“Fight, fight, fight, fight! Eight, eight, eight, eight!”. Assim se iniciava a abertura de uns dos meus animes preferidos, Eight Man (O Oitavo Homem). Não, não sou tão velho assim. Tive contato com o Oitavo Homem na versão dos anos 90 do anime, mas depois consegui conferir o original.
O autômato como um arquétipo da cultura pop existe há décadas. Creio que podemos remontar a Pinóquio, personagem do romance de Carlo Collodi, passando ao filme Metrópolis, de Fritz Lang, nos anos 1920, no qual há a androide Maria. E ainda aos livros de Issac Asimov, que estabeleceu os princípios da robótica. Nos quadrinhos, o primeiro androide é o Tocha Humana original, Jim Hammond, criado em 1939 por Carl Burgos.
No
entanto, podemos dizer que o primeiro androide a ter “problemas de androide” e que
praticamente foi o responsável por tudo o que foi desenvolvido a respeito desse
tipo de personagem foi o Oitavo Homem, cuja primeira aparição consta da Weekly
Shõnen Magazine, com roteiros de Kazumasa Hirai e desenhos de Jiro Kuwata,
em 1963. Nesse mesmo ano, o mangá ganharia uma versão em anime para TV, que se
tornaria um clássico eterno.
O
enredo de O Oitavo Homem é bem simples. O detetive Yokoda da Polícia
Metropolitana de Tóquio é emboscado, atropelado e assassinado por uma
quadrilha. No entanto, é encontrado pelo professor Tani, um gênio da robótica,
que transfere os padrões cerebrais de Yokoda para um corpo cibernético. Agora
ele é o Oitavo Homem, o flagelo dos criminosos de Tóquio. A razão para o nome é
porque Yokoda foi o oitavo experimento de transferência de consciência para um
corpo artificial. Todos os outros sete experimentos tinham sido um fracasso. Yokoda
assume a identidade civil de Hachiro Azuma, um detetive particular, e, como o Oitavo
Homem, ajuda o chefe Tanaka da Polícia Metropolitana a prender seus assassinos.
No meio disso, ele ainda salva a vida de Sachiko, uma jovem que posteriormente ele
contrata para ser sua secretária. Sachiko é apaixonada por Azuma, mas ele tem
sempre o drama de não poder revelar a verdade, sobre ser um ciborgue. Azuma
ainda tem um sidekick, o garoto Ichiro, que quer ser aprendiz de
detetive. O único que sabe a verdadeira identidade de Azuma é o chefe Tanaka,
que sempre tenha uma linha direta com ele. Quando Azuma atende o telefone e
recebe a senha “é um engano”, é um sinal para que o Oitavo Homem possa agir
contra os malfeitores, pois algum crime foi cometido.
No entanto, Azuma logo descobre que a vida de androide tem seus dissabores. Logo no primeiro episódio, um cachorrinho se aproxima dele e, ao perceber seu corpo cibernético, o estranha e late. Azuma também tinha o drama de não poder revelar sua condição a Sachiko. Na verdade, O Oitavo Homem é um mangá que tem muita influência dos quadrinhos da Marvel. Ele é um ponto de intersecção com os comics de super-heróis. É só ver a abertura, em que o Oitavo Homem corre mais rápido que um trem-bala e segura Sachiko nos braços, idêntico ao Superman. A relação de Azuma e Sachiko é muito semelhante à de Matt Murdock e Karen Page, nas histórias do Demolidor na Marvel dos anos 60, e do doutor Donald Blake com Jane Foster, nas histórias do Thor. Entretanto, se o grande drama de Matt era não ser aceito por Karen por ser cego e o do doutor Blake, por ser manco, imagine o drama de Azuma, que não possuía um corpo capaz de concretizar seu amor com Sachiko. Está certo que depois surgiriam os autômatos sexuais, mas não naquela época. Dessa forma, O Oitavo Homem possuía esse elemento de soap opera da Marvel dos anos 60 e até posterior, novelão mesmo. O problemático hoje em dia seria Azuma namorar a secretária, pois isso é considerado assédio sexual agora, se bem que no Japão estão cagando e andando. Também havia uma questão de identidade. Se a consciência de Yokoda foi transferida para um corpo cibernético, então esse corpo seria sua nova personificação ou apenas uma cópia?
Os primeiros episódios de O Oitavo Homem são bem infantis; o público-alvo eram crianças. E tem bastante de humor cartunesco, cheio de gags. No entanto, a série vai ficando um pouco mais dramática com o tempo. No mangá, fica mais dramático ainda e tem seu ápice com a identidade de Azuma como o Oitavo Homem sendo exposta para Sachiko e com ele fugindo. É um final até dramático e triste. No começo do anime, o Oitavo Homem enfrenta criminosos comuns, mas, com o tempo, começam a aparecer uns supervilões, inclusive um arqui-inimigo, o professor Damon. Uma curiosidade é que o herói se reenergizava com cigarros eletrônicos. Atualmente, isso seria algo politicamente incorreto por causa do antitabagismo, mas isso é mais no Ocidente. No Japão, estão também se lixando.
Posteriormente, em 1993, foi lançado o OVA Eight Man After. Essa é uma versão mais violenta e adulta do Oitavo Homem. A história inicia-se anos depois dos acontecimentos do mangá/anime original; Sachiko ainda lamenta a perda de seu amado Azuma enquanto trabalha como secretária de um magnata. No entanto, uma quadrilha de criminosos ciborgues começa a praticar crimes em Tóquio. Sachiko tem a vida salva por Hazama Itsuru, um detetive particular, que é mortalmente ferido. Itsuru é socorrido pelo professor Tani, que novamente realiza o experimento de transferir uma consciência humana para um corpo cibernético. Dessa forma, Itsuru transforma-se no novo Oitavo Homem. Na realidade, ele deveria ser o Nono Homem, pois o Oitavo Homem era a versão anterior. O anime ainda conta com as participações do chefe Tanaka e de Ichiro, agora um jovem adulto cadete da polícia.
Vale mencionar o filme live action do Oitavo Homem, de 1992, mas que na realidade é uma bela de uma bosta. Também merecem destaque o mangá Eight Man Infinity de 2005 e o videogame do Oitavo Homem para NeoGeo. E, em 2020, foi lançado um mangá crossover do Oitavo Homem com o Cyborg 009.
É possível afirmar que, sim, alguns conceitos de O Oitavo Homem foram bastante revolucionários para a época e serviram de base para diversos outros personagens autômatos japoneses, entre androides e ciborgues. Tome-se por exemplo Cyborg 009, Kikaider, Robot Keiji K, Metalder, Kamen Rider, major Motoko de Ghost in the Shell, Alita etc.
Também podemos listar diversos personagens que se enquadrariam no arquétipo de autômatos no Ocidente, entre robôs, androides e ciborgues, seja em quadrinhos, séries, filmes, animações etc. Isso tudo apenas mostra como o Oitavo Homem foi uma pedra fundamental para o estabelecimento desse tipo de personagem na cultura pop não apenas no Japão, mas no mundo inteiro. Depois dele, pode-se dizer que houve o triunfo do autômato.
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