Parte da minha coleção de Berserk
Publicado originalmente em
aos 26/05/2016
e adaptado para este blog
Roteiro e Arte: Kentaro Miura
Tradução: Drik Sada
Letras: Gabriela Kato, Ricardo Santana, Victor Barbosa, Diógenes Diego, Luciane M. Yasawa, Gustavo Figueiredo e Priscila Aoyama
Edição: Beth Kodama e Diego M. Rodeguero
Status: em andamento
Panini Comics
Inomináveis Saudações a todos vós, Realistas Leitores!
Berserk, de Kentaro Miura, está em seu trigésimo nono volume aqui no Brasil desde que a Panini começou a republicá-lo há quatro anos. Ainda em andamento no Japão, é, ao lado de Vagabond de Takehiko Inoue e Lobo Solitário de Kazuo Koike, uma obra-prima da Arte do Mangá. A história e o inconfundível construto gráfico imposto por Miura ao seu trabalho é uma verdadeira aula imprescindível para todos que trabalham com a escrita e o desenho. Iniciado no ano de 1989, encontra-se em seu 37º Volume no seu país de origem e não tem nenhuma previsão quanto ao seu término devido à cadenciada rotina produtiva de Miura. É um mangá de temática adulta, do Gênero Seinen, muito expressivamente poderoso e visceral na representatividade do belicismo, de uma ultraviolência que confesso jamais antes ter visto em uma obra de arte, a superar tudo o que é visto nos filmes de John Woo e Quentin Tarantino ou no trabalho de Garth Ennis nos Quadrinhos e no de George R.R. Martin na Literatura. Se engana, no entanto, quem pensa que Berserk é apenas uma saga acerca de “um cara manejador de uma espada grotescamente gigantesca que enfrenta inimigos para passar de fase como em um jogo de videogame” ou “leitura exclusiva para homens amantes de muita brutalidade e quase nenhuma emotividade”. A Morte permanece bem nitidamente ativa a cada virada de página, mas Berserk fala da Vida como um Todo. A Vida cheia de derrotas. A Vida cheia de vitórias. A Vida cheia de infortúnios entre o azar e a sorte. A Vida, Esta Entidade que muito se encontra incompreendida em sua Totalidade dentro e fora do Mundo Da Imaginação, Mundo este no qual a trajetória de Guts está inserida.
Guts nasceu do útero do cadáver da mãe encontrada por um grupo de mercenários e, a partir deste ponto, sua caminhada foi moldada mais por tragédias do que por alegrias. O mote principal da sanguinária composição do personagem é moldada na evolução e composição metódica de sua interessantíssima personalidade. Em níveis complexos, Guts é amargo, calado, deslocado, isolado, antissocial, desagradável, temperamental, individualista, frio, arrogante, impetuoso, egoísta, afetuoso, caridoso, amável, amigo: de uma ponta à outra dos atributos mais vastos da personalidade humana, a composição deste personagem emite uma sintetização dos atos de cada um de nós. Poucos conseguiriam manejar, dentro e fora da Ficção, uma espada gigante como as que Guts utiliza; mas, Dor, Solidão, Sofrimento e a Busca por si mesmo dentro da Busca pelo Sentido da Vida são temas próximos de todos tocados por esta obra.
Não se pode falar de um trabalho como este apenas dando destaque ao conjunto e ao contexto ficcional no qual a mesma se insere. Miura profundamente estabelece nas páginas de Berserk uma crítica ao Ser Humano e suas misérias, maldições, desgraças, vícios, guerras, desvios e crimes. Seguramente desenvolvendo cada personagem e situação dentro de um quadro preciso de movimentos guiados criticamente a fim de lançarem o leitor para dentro da história, o autor espelha nas páginas desta um quadro deste nosso mundo e de tantos outros mundos piores do que o nosso. Um mundo sujo, grotesco, aniquilante, derrotado, decadente, arruinado, ferido, inválido, involuído, rasgado, Desgraçadamente Contemporâneo ao lento agonizar desta Humanidade em todos os seus terrenos.
E a humanidade de cada personagem, protagonistas, antagonistas e simples passageiros na narrativa, denota a exploração das humanas fragilidades. Guts pode ser invencível com suas técnicas infalíveis no manejo da espada; Griffith, o grande líder do Bando do Falcão, pode ser orgulhosamente um campeão invicto em busca da sublime realização de seu altíssimo sonho; Caska, integrante do Bando e personagem de destaque na trama, pode ser uma competente estrategista que procura superar-se a cada momento; no entanto, eles podem ser quebrados, amassados, mutilados, sufocados, aprisionados, torturados, derrotados e pisoteados, assim como todos os demais personagens. E assim como nós, o que nos aproxima muitíssimo deles, quebrando as mil e vinte quatro infinitas Paredes que separam todas as Realidades.
A densidade psicológica se mostra contundente na referência aos efeitos de todas essas características exploradas à exaustão dentro de cada contexto narrativo explorado. Não há gratuitas e sentimentalóides demonstrações de afeto e carinho, tudo é moderado causando um certo relaxamento após páginas e mais páginas de explosiva tensão. O Humor, mesmo que poucas vezes trabalhado, auxilia no alívio do pesadíssimo estado natural do ambiente do mangá por poucos instantes. O Terror, tanto o Psicológico quanto o Natural (“o Sobrenatural não existe”, como dizem todo os espiritualistas), é sutilmente elaborado com ênfase à criação de um insano clima de surrealidade quando exposto expansiva e literalmente à frente do leitor. O turbilhão imenso de emoções eclodindo à flor da pele, unida ao intenso navegar em abordagens que muito raros autores da Ficção tencionam explorar, tem em si uma aura envolta toda em uma exclusiva dedicação a um tratado sobre a Natureza Humana em todas as suas substancialidades.
Vou agora contar um caso sobre o impacto e os efeitos da leitura de Berserk em mim, algo que tem a ver com uma grotesca e repugnante ação de nosso mundo. Um fato que ocorreu muitas vezes dentro da História e que, mesmo que tenhamos evoluído muito em diversas questões desta nossa civilização, ainda continua ocorrendo: o estupro coletivo. Reproduzirei a seguir, integralmente, uma atualização de status minha do Facebook postada há quase quatro anos atrás, que eu considero como fundamentalmente válida para ser postada aqui neste artigo. Nele falo sobre certa passagem do Volume 11, o último que li na época considerada.
O meu caminho contra a Humana Podridão, a Desgraça Contemporânea que nos assassina a cada milionésimos de segundos neste planeta que está envolto nas Trevas Cósmicas, é o da Arte. Neste volume 11 de Berserk, Kentaro Miura expõe sua crítica à guerra e suas consequências de um modo absolutamente denso, cru e direto em uma sequência que não é, infelizmente, obra ficcional: uma família é dizimada por uma crudelíssima ordem de mercenários, três crianças são assassinadas e quatro mulheres sofrem um estupro coletivo. Não é violência gratuita e nem banalização da mesma; li esta edição segunda-feira e é um estranho paralelo com a notícia da menina de dezesseis anos estuprada por trinta homens. A Arte critica, denuncia e expõe tocando na ferida aberta, fétida e exponencialmente aumentando de tamanho cada vez mais. Poucos conseguem se conectar às mensagens de obras como Berserk e tantas outras que passam uma mensagem para toda Humanidade. A maioria humana, a grande massa cega, ignora completamente tais obras. E, ignorando-as, dá livre acesso à produção de monstros iguais ou piores do que os da nossa Realidade.
E em Berserk, um mundo de mais monstros do que heróis, se é que podemos identificar na trama algum “herói” no sentido mais estrito deste termo, podemos nos conectar ao espelho que reflete nossa incapacidade em evoluirmos de verdade. O assunto é extenso demais e será tratado nas resenhas de cada volume já publicado e dos posteriores aqui no blog. Uma vez por semana, estarei me aprofundando cada vez mais neste universo riquíssimo em simbolismos diretamente expositivos da Podridão Humana. Aos que acompanharem tal empreitada semanal após a leitura deste artigo, recomendo analisarem por si mesmos a obra, já que serão expostas aqui neste espaço as minhas opiniões, exclusivamente. Aos que se desinteressarem após concluírem a leitura deste artigo, os que não gostam de mangás apenas digo para darem uma chance a Berserk, pelo menos a leitura de um volume. Que seja o primeiro ou o décimo primeiro, não importa; a experiência é indescritivelmente avassaladora e a história perfura nossa alma. Outra vez, apenas a minha opinião, mas se ela vale alguma coisa, é algo que vocês mesmos podem verificar lendo a fim de formarem suas opiniões.
Saudações Inomináveis a todos vós, Realistas Leitores!
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ANEXO
Parei de colecionar Berserk no Volume 18 por causa da má distribuição da Panini com relação a este e diversos outros títulos pelo Brasil. A irritação que senti me levou a parar e no momento não tenho muitas condições de continuar a colecionar, mesmo amando esta obra que acabou se tornando meu Mangá preferido. Talvez os Scans me salvem, mas ler Mangá em um Scan é foda...
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