Como o Superman é um personagem com mais de oitenta anos de existência, pode-se dizer que ele é um exemplo iconográfico do século XX e XXI. Uma figura conhecida por todos, independentemente da mídia em que é vinculado. No entanto, você pode me dizer de onde vem o Superman? Quais suas origens? Sua gênese?
Bom,
vamos começar essa história do princípio, do Übermensch, o “super-homem”
de Nietzche, um ser superior aos demais, que existe para elevar a humanidade,
mas que, no fim das contas, valoriza o indivíduo.
Evidente
que os criadores do Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster, não beberam de tanta
fonte filosófica. Eles beberam principalmente dos pulps, e uma de suas principais
influências foi John Carter de Marte, personagem criado por Edgar Rice Burroughs
no livro A princesa de Marte. Neste, o enredo abrange a história de John
Carter, um ex-veterano da Guerra Civil norte-americana que tem sua forma astral
transportada para Marte. Lá, graças às diferenças de gravidade, uma vez que a
gravidade da Terra é bem mais pesada, adquire grande força física e torna-se o
herói do lugar, protegendo a bela princesa Dejah Thoris. Siegel e Shuster
claramente se inspiraram na explicação da gravidade para justificar o poder do
Superman, visto que a gravidade de Krypton era muito mais pesada que a da Terra,
utilizando-se até de exemplos de formigas, que podem carregar objetos muito maiores
e mais pesados. Depois, a explicação para os poderes do herói foi alterada,
baseando-se no Sol amarelo da Terra, que energizava suas células, graças à
genética kriptoniana, que antes era irradiada pelo Sol vermelho de Krypton.
Outra
influência foi o romance Gladiator, de Philip Wylie. Esse é um romance pulp
que narra a história de um cientista que aplica um soro no ventre de sua
esposa grávida. Ela então dá à luz uma criança com força e intelecto superiores,
invulnerável a balas e capaz de levantar pesos enormes. O próprio protagonista
em determinado trecho do livro de que é “um homem de aço, em vez de um homem de
carne”.
Inegável
também a inspiração de Doc Savage, o grande herói dos pulps, criado por
Henry W. Ralston e John L. Nanovic. O personagem tem uma origem um tanto
polêmica, pois é fruto de eugenia. Seu pai era um cientista que também fez experiências
com ele desde a infância. Dessa forma, Doc se torna um homem com força e
intelecto prodigiosos e também invulnerável. O efeito adverso das experiências
foi deixá-lo com a pele dourada, o que lhe ocasionou a alcunha de O Homem de Bronze.
Por último, mas não menos importante, temos o Fantasma de Lee Falk como uma das prováveis inspirações para Siegel e Shuster elaborar o Homem de Aço. Sei que há quem vá questionar isso e dizer que é uma grande bobagem, pois o Fantasma não tem superpoderes. Isso é verdade, mas o fato é que o personagem é o primeiro herói fantasiado dos quadrinhos, e seu sucesso comercial sem dúvida foi determinante para a criação não apenas do Superman, mas também de todos os super-heróis subsequentes, como Batman, Capitão América, Homem-Aranha etc. Se hoje os super-heróis têm grande relevância na cultura pop, isso é graças ao Fantasma. Sem ele, não existiriam nem os heróis da DC e nem os da Marvel, muito provavelmente, e a cultura pop seria muito diferente.
Destaque-se ainda o primeiro esboço de Jerry Siegel e Joe Shuster, que foi o conto O reino do Superman. No caso, o Superman da história não era um herói, mas sim um vilão, com uma careca à lá Lex Luthor, que talvez tenha inspirado o arqui-inimigo do Superman, a despeito do fato de Luthor ser cabeludo na primeira história em que apareceu.
Dito isso, essas são algumas das gêneses do Superman, personagem que está no Zeitgeist da cultura pop. Pode-se definir Zeitgeist como “o espírito do tempo”, as características de um personagem que são imediatamente identificáveis. Isso é tão verdade que, quando foi estabelecido o Superman dos Novos 52, que era mais jovem e bad-ass – ou seja, um pau no cu –, ele foi rejeitado por grande parte dos leitores, que não reconheceram o Superman escoteiro, bondoso e virtuoso, como está no inconsciente coletivo das pessoas. O Superman dos Novos 52 foi parcialmente inspirado no da HQ Terra Um e também influenciou o Superman de Henry Cavill, em O Homem de Aço.
Mas,
afinal de contas, qual Superman que está no Zeitgeist?
Bom, eu diria que é o Superman dos quadrinhos clássicos de Curt Swan, o dos
desenhos de Max Fleischer e o dos Superamigos, bem como o de Christopher Reeve,
basicamente. Essas são as versões do Superman mais reconhecidas. Quando se
pensa no personagem, se pensa em um cara de capa vermelha e calção por cima da
calça, tipo “escoteirão”. Essa é a razão porque foi tão problemático quando
tiraram o calção vermelho do herói; era mais que um calção, era uma
representação iconográfica.
Entretanto,
reconheço que há pelo menos uns trinta anos, se não mais, o Superman vem
sofrendo de certo desgaste. Imaginei que uma das razões seria que o público hoje
em dia é mais cínico e gosta de personagens sombrios e violentos. É por isso
que Batman, Wolverine, Justiceiro e Spawn fizeram tanto sucesso nos últimos anos.
Na verdade, os dois últimos não estão mais tão na crista da onda. Justiceiro
foi safadamente sabotado pela própria Marvel, por razões editoriais e ideológicas,
e Spawn foi inadvertidamente sabotado por seu próprio criador, Todd MacFarlane,
de tanta cagada que ele fez com o personagem. Na verdade, a Marvel também sabotou
de forma safada também o Wolverine, por conta do rolo da Fox, que tinha os
direitos dos X-Men à época.
Está certo que se pode questionar que tem personagem bonzinho que faz sucesso hoje em dia, como o Capitão América. Isso é mérito apenas dos olhos azuis de Chris Evans? Na verdade, creio que bastante do mérito é, sim, dos olhos azuis, mas não só. O Capitão América era um personagem que ninguém considerava bad-ass, apesar de sempre ter sido. Então, eles se inspiraram mais no Capitão América Ultimate, que é mais bad-ass, mas adicionaram um pouco da personalidade do Capitão raiz, que é mais bonzinho. Pode-se dizer a mesma coisa da Mulher-Maravilha, que era desprezada pelas mesmas meninas que hoje gostam dela.
Enfim,
voltemos ao Superman. Faço a pergunta: por que o Superman bad-ass não
foi tão bem-sucedido quanto o Capitão América bad-ass ou a
Mulher-Maravilha bad-ass? Exatamente porque vai de encontro ao que foi
estabelecido no Zeitgeist do personagem. Superman não é um cara que
quebraria o pescoço do Zod, até mesmo em um momento desesperado. Mas aí vão me
questionar: “mas o Superman de John Byrne não matou Zod e seus companheiros no
gibi?”. Sim, ele matou, mas você vai comparar com o Superman do Cavill, que
matou o vilão e não teve nenhuma consequência? Nos quadrinhos, ele fica com a
consciência tão culpada que resolve se exilar no espaço e vai parar no Mundo
Bélico de Mongul. No entanto, Superman - O Retorno também não é um filme
que teve grande aceitação, e, ao contrário do Homem de Aço, realmente
bebeu muito do Superman de Richard Donner.
Todavia, não nego que o Superman perdeu bastante de seu apelo popular nos últimos trinta anos e tem ficado sempre atrás do Batman, que, desde o filme de Tim Burton de 1989, tem estado à frente do Homem de Aço na preferência popular no tocante aos heróis da DC, seja em filmes e animações, seja nos quadrinhos. Não obstante o Superman tenha feito certo sucesso na telinha. Lois e Clark e Smallville são duas séries de TV que foram bastante bem-sucedidas. Smallville, apesar de não ser nem de longe minha versão preferida do personagem, foi uma das séries de maior repercussão dos anos 2000.
A questão é que o impacto de Superman de Richard Donner realmente é inigualável. A década de 80 praticamente inteira esteve sob a influência da “Supermanmania”, principalmente em seus primeiros anos. Vale destacar os filmes do Superman indiano e turco, que são desse período, e a influência no tokusatsu. Em 1979, um ano após o lançamento de Superman do Donner, foi exibida a série Kamen Rider Skyrider, cujo protagonista é o único Kamen Rider que podia voar. Alguns anos depois, foi realizada a série Machine Man, em que o personagem bebia muito do Superman, em forma de paródia. Até em uma das séries Ultra mais recentes, em Ultraman Orb, há muitas referências ao Superman.
Retornando
ao Zeitgeist do Superman, podemos afirmar que uma das razões do personagem
estar nesse patamar é que ele deixou de ser apenas um personagem, mas sim um
arquétipo; ele é o super-herói por excelência. Tanto que, graças a ele, foi
acrescentado o prefixo “super” à palavra herói. Não é por nada que existam
tantas “homenagens” ao herói na própria DC ou outras editoras. Citando a mais famosa,
temos o Capitão Marvel original (Shazam é o caralho), cuja relação com o Superman
é bem complexa, passando pelo histórico processo da DC contra a Fawcett Comics.
Listam-se ainda Miracleman (ou Marvelman), a cópia britânica do Capitão Marvel;
Hyperion do Esquadrão Supremo e o Sentinela, ambos da Marvel; Mr. Majestic da
Image/Wildstorm; Supremo da Image; o Samaritano de Astro City; entre outros.
Talvez o que seja mais fascinante e maravilhoso no Superman é que ele é um personagem bondoso e idealizado. A despeito de esse ser um dos fatores que despertam certa ojeriza de alguns com o personagem, por considerá-lo perfeito demais, sem grandes defeitos. Quem faz essa afirmação não é leitor do herói, pois, já há décadas, desde que o Superman foi “marvetizado” – isto é, começou a ser mais problematizado –, ele passa sim por conflitos. A diferença é que continua intrinsecamente bom.
Não
faltam, entretanto, versões malignas e tirânicas do personagem, que nos fazem
lembrar o quanto poder pode ser terrível em mãos erradas. É o caso do Ultraman
do Sindicato do Crime da América, do Overman, o Superman nazista, e do Superman
comunista de Red Son na DC; do Patriota de The Boys; do Espírito
Público de Marshall Law; e do Plutoniano de Imperdoável.
Resta então reconhecermos que, apesar de combalido, o Superman merece sim a alcunha de Homem de Aço, uma vez que as pancadas e a perda de prestígio não o impediram de voar “para o alto e avante”. Sem contar que estamos em uma época que até a palavra “homem” é considerada ofensiva. Imagine então o “Super-Homem”. A coisa chegou em um nível que o Superman está tendo de “pedir desculpas por ser super-homem”. Complicado, para dizer o mínimo.
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