Duas semanas finais de aula. Finais, não : terminais. O negócio, agora, é fechar a conta e passar a régua - e a jumentada toda, é claro. Não há mais o que fazer - nunca houve, na verdade. É cumprir tabela e fingir - mais ainda (nem o poeta finge tão completamente) - que estamos a lecionar.
Conteúdo? Esqueçam! Nesse rescaldo de fim de ano, nesse fim de feira, nessa xepa letiva, até eu deixo a meninada à vontade em sala de aula. Deixo meus gizes, apagador e chicote de domador no armário e adentro a sala até com um semissorriso nos lábios. Sento-me, faço a chamada e deixo que eles ponham os seus cadernos em dia, para vistos a valer nota, lhes digo. Porra nenhuma.Todas as minhas notas já estão fechadas e digitadas. Digo que ainda não para que eles se ocupem de algo, pensem que estão a estudar, a recuperar o ano e, principalmente, para que me deixem em paz. E eu fico sentado, sossegado, esperando a hora passar, calado - o que dá exatamente na mesma do que eu falar por duas horas sobre genética, citologia etc.
Estava eu, então, ontem, nesse cenário descrito, aproveitando para adiantar a minha leitura de "Do amor e outros demônios", do Gabriel García Márquez, quando alguém bateu à minha inviolável porta. Abri. Tomei um ligeiro susto. Era a professora de geografia. Baranguíssima. Uma autêntica espanta-caralho. Esquerdista, feminista empoderada. Solteirona encalhada, é claro. Usava uma máscara anti-peste chinesa - é a única pessoa no planeta que ainda a mantém.
Pediu-me para dar um recado e recrutou seis alunas para que a acompanhassem e recebessem o kit feminino íntimo. Alunas que quisessem participar da ação de cidadania, ninguém era obrigado a. Que, depois da LDB paulocanalhafreirista e do ECA, o aluno pode escolher fazer o que bem entender na escola, inclusive, e principalmente, optar por estudar ou não. Meia dúzia de voluntárias a seguiu para receber o tal kit íntimo. Tentei não pensar sobre, tentei fingir demência sobre o assunto, sedar minha curiosidade, sublimei a questão.
Porém, como todos os que me conhecem sabem, o Universo não me dá folga. Logo, bateu o sinal para a troca de aulas. Sobre o sinal da escola, um breve particular : não é aquela sirene com que a maioria de nós está familiarizado. A cada 45 minutos, nos alto-falantes instalados em cada sala de aula, toca o trecho de uma música, de um repertório que é renovado diariamente, quem faz a programação musical, ou a playlist, como se diz hoje em dia, eu ainda não consegui descobrir, mas deve ser parente ou, no mínimo, estar a mando do cramulhão. Chico Buarque, Tom Jobim, Toquinho e Vínicius, Legião Urbana, a fazer valer a função educadora da escola? O caralho! Toca é sertanejo universitário. Nessas horas, sinto uma puta duma saudade da boa e velha sirene, muito mais afinada e melodiosa que a maioria dessa turma. Fim do particular.
Bem, soou o sinal para a troca de aulas e eu me dirigi para um outro bloco de salas, ou para o outro pavilhão, se assim preferirem a bem da verdade. No corredor que interliga os dois pavilhões, uma aglomeração feminina em frente ao gabinete da vice-diretora, uma algazarra de espantar maritacas. Ali estava a ser distribuído o kit íntimo feminino. Passei pela aglomeração e vi o que preferiria não ter visto - quem disse que temos livre-arbítrio?
Uma a uma, as alunas entravam na sala da vice e recebiam das mãos dela, com todas as pompas e circunstâncias, uma sacolinha cor-de-rosa com um conjunto de absorventes íntimos e sabe-se lá mais o quê. A cada entrega de kit, uma inspetora fotografava a felizarda aluna abraçada à vice-diretora e à citada professora de geografia.
Não sei, não quero saber e muito menos ver, mas tenho certeza de que a vice e a professora postaram as fotos em seus facebooks, instagrams, tinders e badoos com as seguintes legendas: "Cidadania", "Conscientização", "Empoderamento", "Igualdade menstrual", "Quem matou Mariele" etc etc. E ganharam milhares de views e de curtidas de suas amigas sem um cacete para chamarem de seu.
A distribuição gratuita de absorventes faz parte do projeto estadual "Programa de Dignidade Íntima". A iniciativa, na qual já foram gastos mais de 30 milhões de nossos suados impostos, tem o nobre objetivo de "combater a pobreza menstrual e seu impacto na educação, sobretudo na evasão escolar. Os produtos são disponibilizados em todas as unidades escolares da rede estadual para quaisquer alunas que precisarem, com destaque para aquelas em situação de vulnerabilidade".
Sobre o programa, o ex-secretário da educação Rossieli Soares, disse : "O recurso que é disponibilizado através do programa Dignidade Íntima é exclusivo para a aquisição dos itens de higiene menstrual das nossas estudantes. Não podemos, no ano de 2021, aceitar que meninas faltem à escola porque estão menstruadas e não têm condições econômicas para comprar absorvente”.
Ô, tadinhas... ô povinho sofrido e oprimido, esse nosso. Dinheiro para celulares de última geração, todas elas têm. Para comprar modess, não? E cunharam um novo termo : pobreza menstrual. Para mim, pobreza menstrual é a mulher que entrou na menopausa.
Em unidades escolares de ensino fundamental I, cujas alunas ainda não menstruam, o material é distribuído entres as digníssimas genitoras das apedeutas. Uma das autoras do projeto, explica : "Nossa ideia é dar continuidade neste tipo de ação, para ajudar não só as estudantes que precisam, mas também, quando possível, suas mães e responsáveis. Esse é um programa muito válido, que volta a atenção para a saúde da mulher. Isso é também papel da escola, e tem que partir dela”.
Agora, desgraçou de vez. O aluno já recebe tudo de mão beijada. Ganha desde o lápis, passando pelos cadernos (todos de capa dura), até os livros didáticos, material que não sairia por menos de dois, três mil reais se comprados em uma livraria ou papelaria. Tudo de graça. E não usam. Muitas vezes, jogam fora. Eu tenho em casa duas garrafas de água mineral de 500 ml cheias de canetas que recolhi do chão das salas de aulas, corredores e pátio da escola. Tenho uns 10 cadernos universitários de 200 folhas novinhos guardados no armário, todos achados no chão das salas, abandonados sem nome embaixo das carteiras e até nas lixeiras da escola. E se amanhã ou depois, o aluno resolver anotar alguma coisa da aula e se der conta de que perdeu o caderno e a caneta, não há problema : ele se dirige à inspetoria e, sem nenhum tipo de controle ou perguntas, recebe um novo material. Ganham também passe livre no transporte público. Só lhes falta a vontade de estudar e vergonha na cara. Mas esses, infelizmente, são artigos que não se pode dar a ninguém. Nasce-se com eles, ou não.
E agora, até tapa-racha, eles e suas mães irão ganhar na faixa! Pãããããta que o pariu!!! Até zelar pela buceta da família virou função da escola!!!
Comentei depois, no intervalo, o tal descalabro com um professor. Esqueci-me, no entanto, que era um de "humanas", de História (pra boi dormir). Para me responder, estufou o peito, empavonou-se todo (já repararam como o povinho da esquerda se estufa feito um baiacu e assume voz de palanque sempre que vai falar?) e discursou que era uma necessária política de saúde pública, pois muitas não tem condições de comprar absorventes. Foi por ele que fiquei sabendo da existência do termo "pobreza menstrual". Um expert em bucetas carentes, o cara. Nem retruquei. Falar o quê para um sujeito que começou a trabalhar só depois de formado, perto dos 30 anos, que nunca pegou de verdade no batente?
Problema de saúde pública é o cacete!!! Questão de saúde pública, a exemplo, são os soros positivos para HIV, para os quais não há opções alternativas e caseiras do controle da doença, só os caríssimos fármacos distribuídos pelo sistema público de saúde.
Não tem dinheiro para comprar absorventes? Aprenda a fazer os próprios. E as famosas toalhinhas higiênicas? Tão usadas por nossas avós e até mesmo mães e tias dos que tem mais de cinquenta anos hoje? Minha mãe, hoje com 79 anos, é a segunda de uma família de sete irmãos, quatro dos quais, mulheres. Quando eu, hoje com 55, tinha meus seis, sete anos e muito frequentava a casa de minha avó, sempre via um monte de paninhos a secar no varal. Uma vez perguntei para minha avó o que era aquilo, e ela, sem tirar um olho do peixe e outro do gato, respondeu que eram as toalhinhas das minhas tias. E só. Sem mais explicações. Pensei que eram um tipo de toalha de rosto e ficou por isso mesmo.
Não têm dinheiro para O.B.? Gastou tudo para pagar a cerveja do macho? Voltem às toalhinhas higiênicas.
Hoje em dia, as empoderadas passam o dia nas redes sociais e a ver tutoriais no youtube de como colocar cílios postiços, unhas de gel, de como malhar o bumbum, fortalecer os músculos da xavasca, aprendendo design de sobrancelhas etc. Por que não aprendem a costurar toalhinhas higiênicas? Que, inclusive, são muito mais baratas, ecológicas, biodegradáveis e biodinâmicas que os absorventes industrializados. As toalhinhas higiênicas estão alinhadas com as metas de sustentabilidade do milênio. Um luxo só.
Aliás, ao invés das escolas distribuírem tapa-rachas comerciais, deveriam era ensinar as meninas a confeccionarem suas toalhinhas higiênicas, proporcionar-lhes um curso de corte e costura. Cortar, costurar e chulear um saco de aniagem? Fervê-lo em água com anil, deixá-lo quarar ao sol e lavá-lo a cada uso? As empoderadas? Imaginem... As empoderadas querem é tapa-racha da Johnsson & Johnsson e da Procter & Gamble, de preferência aqueles com um aplicador bem bem grosso e taludo. E, claro, de graça. Que de graça - e me desculpem as putas - é mais gostoso.
É por essas e por milhares de outras que o Brasil está, literalmente, no vermelho. E que voltou a eleger o vermelho. Sangue, quem derrama é só trabalhador.
Assim que as seis alunas despossuídas de numerário para comprarem seus próprios tapa-rachas ajeitaram seus celulares na cintura ou nos bolsos de suas calças compradas nos shoppings não por menos de 300 reais saíram da sala com a professora, uma bichinha muito gente boa, muito da divertida e brincalhona, mas sem nunca ser desrespeitosa para comigo ou qualquer outro professor, perguntou-me : "e aí, gato (ele chama todos os professores de gato), vai ter também kit íntimo para os meninos?"
Sabendo que posso brincar com ele, respondi : - vai sim, Fulano, chega na semana que vem e vai ter uns supositórios de glicerina deste tamanho, ó. E mostrei-lhe meu polegar e meu indicador afastados, delimitando um espaço de uns 15 centímetros.
- Oh, glória!!!, falou a bichinha espirituosa.
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