E eis que finalmente estreou um dos filmes mais aguardados do ano, The Batman (ou simplesmente Batman, no Brasil), o qual assisti ontem, a propósito, e venho aqui relatar minhas impressões, se o filme presta ou se é mais uma bobagem pretensiosa. Devo admitir que, até relativamente há pouco tempo, estava com muito descrédito com tudo que era relativo ao filme. Batman é meu herói preferido, mas a verdade é que há filmes demais do personagem. Praticamente, ele é o sustentáculo da DC, o personagem que mais vende, e uma das galinhas de ouro da DC/Warner. Então, quando se fala de outro filme ou franquia do Batman, a gente pensa: “vish, de novo”?
Sem contar que o Batman de Robert Pattinson, dirigido por Matt Reeves, responsável pela trilogia moderna do Planeta dos Macacos, nasce da desgraça do Batman de Ben Affleck, que, apesar de ter sua base de fãs, fracassou comercialmente. Matt Reeves declarou que The Batman era um filme bem pessoal para ele, o que acho uma balela, pois um personagem como Batman é uma importante propriedade intelectual para a DC/Warner, que não permitiria que fizessem o que bem quisessem com ele. Bom, isso é parcialmente verdade. A DC/Warner não tem tido tanto esmero com todas as suas propriedades intelectuais, mas não desejo me deter muito nesse particular.
E,
enfim, o que o Batman de Matt Reeves tem de diferente dos outros? Reeves também
disse que sua versão do Cavaleiro das Trevas é própria e que não cabe
comparação com as anteriores, o que é outra grande bobagem; é impossível não
comparar, simples assim. Creio que a comparação mais imediata é mesmo com a do
Batman de Christopher Nolan, até mesmo pelo aspecto mais sério e realista que
os Batman de ambos têm. O Homem-Morcego de Matt Reeves dialoga, sim, com o de
Nolan, ao menos na minha opinião, mas também faz referência a diretores como
David Fincher, de Seven. A Gotham City de Matt Reeves é noir ao
estilo de Seven, com um clima sempre escuro e chuvoso, uma cidade
obscura, suja e sem esperança. Há algumas poucas cenas de dia que destoam das
demais.
Robert
Pattinson ao meu ver teve uma atuação surpreendente como Bruce Wayne/Batman. Ele
teve o descrédito e a desconfiança de muita gente, sem contar o hate dos
fãs do “Bat-Affleck”, mas conseguiu dar a volta por cima. Está certo que ele falou
um monte de bobagens em entrevistas que contribuíram para deixar uma má
impressão, mas como ator ele realmente se esmera. Óbvio que há o estigma do
vampiro emo que brilha de Crepúsculo, mas, se formos conferir o que
Pattinson fez depois, veremos que ele é sim um bom ator, basta o exemplo de Cosmópolis
e Mapa para as Estrelas, de David Cronenberg, em que Pattinson atua muito
bem, ou O Farol, de Roberts Eggers, no qual há a melhor atuação de
Pattinson, em dueto com Willem Dafoe.
Não posso negar que o Bruce Wayne/Batman de Pattinson tem um quê meio de emo, principalmente por conta das sombras nos olhos, e está sempre taciturno e depressivo. Não há uma real separação entre Bruce e Batman, ao menos neste primeiro filme. Bruce só quer saber de vingança pelo assassinato de seus pais e sai à noite quebrando os bandidos na porrada, sem se interessar em assumir responsabilidades nas Empresas Wayne. Na verdade, Bruce só se refugia na Torre Wayne, e a Mansão Wayne está abandonada. Isso me lembra a fase em que Batman fez da Fundação Wayne sua base de operações, nos quadrinhos dos anos 70. O Batman do Pattinson é meio grunge, ao som de Something In The Way, do Nirvana, bem raivoso.
O enredo de The Batman teve influências principalmente da saga Batman: Ano Zero, que é a origem do Batman nos Novos 52 escrita por Scott Snyder, e Batman Terra Um, uma origem alternativa do Cavaleiro das Trevas escrita por Geoff Johns. O Batman de Pattinson dirige uma moto do mesmo modo que o de Ano Zero, que também circula de moto pela Gotham devastada pela enchente provocada pelo Charada na HQ. Devo confessar que não gostei muito do uniforme de Pattinson como Batman; achei meio feio, principalmente a máscara. Para mim, só perde para o uniforme de George Clooney como Batman, o dos batmamilos.
Quanto ao vilão principal do filme, temos o Charada, interpretado por Paul Dano. Só tem um problema: o Charada de The Batman não é o Charada, simples assim. Ele em nada lembra o vilão tradicional das HQs; ao contrário, no filme, o Charada tornou-se um maluco dos fóruns do Reddit. Ele está mais para aqueles serial killers de séries como Criminal Minds e Mindhunter. E o Charada de The Batman na verdade intitula-se um social justice warrior, que combate a corrupção dos poderosos; nada a ver com a versão tradicional do vilão, cuja motivação sempre foi a compulsão por charadas e a vaidade intelectual, principalmente com relação ao Batman.
Isso não obstante o
Charada ter tido vários tons diferentes ao longo dos anos. Ele era representado
como um vilão de segunda classe e não tão perigoso, e que inclusive passou um
tempo aposentado, a exemplo da história de Origens Secretas escrita por
Neil Gaiman. Porém, depois ele se tornou um maníaco na história Cavaleiro
das Trevas, Cidade das Trevas, assassinando gente e planejando um ritual
satânico, para invocar um demônio. O Charada ainda teve uma participação-chave na
saga Silêncio, pois ele descobre a identidade de Bruce Wayne como Batman
e revela isso para o vilão; o Charada teve uma curta carreira como detetive
particular, quando esteve regenerado, um pouco antes do reboot dos Novos 52
da DC. Entretanto, nos Novos 52, ele teve um upgrade e voltou a ser um maníaco,
tão perigoso quanto o Coringa ou o Duas Caras, tanto que é o vilão principal do
Ano Zero. Esse Charada de The Batman tem uma certa influência do de
Terra Um, que é mais freak, mas a gente ainda enxerga o Charada nessa
versão, ao contrário do do filme. Até o Charada galhofa e exagerado de Jim
Carrey tem mais a essência do personagem que o de The Batman.
Como par romântico/contraponto a Batman, temos Selina Kyle, a Mulher-Gato, cujo papel é feito por Zoë Kravitz, a filha de Lenny Kravitz. Na verdade, é uma Mulher-Gato em formação, que tem muita influência da versão das HQs Batman Ano Um, de Frank Miller e David Mazzuchelli, e Vitória Sombria. Selina é filha bastarda de Carmine Falcone, o chefão do crime de Gotham, como também é mostrado em Vitória Sombria. A cena de Batman e Mulher-Gato se beijando teve muita identificação visual do traço de Jim Lee na saga Silêncio. Zoë é a terceira atriz negra a interpretar a Mulher-Gato. As outras duas foram Eartha Kitt, a segunda atriz que atuou como a personagem na série do Batman de Adam West nos anos 60, e Halle Berry, no filme Mulher-Gato; porém, a Mulher-Gato de Berry não é Selina Kyle. Apesar de pessoalmente preferir os personagens com visuais mais semelhantes aos dos quadrinhos, devo dizer que, no fim das contas, no tocante ao filme, não faz diferença a personagem ser branca ou negra, bem como o Gordon, que também é interpretado por um ator negro, Jeffrey Wright.
Falando no Gordon, Wright está muito bem à vontade no papel, e sua interação com Batman é a melhor do filme. O James Gordon em The Batman ainda é o tenente de Ano Um e não é bem visto pelos outros policiais de Gotham, em razão de sua amizade com Batman. Boa parte dos policiais da cidade é corrupta, e até os que são honestos não veem com bons olhos um vigilante fazer seu trabalho.
Oswald Cobblepot, o Pinguim, é o vilão secundário do filme. A bem da verdade, ele nem chega a ser propriamente um vilão; é só um bandido braço direito do Falcone e proprietário do Iceberg Lounge, a boate que também existe nos quadrinhos. Collin Farrell interpreta o Pinguim e está irreconhecível de tanta maquiagem e enchimento, lembrando a versão do vilão desenhada por Alex Ross na HQ Guerra ao Crime.
O papel de Alfred coube a Andy Serkis, que tem uma atuação mais burocrática. Infelizmente, o roteiro não ajudou, e Bruce e Alfred não têm uma interação muito expressiva durante o longa, com exceção da cena de Alfred no hospital, a única que revela o afeto que existe entre ambos. A versão do personagem no filme foi inspirada no Alfred de Terra Um, que é mais durão e inclusive perdeu uma perna, como combatente das Forças Especiais britânicas.
John Turturro interpreta Carmine Falcone, que está ótimo no papel. Não tenho muito a dizer sobre o personagem de Falcone no longa, ele é o típico capo da Máfia de Gotham, como em Ano Um, e pode estar envolvido no assassinato de Thomas e Martha Wayne. Não gosto muito dessa ideia de que o assassinato dos pais do Bruce seja uma conspiração, e não porque Joe Chill os baleou ao acaso, mas o longa investe nesse sentido.
No filme, também se dá a entender que Thomas Wayne talvez não fosse um homem decente e de princípios, coisa que vem se tornando meio comum nas últimas interpretações do personagem. Em Coringa, Thomas é meio que uma versão do Trump; em The Batman, ele é um homem que fraquejou e pediu ajuda ao Falcone após um repórter descobrir que Martha sofria de problemas mentais, coisa que também aconteceu em Terra Um e na fase do Batman de Grant Morrison, inclusive com a revelação que Martha é da família Arkham.
Fazendo uma análise mais
“formalista” de The Batman, creio que podemos afirmar que ele talvez
seja o filme tecnicamente e esteticamente mais bonito de todos estrelados pelo
personagem. A direção é muito competente; a fotografia é excelente, mostrando
Gotham bem escura, suja e corrupta, sempre com clima melancólico e chuvoso. O
figurino também merece destaque, bem como a trilha sonora de Michael Giacchino,
que é bem minimalista e toma como base Something In The Way e
também uma variação de Ave, Maria, como tema do Charada. Na minha
opinião, os temas do Batman de Danny Elfman nos filmes de Tim Burton e de Hans
Zimmer nos do Nolan são melhores, mas Giacchino também não faz feio.
Creio que o grande
problema do longa no aspecto mais técnico seja mesmo as quase três horas de
duração; o filme poderia tranquilamente ter de 30 a 40 minutos a menos, mas,
apesar disso, ele até que flui bem, apesar de cansar um pouco lá pelo meio.
Parece que Matt Reeves quis superar O Cavaleiro das Trevas Ressurge do
Nolan, que teve 2h45m de duração.
No tocante ao roteiro, aí que a porca torce o rabo, porque ele tem sim seus probleminhas. A primeira incoerência é que Batman está já no ano dois e é conhecido pela polícia de Gotham, tanto que até já existe o Batsinal; no entanto, a primeira gangue que ele quebra na porrada não sabia de sua existência. Quiseram dar uma impressão de Batman “lenda urbana”, mas não para todos. No Batman de 1989 de Tim Burton, até os dois bandidinhos low life nos quais ele dá uma surra no começo do longa sabiam de sua existência, e o Cavaleiro das Trevas também estava em início de carreira naquele filme.
Outra vergonha alheia é que o Batman não sabe espanhol básico; o Pinguim sabe mais espanhol que ele e ainda tira sarro. Isso se considerando que o Cavaleiro das Trevas seja um poliglota, como nas HQs. Em uma cena de luta contra a Mulher-Gato, Batman zomba do caratê básico dela, mas no último ato ele está enfrentando uns malucos do Reddit que não têm nenhum treinamento e quase é morto; a Mulher-Gato é que salva o rabo dele. E ainda tem a cena do “pico”. Batman injeta-se com adrenalina e fica possesso, lembrando a história Veneno. Não que o herói nunca tenha apanhado de bandido low life nos quadrinhos. Na história A Vingança Quíntupla do Coringa, ele toma uma paulada na cabeça de um ex-capanga pé de chinelo do Coringa, mas era o Batman dos anos 70, mais falho e mais humano; no fim das contas, melhor que o Batman praticamente invencível e fodão da atualidade.
O Batman do Pattinson acredito que só perca para violência para o de Ben Affleck, que é o mais brutal, pelo menos em Batman vs Superman. Mas o de Pattinson bate forte e quebra uns ossos, apesar do PG-13 não mostrar sangue. Entretanto, temos de ser justos e reconhecer que o Batman de Pattinson mantém o voto de não matar; ao lado do Batman de George Clooney, é o único que não matou nos filmes. Mas até nos quadrinhos o personagem dava umas derrapadas e matava ou causava a morte de algum bandido; pelo menos nas histórias antigas, dos anos 70 e 80, era assim. E o Batman da Era de Ouro matava geral.
Quem é pai ou mãe e
deseja levar o filhote para ver The Batman, creio que fica a critério,
mas a verdade é que o filme não é para crianças. Botaram PG-13 para os adolescentes
assistirem; porém, creio que crianças e adolescentes irão se entediar bastante
lá pelo meio do longa, por causa de sua duração, e talvez nem entendam direito
a história. Tem a questão da violência e de alguma insinuação sexual, que foram
filtradas pelo PG-13.
Se vale a pena assistir
no cinema? Creio que sim, mas pessoalmente não gosto de usar o imperativo, “você
deve assistir a esse filme no cinema”, “você deve comprar esse quadrinho” etc.
Se alguém tiver receio de ver o filme no cinema por causa da pandemia de
coronga ou afrocoronga (Ômicron), que ainda não acabou, não acho que deva se
sentir desconfortável e fazer isso. No entanto, pelo que notei, o brasileiro
médio não está nem aí para a pandemia, e não apenas em relação a cinema,
mas também a tudo no geral. Assisti a The Batman na sala mais cara do
cinema, que tinha mais distanciamento, e mesmo assim estava razoavelmente cheia.
Se alguém estiver sem dinheiro, também não acho que precise necessariamente
assistir ao filme, mas quem estiver abonado e puder pagar um ingresso, vale a
pena. Também, vamos combinar, daqui a pouco o filme deve baixar na “videolocadora
do Paulo Coelho” e daqui a 45 dias estará na HBO Max, para quem assina.
De resto, The Batman é
um recomeço promissor para o Cavaleiro das Trevas, que deve render muito dinheiro
para a DC/Warner por mais uns bons anos. Nota 8,5 de 10.
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