Tá aí um tema delicado que não tem uma resposta simples, o que eu tenho é: contextos, acho que essa é a palavra. E diante de tantas mudanças, uma que chamou a minha atenção é a da possível série do Constantine protagonizada por um ator nigeriano. Sim, o mesmo Constantine que até hoje boa parte das pessoas, reclama, e com razão, da falta de fidelidade do próprio filme com o Keanu Reeves...
Vamos lá, em primeiro lugar, seria leviano classificar tudo como “lacração” e não passar disso, dando um breve xingamento e fim, só que isso não analisaria nada. Por mais que tentem importar, aqui no Brasil nós nunca tivemos (e espero que não tenhamos nunca) um nível de “separação racial” (embora raça só exista a humana, enfim) como nos Estados Unidos. Aqui a gente cresceu vendo séries como Kenan e Kel, Um Maluco no Pedaço, Todo Mundo Odeia o Chris, entre outras, sem ter essa segregação que tentam impor hoje de “séries só para brancos ou só para negros”. Muita gente do mundo real, que não liga para política ou representatividade até hoje pouco se fode pra isso.
O que nós trás para essa palavra: representatividade. Uma sensação de falsa vitória, e explico, apesar de você aí do outro lado ter todo direito de discordar: quase toda cota é um mero remendo em uma ferida maior. Imagine que você tomou um tiro, e alguém em vez de tirar a bala e costurar, aplica uma atadura. Visualmente, você resolveu o problema, estruturalmente: não. Ao invés de medidas de longo prazo buscando equalizar questões, você entrega uma falsa sensação de mudança, e “samba na cara das inimigas com isso”. Dou o próprio exemplo em relação a “faculdades públicas”: você não entrega um bom ensino público no básico e no ensino médio, mas dá essa facilitada para que o jovem pule para a faculdade, o tratando como um incapaz, e o mesmo acha que venceu. E eu já fui um desses, acredite. Entrei numa faculdade federal para fazer Ciências Sociais tendo o ensino médio incompleto (na época, eu estava no 2º ano, com 18 anos) com uma ridícula nota geral no ENEM de 542, preenchendo as cotas de baixa renda e aluno de escola pública. Seis meses depois, eu desisti, e nunca mais voltei. Reconheci que sim, as circunstâncias poderiam estar contra mim, mas eu não me esforcei, e estava tendo a minha indolência recompensada, enquanto eu olhava a minha volta e via familiares e amigos, que sim, poderiam ter uma condição financeira muito melhor que a minha e terem feito o ensino médio em escolas particulares, mas eles estudavam, e se esforçavam, e entraram nos cursos “na raça” com nota de corte superior a 700. Cabe a você tomar sua responsabilidade individual, ou só erguer as mãos para o alto para que algum grupo político diga tudo o que você é, já foi, e será.
Para a galera do ódio do bem, só pode mudar a etnia se for um personagem branco. |
Voltando a mudança de etnias: não sou cego, eu vejo que quase todos os protagonistas de quadrinhos são brancos. Eu sei que toda adaptação é um “universo Ultimate” da vida, os personagens podem se reescritos, só que o que me incomoda no todo é o dois pesos e duas medidas que muito dessa galera “woke” usa. Vivem falando que tudo na cultura foi “embranquecido”, “etnocentrismo” (o que no caso do Brasil, ei concordo em alguns pontos) o famoso “whitewashing”, um termo que por si só já vejo como racista, mas as pessoas “normalizaram” e qual a solução deles? É fazer a mesma coisa, só que mudando a cor. Beira o patológico. Aí vamos para os exemplos batidos das pessoas perguntando como seria ter um Spawn loiro e coisas do tipo, se a “reimaginação” seria tão bem aceita no coração de todos esses que “não ligam para a etnia, só querem uma boa história”.
A maneira que eu, e acredito que a maioria, leva as mudanças conforme o apego e o conhecimento do personagem. Cito por exemplo o Nick Fury. Eu não cresci com o tradicional, já vim o conhecer depois do Ultimate. Só que a versão do Mark Millar vai muito além de “mudar pra chocar”, ele basicamente entrega um novo personagem, muito mais condizente com aquele contexto dos Supremos ser uma máquina militar, precisando ter um coronel muito mais manipulador e sagaz do que a versão mais tradicional, que havia lutado na Segunda Guerra, e inspirado em um ator querido pela maioria das pessoas, o Samuel L. Jackson. Millar surge para reinterpretar aquele universo, só que querendo contar uma boa história, ele não usa ela como uma mera desculpa para militância política, e não faz do personagem uma bandeira contra seja lá qual for o inimigo da vez.
Acho até desonesto pessoas que vem com “ah, mas em adaptações de livros, isso acontece direto”. E nesse caso, também não me importo, Eu gosto da reinterpretação do Aquiles na série da “Guerra de Tróia”, personagens míticos, ou mesmo de livros, não tem uma aparência tão bem definida, e são muito mais aberto a reinterpretações, é o contrário de um quadrinho, principalmente de algum personagem mais famoso, onde todo o visual dele tá envolto na sua iconografia, como o caso do próprio Constantine.
Aí vemos escritores como o Neil Gaiman, defendendo todas as mudanças com os personagens que ele criou. Mas vamos tirar o elefante da sala: Por que o próprio Gaiman, não criou o Sonho e a Morte, sem serem brancos? Ainda mais sendo reinterpretações de mitos? O que o impediu? Será que só eu vejo uma aderência mais por comodidade política do que por real interesse em uma causa?
“Ain, Ozy, mas ali eram décadas atrás. É injusto você cobrar isso hoje!”
Ok, então pense nas
últimas “grandes histórias” do mainstream, dos últimos anos para cá. O que
impediu o canalha oportunista que expulsou a criadora de Uncharted da empresa
Neil Druckman de criar Joel ou Ellie negros em The Last of Us? Entende o que eu
quero dizer? Pois é... E é um game com muito mais alcance do que qualquer
quadrinho aqui citado, e que vai virar série.
Reclamem do Brian M. Bendis o quanto quiserem, mas nos quadrinhos ele foi lá e criou novos personagens. Alguns bons, outros não. Mas ele deu a cara a tapa, e não precisou de nenhum movimento político, apenas da sua consciência e vontade de diversificar mais suas histórias. E o mais importante: ele soube resgatar personagens excelentes como o Luke Cage, lhe dando protagonismo e sem ficar preso em estereótipos, escrevendo com a mesma riqueza de camadas com que escreveria um Homem-Aranha ou um Demolidor.
Falo isso porque parece que para boa parte dos autores, existe uma dificuldade em criar personagens que sejam negros, mas sejam iguais a todo mundo, que sejam mais do que o ciclo “gueto, crime e vítima de racismo”, é como se houvesse uma barreira. Ao mudar a etnia de uma forma tão flagrante, acho que a maior mensagem que isso me passa é: não conseguimos –ou não queremos - criar um personagem tão bom quanto o Constantine, então vamos pegá-lo. Não queremos equalizar nada, criando novas histórias, novos universos, novos núcleos. Vamos lhe dar essa atadura e sermos agradecidos por isso.
Enfim, não vim aqui impor verdades a ninguém. Só expressar minha opinião de leitor de quadrinhos, concorde ou discorde aí nos comentários. E seguimos.
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