Publicado originalmente em
aos 13/09/2011
Inomináveis Saudações a todos vós, Realistas Leitores.
Imaginem um mundo onde os sentimentos são proibidos. Imaginem todo tipo de arte que leve a qualquer sentimento proibida. Imagine todo tipo de exaltação religiosa proibida. Imagine a esfuziante celebração ocasionada por um grande feito esportivo proibida. Imagine qualquer demonstração pública de sentimento declarada como um crime. Imaginem um mundo assim, neste mundo cheio de dores, agora. Imaginem um mundo assim, neste mundo cheio de tristezas, agora. Imaginem um mundo assim, neste mundo cheio de rancores, agora. Imaginem um mundo assim, neste mundo cheio de ódios, agora. Imaginem um mundo assim, neste mundo cheio de desejos, agora. Imaginem um mundo assim, neste mundo cheio de prazeres, agora. Imaginem um mundo assim, neste mundo cheio de paixões, agora. Imaginem um mundo assim, neste mundo cheio de amores, agora. Imaginem todo o emaranhado de sentimentos em sua personalidade, leitores virtuais. Imaginem todos os mecanismos dos equilíbrios e desequilíbrios proporcionados pelos avanços e retrocessos de seus sentimentos íntimos, leitores virtuais. Imaginem Equilibrium, aqui, agora, realizado em vossas vidas, leitores virtuais. Imaginem ser obrigados ao Não Sentir por imposição de um governo autocrático tirânico, leitores virtuais. Imaginem ser padronizados, à força, em um esquema existencial de obediência aos sagrados preceitos de uma radical liderança, leitores virtuais. Imaginem ficar sem assistir aos seus filmes, leitores virtuais. Imaginem ficar sem ler os seus livros, leitores virtuais. Imaginem ficar sem os seus seriados, leitores virtuais. Imaginem ficar sem as suas novelas, leitores virtuais. Imaginem ficar sem as suas séries, leitores virtuais. Imaginem ficar sem o seu teatro, leitores virtuais. Imaginem ficar sem as suas músicas, leitores virtuais. Imaginem ficar sem as suas danças, leitores virtuais. Imaginem ficar sem as suas praias, leitores virtuais. Imaginem ficar sem as suas escolhas pessoais, leitores virtuais. Imaginem ficar sem suas personalidades, leitores virtuais. Imaginem ficam sem suas vontades, leitores virtuais. Imaginem ficar sem seus sonhos mais íntimos, leitores virtuais. Imaginem ficar sem seus objetivos mais claros, leitores virtuais. Imaginem ficar sem seus planos mais básicos e avançados para o presente e para o futuro, leitores virtuais. Imaginem-se controlados existencialmente, leitores virtuais. Imaginem-se amordaçados existencialmente, leitores virtuais. Imaginem-se escravizados existencialmente, leitores virtuais. Imaginem Equilibrium, no agora, no presente, neste mundo globalizado de tantas e tantas identidades que se tornariam uma só identidade, leitores virtuais.
Equilibrium, de 2002, é o filme que causa arrepios, pânico e medo nos que são escravos dos sentimentos, aqueles que não se dominam e são por estes dominados. Escrito e dirigido por Kurt Wimmer, estrelado por Christian Bale, Taye Diggs e Emily Watson, é uma obra-prima superior a toda Trilogia Matrix, principalmente a Matrix Reloaded e Matrix Revolutions. De uma densidade cavalar, o filme alegra a todos os fãs de filmes de ação com conteúdo mesclado a uma ficção científica de elevada qualidade literária. É uma literatura, daquelas antigas e mágicas literaturas, a narrativa épica da obra, direcionada a um público bastante amadurecido que se decepcionou com as continuações do primeiro Matrix, os quais foram fiascos totais, na minha mais modesta inominável opinião. Para os que não conhecem-no, estas palavras minhas podem parecer absurdas; mas, para aqueles que possam estar lendo a este post, toda e qualquer elogiante palavra que exalte as qualidades de Equilibrium é válida. Em alguns momentos, o filme lembra Matrix, Blade Runner, Cidade das Sombras, Mad Max, Akira e Watchmen (O Filme), este último filmado anos depois de sua realização e que aqui é citado por pura liberdade expressiva de minha parte; em outros momentos da fita, as trajetórias mitológicas de um Hércules, Perseu, Belerofonte, Ulisses e Arjuna na busca de sua realização como seres diferenciados dos demais, são personificadas na pele de John Preston. A referência aos cavaleiros medievais, principalmente do Ciclo do Rei Artur, são bem claras, já que o Sentir é buscado com tanta ênfase quanto, na lenda arturiana, o Santo Graal fora buscado pelos Cavaleiros da Távola Redonda. Outra forte referência, ao inverso, que podemos notar, é o de uma Queda Humana, A Segunda Queda Humana, a partir da destruição de uma sociedade que, mesmo imperfeita, caminhava para uma evolução gradual conforme o passar dos anos, de modo natural, para a construção de outra totalmente a desvalorizar todo o sentido do humanamente ser e existir no planeta. O personagem de Bale, tem tudo de mitológico e real, de prático e objetivo, de realizador e elevante, das características dos grandes homens que se fizeram por si mesmos; a interpretação do ator é uma das melhores da História do Cinema, a meu ver, bem superior à do inerte Keanu Reeves com o seu Neo na Trilogia Matrix. Um incômodo o faz querer Sentir e é desse incômodo que nasce toda maior humana realização.
Das críticas que li na rede sobre o filme, gasta-se muito tempo apenas falando do famoso Gun Kata, um estilo de luta com armas de fogo que combina Matemática e Artes Marciais em um jogo de resultados que proporcionam a aquisição da elevada positiva posição de superioridade sobre qualquer circunstância desfavorável. Com movimentos baseados nos Katas do Karate-Do, o lutador pode enfrentar a cem adversários fortemente armados em diversos tipos de ambientes e, baseando-se nos cálculos das probabilidades que se inserem em suas próprias habilidades, matar a todos aqueles e sair do combate ileso, sem nenhum arranhão sequer. Somente os Clérigos aprendem tal Arte, a única Arte em um mundo que aboliu de sua presença A Arte; e Preston é o maior deles, o mais perfeito utilitário das habilidades adquiridas através dos intensos treinamentos na sede da ordem. É magnífico tal estilo, criado por Wimmer, que se apresenta também em Ultraviolet; no entanto, ficar enfocando apenas os momentos de ação é um erro infantil diante da exploração de diversos interessantes elementos dentro do roteiro dramaticamente elaborados para tornar singular toda a essência do épico futuristico. Não há apenas a ação no filme, que trabalho pelo roteiro, em função da proposta deste e não, em si mesmo, como o elemento que faz do filme a relíquia que o mesmo é. Prever matematicamente acontecimentos em um campo de batalha e trabalhar as habilidades corporais ao máximo contrasta com a inafetividade geral da parcela da população que se droga para Não Sentir. Por que, neste mundo perfeito, sem sentimentos, existe uma elite de policiais voltados para o combate daqueles que preferem O Sentir? Por que existem policiais em um mundo perfeito já que em um verdadeiro mundo perfeito os policiais seriam considerados obsoletos devido à inexistência de crimes e de criminosos para praticá-los? A presença mesma da perfeição não tornaria o mundo um local seguro, sem armas, sem conflitos e sem as intermináveis crises de identidade entre cidadãos, autoridades e Governos? Em um Estado Perfeito, o estabelecimento da paz, em si mesmo, não daria lugar a uma harmonia organizacional completa e inquebrantável? Em uma sociedade perfeita a própria menção de rebelião não ficaria submersa abaixo dos altos prédios perfeitos do absoluto enredo de um mundo que alcançou a totalidade da paz, mesmo sendo uma paz sem amor? A pseudoperfeição apresentada no filme responde negativamente a todas as indagações anteriores, já que é um Leviatã controlado por deuses que desconhecem as suas verdadeiras funções: a de utilizar o que o povo sente em relação a seus líderes políticos com o intuito de estabelecer verdadeira harmonia mesmo sem a existência de uma verdadeira paz. A pseudoperfeição proporcionou a criação de uma sociedade assassinada intelectual, moral, etica e existencialmente, reduto de cidadãos que servem ao Estado como objetos destinados a serem descartados e repostos quando da exaurida chegada ao seu fim no mesmo. Porém, que tipo de Estado se apresenta no filme? Uma Autocracia ditando todas as ordens dos dias. Uma Autocracia ditando todas as maneiras e modos das gentes. Uma Autocracia, de feições pseudoreligiosas, ditando o que se deve pensar, falar e realizar a todos os dias, a todas as horas, a todos os anos.
O ambiente da Cidade Alta, no filme, é padronizado aos moldes do que O Pai (Sean Pertwee) preconiza como o ideal único da Humanidade a ser seguido. Foi demonstrado que os sentimentos corroeram a Humanidade e geraram todas as guerras desde os princípios da civilização até a pior de todas, que acarretou a decisão de suprimir a todo e qualquer tipo de sentimento, a Terceira Guerra Mundial. Após esta, um novo mundo, sem violência, precisou ser gerado, mesmo à custa do desaparecimento do Sentir. A violência, a Deusa Violência, esta senhora que teima em permanecer entre nós e que sobrevive à custa de diversos filmes, acreditou-se assassinar com o fim de todo e qualquer sentimento. A violência da admiração foi abortada. A violência da adoração foi abortada. A violência da comemoração foi abortada. A violência da alegria foi abortada. A violência do prazer foi abortada. A violência do desejo foi abortada. A violência da tristeza foi abortada. A violência da dor foi abortada. A violência da angústia foi abortada. A violência toda foi abortada nos que toma o Prozium, a droga abortadora dos sentimentos, a ambrosia dos inafetivos novos senhores da Terra, moldadores de uma sociedade fria, cinzenta e desprovida de trabalha na qual todos são iguais na vestimenta, no caráter e na fala, um mundo de rôbos que suam, mijam, cagam, procriam, nascem, amadurecem, envelhecem e morrem. Em um dos filmes acima citados, Watchmen, Ozymandias exterminou milhões de vidas apenas para que a Humanidade, culpando o único Superser na Terra e o mais verdadeiro de todos os seres humanos, Dr. Manhattan, pudesse alcançar a paz com o armísticio que adveio quando do tratado de paz assinado pelas duas superpotências da mitologia daquele filme, Estados Unidos e União Soviética. Em Equilibrium, toda a Humanidade fora exterminada: exterminada como criadora; exterminada como inovadora; exterminada como capaz de aprender com os seus próprios erros; exterminada como capaz de modificar-se através da força do Tempo; exterminada como senhora de si mesma. Muitos negaram-se a tomar a droga libertadora e foram condenados pelos robotizados donos da verdade, os quais se propuseram a caça-los como menos do que animais apenas porque queriam continuar Sentindo. Uma tirania, Libria, algo que combatido deveria ser como sendo o objetivo da invenção do Prozium, a tirania, a humana tirania interior que leva a todo derramamento de sangue e desespero interior e exterior, ergueu-se no nada admirável mundo acizentado que se apresenta em Equilibrium.
Os defensores do Não Sentir esqueceram-se desta verdade que se apresenta nas próprias entrelinhas da História: é a violência, todas as formas de violência, alicerçada pelos mais diversos tipos de sentimentos, que valida a existencialidade humana. Por mais caótico que seja ser dominado pelas paixões e pelos sentimentos todos d'alma, é necessário que assim seja para que um ser humano possa sentir-se como parte do todo que o rodeia. A sociedade tirânica de Equilibrium, então, é uma mera ridícula paródia, nada engraçada, e totalmente violenta (uma contradição que revela a genialidade do roteiro), da sociedade perfeita buscada sem a presença dos sentimentos que levem à deestruição de todas as coisas na Terra moldadas. É isso que Preston percebe, incomodando-se após a execução do amigo que entregara porque este Sentia; ele percebe que a perfeição na qual fora criado e condicionado a crer como a maior realização humana de todos os tempos era apenas pó, mentira e imperfeição enrustida. Os seres humanos não nasceram para a perfeição ainda e a prova disso está na rebelião, no início interior, de Preston contra o sistema do qual é um dos mais profundos defensores. No momento inicial, a curiosidade o faz querer provar do Veneno da Serpente, esta que, fora do Paraíso, indica com as suas picadas a verdade da humana realidade a todo autêntico ser humano. No meio do caminho, enroscando-se na Serpente, sua mente começa a trabalhar a favor dos valores perdidos em si mesmo, os valores contidos nos vícios e nas virtudes humanas que caracterizam com suprema segurança a todo autêntico ser humano. Concluido seu caminho e alcançada A Verdade, sendo uma Serpente conhecedora do verdadeiro propósito do Bem e do Mal inerentes a todo sentimento, Preston tornou-se, verdadeiro, sincero e real, um autêntico ser humano. O Adão de Equilibrium encontrou a sua Eva em Mary O'Brien (Emily Watson), a amante do amigo, Jurgen (William Fichtner) que ele entregara, amante cremada, como todos que Ousam Sentir, nos fornos do Clero Grammaton, que nasceu a partir das leis da Nova Ordem Mundial. O ponto-chave da mudança de Preston está em seu encontro com ela, uma Criminosa Sensória, como são chamados no filme aqueles que Sentem; e na tomada de consciência à qual chega ao perceber o quanto monstruosamente tratou de, por Libria, entregar ao forno crematório a sua esposa. Em certo sentido, revelando sutilmente uma curiosidade sexual e afetiva em relação à mulher que fizera com que seu único amigo abandonasse a tal "perfeição social" na qual ambos nasceram, Preston comeu da maça, gostou da sensação e saiu do seu Paraíso Ilusório para iniciar A Revolução Do Sentir.
E a Revolução foi feita pelos que Sentiam, os autênticos seres humanos, os 100% Sentimento. Obrigados a viver na Cidade Baixa, entre ratos e baratas, escondidos e fugitivos das forças repressoras representadas pelos policiais e pelos Clérigos. Andrajos cobrem-lhe os corpos, os rostos são mais humanos e sinceros do que os daqueles que Não Sentem; e sua luta desesperada pela mudança mundial encontram em Preston o parceiro ideal e fundamental. Na luta final, revelado é que o próprio Pai é um programa de computador e o responsável pela continuidade do ideal da humana perfeição através dos poderosos efeitos de uma injeção comete o grande crime da mitologia do filme: Sente. Isso prova a fragilidade do ideal da retirada dos sentimentos humanos para que possa ser apagada de toda a espécie toda a sua violência; e prova, também, que por mais que se queira controlar os sentimentos de um modo racional, é da Loucura Do Sentir, é da Loucura Da Sensação, que advém as maiores riquezas da Humanidade, conforme dito por Gilles Deleuze em O Que É A Filosofia:
"Pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos, com sensações. Pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos sensações."
A Pintura Da Vida É Sentimento, É Sensação. A Escultura Da Vida É Sentimento, É Sensação. A Composição Da Vida É Sentimento, É Sensação. A Escrita Da Vida É Sentimento, É Sensação. Cada ser humano pinta a sua vida com sentimentos, com sensações. Cada ser humano, esculpe a sua vida com sentimentos, com sensações. Cada ser humano compõe a sua vida com sentimentos, com sensações. Cada ser humano escreve a sua vida com sentimentos, com sensações. As chamas revolucionárias fecham o filme e a sensação daqueles que assistiram-no, compreendendo-o em sua totalidade, faz maravilhas à alma, ao coração, ao espírito e à mente. Equilibrium, filme cult por natureza extremamente peculiar e despretensiosa, prova que o Cinema não é apenas uma simples máquina de fazer fortunas, é também o espaço apropriado para a veiculação de mensagens e idéias avançadas para esta nossa época. É um filme que merece ser mais conhecido e reconhecido por um maior número de pessoas, mas, com o tempo, poderá vir a ser uma futura referência, nas escolas primárias, para que cada criança cresça com a seguinte afirmação acerca da humana individualidade que lhe é própria: jamais deixar de Sentir. A verdadeira chave para a perfeição está no Sentimento. As portas do Sentimento perfeitamente estão disponíveis dentro de cada humano coração. Abrindo as portas, eis A Verdadeira Revolução: sem armas, sem sangue, sem conflitos; apenas, Sentindo, buscando a perfeição da Raça Humana em meio à violência cotidiana que se revela das mais diversas maneiras. O Verdadeiro Caminho Da Paz está nesta profunda soberana certeza.
Saudações Inomináveis a todos vós, Realistas Leitores.
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