Texto da tag "Escritor Convidado", escrito por: Vagner Francisco
Publicado originalmente AQUI.
Em um determinado momento de Watchmen, a série, Dr. Manhattan está
desaparecido desde que decidiu viver em Marte.
E há um clima de metáfora como se ele fosse Deus e as pessoas o buscavam através de telefones parecidos com orelhões, instalados em cidades dos EUA - e do mundo.
A metáfora se completa porque parece absurdo usar um telefone para
entrar em contato com um ser sobrenatural que supostamente está em Marte, tanto
quanto ir a uma Igreja e orar a um Deus saído de um livro antigo.
Porém, a ideia genial escapa pelos dedos de seus roteiristas como
areia, assim que se revela que o homem mais poderoso do mundo não está em
Marte, mas na Terra; e vivendo como um ser humano qualquer. E eles irão
matá-lo, roubar seus poderes e fazer aquilo que ele não o fez: consertar a
mundo.
Parece legal, não? Parece. Mas daí para frente é morro abaixo e a
trama se descarrila.
Mas voltemos.
Watchmen é uma série em 9 episódios, produzida pela Warner/HBO que
se passa 30 anos após os eventos da graphic novel produzida por Alan Moore e
Dave Gibbons. Na verdade, são mais de trinta.
E ao invés de se passar na Nova York original da história, a
sequência - que seu criador, Damon Lindelof chama de remix - vai para Tulsa,
Ocklahoma, e insere racismo à trama. Obviamente que é um tema delicado, mas bem
explorado pelo roteiro até competente, enquanto original, de Lindelof e sua
turma.
O problema é: o que é original ali?
Por exemplo, o primeiro "heroi mascarado" a surgir no
universo de Watchmen chama-se Justiça Encapuzada. Ele aparece na série. Porém,
Lindelof não se dá por satisfeito com o que Moore contou e decide por si mesmo
criar uma origem "melhor" para o personagem. Só que nós já vimos algo
parecido em Isaiah Bradley, o primeiro Capitão América antes de Steve Rogers o
ser.
Plágio descarado.
Bem, Watchmen 2 gira em torno de Angela Abar, uma ex-policial, que
se torna a super-heroína, Sister Night. Ela faz parte de uma equipe de herois,
que mais parecem policiais fantasiados - um deles se diz comunista até - e há
um cover de Rorscharch, chamado Looking Glass.
Eles batem em bandidos e perseguem um grupo de supremacistas
brancos, chamados Rorscharchs, ou Sétima Kavalaria. Ou KKK mesmo - Ku Klux Klan.
As coisas se complicam quando o xerife aparece enforcado numa
árvore e um homem negro que diz ter 100 anos confessa ser ele o autor.
A trama se enrola mais porque o homem, além de idoso, é cadeirante.
Fica difícil de acreditar que ele teria feito todo aquele estrago.
De qualquer maneira, o FBI acaba se envolvendo e um senador manda
Laurie Blake liderar a missão. Laurie é ninguém menos que a Spectral, filha do
Comediante - e talvez seja a melhor coisa da série.
Laurie é perspicaz, tem dedo nervoso e gosta de uma confusão; é
intrépida, debochada.
Interpretada por uma Jean Smart inspirada, a personagem eleva a
qualidade da série quando entra em cena.
Já Angela Abar de Regina King sofre com o peso do protagonismo do
personagem mal desenvolvido; ela é policial porque seu pai foi policial, assim
como seu avô - que ela sequer conheceu. Ela está sempre num misto de
perplexidade com "o que estou fazendo aqui?", ou seja, a mesma reação
sempre.
Há, claro, o retorno de Adrian Veidt, o Ozymandias, na pele de
Jeremy Irons, que se fosse concebido do jeito certo, roubaria a cena com
facilidade.
Mas, são outros tempos desde 1985, e os homens de hoje em dia
precisam ser desconstruídos. E o velho Ozzy precisa ser mais desconstruído que
todos eles juntos. E, sinceramente, eu não via um personagem ser tão mutilado
desde--- desde a forma que o Blanka foi criado à base de ki-suco de morango, no
famigerado Street Fighter estrelado por Van Damme.
O final então é para pegar uma marreta e mandar na TV.
Por falar em homens desconstruídos, temos um Rorscharch cover, que
tem medo de mulher; parece absurdo, ridículo até; mas é a pura verdade: de
repente uma atriz de Ray Donovan entra em cena na série e você imagina várias
coisas. Posso dizer que não vão a lugar algum, porque a participação é aquela
lá mesmo.
Não preciso lhe dizer que o homem hetero não sai vivo e se mandar
um discurso machista, morre da pior forma possível. Além disso, o que pode ser
mais inteligente que o homem mais inteligente do mundo? Faça suas apostas.
Outra pergunta: o homem mais inteligente do mundo pode deixar de
ser? Digamos, como se fosse um autor de quadrinhos? Ele lança um Watchmen, que
é o supra-sumo da cultura pop e nunca mais acerta? É possível isso?
E quanto ao Dr. Manhattan? Essa queda de genialiade também pode
afetar o homem mais poderoso do mundo?
Porque é preciso ser muito burro para tomar certas decisões que
aparecem em cena.
Enfim, a história é novamente subvertida, assim como vimos em
Matrix 4, assim como aconteceu com o Mestres do Universo da Teela; é preciso
que as mulheres liderem.
E sendo bem franco, Laurie Blake consegue fazer isso muito bem.
O problema é que Angela Abar não. Porque falta desenvolvimento à
personagem; sua história vai bem até certo ponto. Quando ela entrega o
terrorista que matou seus pais à polícia. Mas é só.
Nada mais faz sentido.
Mais interessante que tudo isso, foi ler a entrevista com Alan
Moore quando lhe é perguntado o que ele achou da série:
"Quando vi os prêmios da indústria da televisão que o
programa de televisão 'Watchmen' aparentemente ganhou, pensei: 'Oh, Deus,
talvez uma grande parte do público, isso é o que eles acham que 'Watchmen'
era?'" Moore disse sobre a desconexão entre o conteúdo e sua recepção.
"Eles acham que era uma franquia de super-heróis sombria, corajosa e
distópica que tinha algo a ver com o supremacismo branco. Eles não entenderam
'Watchmen'?"
Moore explicou que "Watchmen" é uma "crítica do
gênero de super-heróis", juntamente com "Marvelman" (também
conhecido como "Miracleman").
"Eles estavam tentando mostrar que qualquer tentativa de
realizar essas figuras em qualquer tipo de contexto realista sempre será
grotesca e de pesadelo. Mas essa não parece ser a mensagem que as pessoas
tiraram disso", disse Moore. "Eles pareciam pensar, sim, super-heróis
sombrios e deprimentes são, tipo, legais."
E para dar um molho maior, Watchmen 2 não é uma sequência do filme
de Zack Snyder, de 2009, e sim da graphic novel em 12 edições. A maior
diferença nas obras está em seu final: na HQ, há uma suposta invasão de uma
lula gigante enquanto no filme, o responsável pelo clímax é Dr. Manhattan.
Possivelmente, após ter assistido à série, Snyder reconhece que
poderia mudar o final se filmasse hoje - na época ele disse que seu final era
mais elegante:
"A propósito, eu amo 'Watchmen' - o filme. Não me arrependo.
Eu amo esse filme 100%. É exatamente o que eu queria. E, de certa forma, acho
que há uma ótima aula universitária que alguém poderia ensinar sobre a
diferença entre o Doutor Manhattan e a lula. E por que teríamos escolhido o
Doutor Manhattan e como tematicamente isso funciona no que se refere ao clímax
desse livro. Mas eu também diria que, com base em fazer o filme que acabei de
fazer, 'Liga da Justiça', eu poderia considerá-lo."
Enfim, com lula ou sem lula, o melhor ainda é a HQ.
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