Instagram. Mas o verdadeiro ódio, aquele que marca, não grita — ele molda. Ele se infiltra na forma como você muda de calçada, no tom de voz que você usa quando precisa falar com quem despreza, nas vírgulas que você decide não colocar quando escreve um texto que sabe que a pessoa vai ler.

Odiar discretamente não é covardia, é refinamento. O ódio explícito é vulgar — parece adolescente tentando parecer adulto. Já o ódio bem cultivado é silencioso, mas onipresente. Ele não precisa aparecer; basta que ele seja sentido. E quem o sente, sempre sabe. Odiar discretamente é dominar a narrativa sem nem parecer que está nela.

II. MANEIRAS DE ODIAR SEM ENTREGAR

Odiar discretamente é saber fazer silêncio nos momentos certos. É não curtir mais as fotos daquela pessoa — mas continuar seguindo, pra que ela perceba a ausência do engajamento e se questione. É parar de rir das piadas dela. É elogiar o amigo em comum que ela detesta, só pra lembrar que sua presença não é mais confortável. É responder com um "entendo" quando a vontade é dizer "que ridículo". É não desejar o mal, mas ficar em paz quando ele acontecer.

Existe também a modalidade artística do ódio disfarçado de elogio. “Admiro sua coragem de postar isso.” “Você sempre se veste de forma tão… autêntica.” “Achei que fosse só eu que pensava assim… mas você conseguiu deixar ainda mais confuso.” Não é sarcasmo puro. É veneno homeopático. Não mata na hora, mas enfraquece o ego até que ele se desfaça em dúvidas.

E por favor: parar de falar com alguém não é odiar discretamente. Isso é só fuga. O ódio sutil não é ausência — ele é presença disfarçada. Ele permanece. Ele recusa o esquecimento. Ele é estratégico.

III. QUEM SÃO OS MELHORES NESSE JOGO?

Mulheres mais velhas. Elas odeiam como quem serve chá. O tom de voz não muda, o olhar não altera, mas você sai da conversa se sentindo menor. Homens discretamente cruéis também existem, mas costumam cair na armadilha da soberba — deixam pistas demais, precisam parecer superiores. O bom ódio não precisa provar nada.

Os introvertidos são bons nisso. Quem aprendeu a observar antes de reagir, geralmente descobre formas de devolver tudo que recebeu, sem levantar suspeitas. Odiar discretamente exige timing, memória e frieza. Ou seja: é um talento raro. Os que querem ser amados demais nunca aprendem.

IV. O PRAZER DE ODIAR SEM TEATRO

O maior prazer em odiar discretamente é saber que você tirou algo da outra pessoa… sem nem precisar tocá-la. O espaço que ela queria ocupar, você preenche com outra coisa. O assunto que ela esperava que rendesse, você encerra com indiferença. A admiração que ela tentava forçar, você troca por um silêncio que ela não sabe interpretar.

É você dizer “tudo certo por aqui” e ver no rosto dela a dúvida: será que está mesmo?

É deixar de explicar. É parar de tentar parecer boa pessoa. É aceitar que algumas coisas não se consertam — e não se punem — se ignorando. Se punem com convivência fria, com presença calculada, com palavras que não ferem, mas nunca curam.

V. E POR FIM, O LUXO DE NEM ODIAR MAIS

A arte de odiar discretamente também inclui o direito de, um dia, não precisar mais. Quando o desprezo vira desinteresse. Quando o nome da pessoa surge em algum lugar e você não sente mais nada. Mas isso não é perdão. É evolução.

Odiar discretamente é só uma fase. Uma ponte entre o “eu ainda me importo demais” e o “não tenho mais espaço para você na minha história”. Mas enquanto a ponte não termina, que ela seja bonita. Bem arquitetada. Elegante, como todo bom veneno.

Escrevi este texto por cansaço — mas não do ódio em si. Do cansaço de vê-lo mal usado. Desperdiçado em surtos digitais, em indiretas mal escritas, em brigas que acabam parecendo flertes mal resolvidos. Odiar discretamente não é sobre guardar rancor, é sobre guardar postura. E talvez, só talvez, seja também sobre saber vencer uma guerra sem precisar que o inimigo saiba que perdeu.



E você? Já odiou alguém em silêncio e sentiu prazer nisso? Já foi odiado por alguém que só parou de sorrir no meio de uma conversa? Quero saber as histórias que você não contou pra ninguém. Pode deixar nos comentários… ou escrever de um jeito tão sutil que só quem merece vai entender.