Durante uma semana, todos os problemas sérios do Brasil e do mundo tiveram que esperar um pouco, porque o brasileiro precisa rir do absurdo, e acho isso uma qualidade. Uma cena corriqueira de filmes pornôs de baixo orçamento transcrita para a vida: uma madame boazuda, casada com um “bombadão de academia” fazendo sexo com um mendigo. A imagem pipocava e atiçava teorias: o corno furioso batendo no carro de sua esposa, que dentro dele “levava ferro” do Sr. Givaldo... Imagino a tensão do momento, arriscar e abrir a porta, podendo levar um tiro? Ser espancado? E se a dona para não se complicar, disser que foi um estupro? Das três, a menos pior foi a segunda, levando a essa foto.
Em depoimento a polícia, a vítima (?!) disse que o sexo fora consensual, áudios foram vazados no qual Sandra Mara, de 33 anos, assídua frequentadora de uma igreja evangélica basicamente dizia que o ato havia partido de uma unção percebida por ela, tornando tudo mais surreal e fértil para memes. Eu nem costumo usar a palavra “negacionista”, pelo uso paupérrimo que é feito dela de 2020 para cá, mas não sei qual outra usar para descrever o marido traído.
Ninguém tem culpa de ser corno, embora na nossa sociedade isso seja sempre motivo de chacota, com quem levou os chifres sendo desmoralizado ao contraste do ovação com quem os colocou. Sofrer uma traição no casamento é duro, ter sua vida exposta por tabloides e perder sua paz. A isso, dou minha solidariedade. Mas a partir do momento em que você começa a negar a realidade, e com a sua própria mulher dizendo que fez o sexo por pura vontade, e você camuflar isso vendendo o caso como um abuso sexual – tirando o foco, como qualquer denunciação caluniosa, do crime real – eu de fato não consigo ver mais como uma vítima, e sim como um ser sem amor próprio incapaz de lidar com duras consequências e seguir o próprio caminho. “Meu casamento segue firme e forte”, disse o maridão após internar a esposa em uma clínica, em uma entrevista ao Leo Dias – heh – no canal Metropoles.
Aqui vale abrir um parêntese de que a população leva tanto a sério o “jornalismo sério da grande mídia” que demais vídeos do canal sobre política nem batem mil views, em contraste com os milhões conseguidos por esse furo –epa- jornalístico, completando finalmente com a entrevista do mendigo, agora fora do hospital, embora ainda visivelmente marcado.
É aqui que a maioria foi tomada de assalto. Contrariando o estereotipo do mendigo cachaceiro tropeçando nas palavras, Givaldo Alves, com 48 anos aparentemente muito bem vividos narra com certa erudição e poesia sua versão dos fatos, mesmo que descambando para o pornográfico explicito nas descrições, e diga-se de passagem, o povo adora isso. No começo, faz uma autocrítica sobre toda a situação do mundo com a pandemia e uma possível Terceira Guerra Mundial. Depois, descreve como foi seduzido, e no alto da sua humildade em dizer que não poderia bancar a princesa, foi convidado por ela a entrar em seu automóvel e o resto do começo do texto. Talvez isso bata com os preconceitos de muita gente, que nunca pensa que a pessoa que está numa condição de morador de rua não nasceu ali, teve toda uma vida pregressa, com casamento, filhos, empregos, estudos. Tanto que esse foi um dos maiores alvos das piadas, sobre o quanto os homens gastam boa parte da vida para ganhar muita grana e tempo na academia para atrair mulheres, para que elas simplesmente deem uma chance ao excluído e sem atrativos.
Givaldo agradece todo o apoio humanitário que recebeu, não se arrepende, eis aqui algumas das suas melhores citações:
“Sou um amante das mulheres, tenho certeza que delas viemos, para elas vivemos, com elas sofremos e depois morremos. Se for ruim com elas, vai ser muito pior (sem elas). No caso dela, foi maravilhoso. Só que a dor é uma coisa que só me faz ponderar, porque uma coisa está associada à outra: a dor ao prazer. Quero dar os parabéns, você é uma mulher que faria qualquer homem amante das mulheres feliz. Só não faça essa loucura de parar as pessoas, porque o sofrimento que me causa, vai me deixar sozinho para sempre. “
“Eu recebi uma sessão de socos tão violenta — conta. — O ar esfumaçado já tinha se esvaído quando eu abri a porta. Quando ele abriu a outra porta, eu só vi mãos. Nossos punhos se encontraram, uma sequência de vai e volta, vai e volta, nenhum perdido ao léu."
“Eu quero agradecer demais, demais mesmo ao serviço humanitário social, o nosso presidente – o qual eu votei – e deixando bem claro que eu só votei no senhor porque o senhor tomou aquela facada, e por ser um cara do exército eu ponderei, eu estava em um bar, estava lá em Peruíbe e eu ponderei: esse cara se ele não arrumar o Brasil... Por que nós estávamos tendo a coisa da Lava Jato, e eu já estava votando no outro partido há muito tempo – eu nem perguntei se posso falar sobre isso, mas é a minha verdade – então eu votei com muito orgulho e votarei outra vez. Mas acontece que eu quero agradecer aqui o apoio dos governos para com as casas de apoio que cuidam de pessoas igual a mim, que puderam me dar um conselho, que dividimos um pedaço de pão ou um copo de cachaça ou um cigarro às vezes um gole de água.”
"Agora, com tudo isso, você acabou de me tirar dos serviços pesados que eu enfrentava: carga , descarga, cavar buraco — diz, dirigindo-se ao personal trainer. – Mas parabéns para você: você enfiou os pés pelas mãos e pôs a carroça na sua frente. Parabéns, cuide de sua esposa, ela precisa de carinho e cuidado."
"Quando eu ando 50% da dimensão da rodoviária em quadrado, aí eu escuto vozes: "Moço, moço, moço", e aquela voz insistentemente me fez olhar, e quando eu olhei, uma moça lindíssima demais e aí eu olhe para cá, não tinha ninguém. E eu falei "é eu?", gesticulei.
-- Espera aí.
-- Pois não? Posso ajudar em alguma coisa?
(Os audios estão lá, Deus é tão maravilhoso que aquelas câmeras não me fazem viver em cativeiro hoje, apenas nessa coisa toda que foi criada.)
-- Eu quero namorar com você. - Disse ela.
-- Moça, eu sou morador de rua. Só tô meio vestido, como todo mundo.
-- Não, eu quero namorar com você.
-- Moça, eu não tenho dinheiro.
-- Eu não quero dinheiro. - Ela disse. -- Eu quero namorar com você.
-- Moça, você não tá entendo, eu sou um morador de rua e não tenho condições de pagar nem um motel.
Então eu pude ouvir daquela boca doce:
-- Não pode ser no meu carro?
Então eu disse:
-- Bom, aí agora você me calou. Se você nunca calou um homem, você calou agora..."
Brinquei hoje que ele pode tá próximo de uma candidatura na política, e ao que parece já está sendo sondado de acordo com o próprio Metrópoles. Por fim, vale a descrição sem censuras sobre o sexo, já me dizia meu antigo patrão, enquanto eu aos 14 estava cego por uma paixão de adolescente, brigava com tudo e todos achando que estava diante do amor da minha vida: “Pare de correr atrás de mulher, quando a mulher quer ficar com você, não arranja desculpas. Até se você tiver na lama, ela se suja na lama com você.” Sábias palavras, nobre ex-patrão, só agora, outros quatorze anos depois as absorvo melhor...
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