Batman - O humano por trás do Morcego
Quando se cria um personagem, um dos aspectos mais importantes é sua personalidade. Cada personagem de hqs tem uma personalidade unica, que o distingue dos demais e o define aos olhos dos fãs. Eles possuem traços que o tornam reconhecível e ajuda o publico a criar simpatia por ele. Superman por exemplo, não importa a versão, seja alegre e otimista como o Christopher Reeve ou sério e maduro como a da série animada do Bruce Timm, é sempre retratado como um homem bondoso e altruísta, que sempre busca ajudar os outros e proteger as pessoas que ele ama. Homem Aranha teve 3 versões nos filmes, todas com diferentes elementos mas todas mantendo a essência que o torna reconhecível, com as histórias mostrando Peter como um jovem que lida com o equilíbrio de sua vida heroica com a vida normal.
No entanto, no caso do Batman, apesar de ser um dos heróis mais reconhecidos e populares, muitas adaptações parecem conseguir apenas representarem ele como um vigilante violento, ranzinza e atormentado . Essa características não estão erradas, porém muitos dos diretores acabam ignorando um outro aspecto importante do homem morcego. Algo que ainda tem que ser adaptado nos filmes live action : Sua humanidade.
Quando se trata da personalidade do Batman, muitos
pensam logo na atitude séria do herói, no fato dele ser um cara distante, que
quase nunca sorri, chegando até mesmo retratá-lo como um anti herói que nem o
Justiceiro ou até mesmo um psicopata, claramente buscando explorar o dilema
trazido nas hqs do herói, que ele é tão insano quanto os criminosos. Essa
imagem fica mais forte devido a pessoas como Zack Snyder, que insistem em
retratar o Batman dessa forma, tornando essa versão mais marcada na mente
das pessoas.
No entanto, esse não á único lado de Bruce Wayne. Se
fosse só isso, ele não se tornaria um personagem tão marcante na cultura pop ou
teria aliados como Superman e Mulher Maravilha. Apesar de atitude séria e
sombria, no fundo Batman é um dos heróis que mais se importa com os outros.
A jornada do Cavaleiro das Trevas
Quando estreou na hq Detective Comics 27, em 1939,
Batman tinha uma personalidade diferente da qual estamos acostumados. Ele era o
detetive sombrio, astuto e misterioso, porém não tinha os mesmo limites que ele
tem nas hqs atuais, matando criminosos sem misericórdia, chegando até mesmo
fazer trocadilhos com suas mortes, que nem James Bond.
Quando perceberam o sucesso da hq com o publico jovem,
Bob Kane e Bill Finger mudaram um pouco o tom das histórias, dando para o herói
um sidekick como Robin e tornando sua personalidade um pouco mais light, leve e
divertida, chegando até mesmo mudar seu status quo de um vigilante para um
aliado da lei, que trabalha com a policia.
O tom das histórias do morcego foram ficando cada vez
mais leves e campy conforme o passar dos anos. Da década de 50 e inicio da
decada de 60, Batman tinha ido de um vigilante solitário, para um super herói
que enfrentava aliens, monstros, e tinha vários aliados além do Robin como a
Batwoman, o Batcão e outros. Com a falta de sucesso e a hq correndo o risco de
ser cancelada, o editor Julius Schwartz (responsável pelo redefinir o universo
DC na decada de 60), começou a realizar mudanças na hq do Batman tentando
traze-lo de volta para suas origens como um detetive das ruas. Essa evolução
ficou mais evidente a partir da década de 70, com a entrada do falecido Dennis
O'Neil, que assume os títulos do homem morcego, fazendo suas histórias voltarem
a ter um tom mais maduro, sombrio, marcando o inicio de uma nova era nas hqs do
Batman. O auge dessa transformação acabou rolando na década seguinte, com o
lançamento do "Cavaleiro das Trevas" e "Ano Um",
ambas hqs escritas pelo Frank Miller, que viriam a se tornar bases principais
para criar uma história do Batman, seja nos quadrinhos ou nas adaptações.
No entanto, durante esses anos, parecem que os
escritores da DC ficaram tão obcecados em querem recriar o sucesso das hqs do
Miller, que no processo foram longe demais em retratar o lado negro do Batman e
esqueceram dos aspectos que tornaram suas histórias tão memoráveis o personagem
tão interessante para o publico.
Superação da tragédia
Uma das temáticas exploradas nas histórias do Batman é
a forma como lidar com perda e tragédia, e como um individuo pode converter
essa dor em algo bom, inspirador, que o torna uma pessoa melhor. Bruce Wayne tem
um passado trágico e complicado, tendo perdido seus pais quando criança. No
entanto, ele lidou com o trauma se dedicando a treinar seu corpo e mente para
poder evitar que aquela tragédia se repetisse a outras pessoas. Ao invés de
quebra-lo, ele usou sua perda para motiva-lo a seguir em frente e virar uma
pessoa melhor.
Claro que ele é um badass e pode ser assustador mas
apenas quando necessário. Quando percebe uma pessoa com problemas, ele não vai
pra cima e tenta resolver as coisas na violência, ele tenta raciocinar com ela,
demonstrar compaixão, sabendo diferenciar um monstro antipático como Coringa de
uma vitima de uma tragédia. Até mesmo em sua identidade como Bruce Wayne ele
demonstra esse lado, usando os recursos da sua empresa para ajudar pessoas de
formas diferentes, como oferecer emprego a um ex-criminoso ou usar os recursos
de sua empresa para curar um ente querido dele, como foi o caso da Nora Fries
no universo animado do Bruce Timm.
Batman & Robin
Um dos maiores exemplos da compaixão que Batman possui
pelos outros está em sua relação com seus aliados, em particular com Robin.
Alguns enxergam a presença do sidekick como algo bobo, que tira a essência
sombria do Batman e o impede de ser levado a sério. Mas na realidade, a
presença do Robin é oque ajuda a equilibrar o lado sombrio do herói e expor a
humanidade.
Ao invés de abandonar Dick Grayson e ficar mais
preocupado em capturar o assassino dos pais dele, Bruce deu um passo a adiante,
se indetificando com a perda do garoto e o treinou e ajudou a converter sua dor
num objetivo, numa dedicação a lutar pelo bem dos outros. Além disso, ele
buscou dar ao Dick uma figura paterna, alguém que o garoto pudesse se inspirar,
aprender com seus acertos e erros, de forma a não se torna vingativo e
solitário como o Bruce.
"BATMAN : Robin precisava de ajuda para
capturar os homens que mataram sua familia.
MULHER MARAVILHA: Para ele ficar como você?
BATMAN: Para não ficar."
Batman em Justiça Jovem
Ninguém é perfeito
Outro ponto explorado na relação do Batman com seus
aliados são também seus defeitos. Apesar da insistência da DC atualmente em
querer retratar o Batman como um "deus" que está sempre certo e sabe
de tudo, quando escrito direito, ele não é perfeito, com uma de suas principais
falhas sendo sua dificuldade de se abrir com outros. Devido ao trauma de ter
perdido seus pais, Bruce criou essas barreiras entre ele e outros como forma de
evitar demonstrar vulnerabilidade quando está perto de outros, não querendo
envolve-los em seus problemas. Como resultado, ele acaba saindo como um sujeito
muito arrogante e antipático aos olhos de seus amigos e nisso eles acabam
deixando o herói. Ele não rejeita seus colegas porque ele odeia eles mas sim porque
ele tem medo de demonstrar que se importa com os outros, o que ajuda não só a
tornar o Batman muito mais humano como também dá aos momentos onde ele demonstra vulnerabilidade
muito mais significado.
Traçando limites
Uma das defesas usadas em favor dessas versões ultra
sombrias do Batman é o fato que muitos dizem que seria natural alguém como ele
que perdeu a familia, se torna um vigilante ranzinza e cruel, chegando até
mesmo zoar o Batman por sua insistência em não matar seus inimigos,
dizendo que é mais efetivo ele matar os
vilões. No entanto, nessa atitude, acabam ignorando a importância que esse
código tem para o Batman. Ele não poupa os inimigos apenas porque é a coisa
certa a se fazer, mas pelo fato dele ter perdido seus pais para um ladrão armado.
Ele odeia armas de fogo e vê o ato de matar como uma ação covarde, algo bem do
nivel do criminoso que matou seus pais, justificando sua recusa em se rebaixar
a isso. É que nem Homem Aranha. Peter teve seu tio Ben morto e queria vingança,
mas ao descobrir que o assassino foi o mesmo ladrão que ele não deteve quando
teve chance, ele não pode prosseguir com seu desejo, com sua culpa motivando-o
a salvar pessoas e não se torna o mesmo monstro matou seu tio.
Linha entre herói e o vilão
Um dos motivos pelos quais a compaixão do Batman fica
muitas vezes sendo deixada de lado se deve ao fato de muitos escritores
quererem explorar a relação dele com seus vilões. Um dos aspectos mais
conhecidos da galeria de inimigos Batman são suas semelhanças com o herói, o
fato dos seus inimigos apresentarem traços de sua personalidade (ex: Charada
representa seu intelecto e obsessão, Sr Frio representa sua solidão e
dedicação, etc...), a ponto que muitas histórias como Piada Mortal, Asilo
Arkham ou o episódio Julgamento da série animada exploram esse paralelo
trazendo a questão se o Batman é tão louco quanto os criminosos que ele prende.
O problema é que durante os anos parece que muitos
roteiristas se aprofundaram demais nesse assunto, retratando o Batman como
psicopata antipático, fortalecendo o dilema e esquecendo o ponto dessas
histórias não era confirmar que o Batman é louco como seus inimigos mas sim o
contrário. Ele pode compartilhar certas semelhanças com seus vilões, porém ele
não desce ao nível deles a ponto de enlouquecer. Como Dumbledore disse a Harry
Potter em Ordem da Fênix "Não são as semelhanças entre vocês. São as
diferenças!". Sim, Batman possui semelhanças com seus inimigos, mas o que os difere é o fato dele não ter seguido pelo mesmo caminho deles. Ele foi na direção oposta, usando a tragedia em sua vida para motiva-lo a se tornar uma pessoa melhor ao invés de descontar sua frustração em outros como os vilões.
Exemplos da humanidade do Batman
Quando se trata das hqs atuais, existem vários
exemplos onde o Batman salva o dia não batendo num criminoso, mas falando e
conseguindo resolver a situação sem necessitar de violência. Um dos melhores
exemplos disso é a hq Guerra ao Crime, de Paul Dini e Alex Ross, onde o climax
não tem o Batman tendo que espancar o criminoso ou vencer o Coringa numa
batalha épica, mas sim impedir um garoto de seguir uma vida de crimes,
inspirando-o a ser melhor que os criminosos que arruinaram sua vida do que se
tornar igual a eles.
Já no caso das adaptações, enquanto a humanidade do
herói ainda falta ser explorada nos filmes (a menos que conte a cena onde ele
passa um casaco para um mendigo em Batman Begins), quando se trata de outras
adaptações, principalmente as animações, o personagem é muito bem adaptado, com
o melhor exemplo sendo o universo animado do Bruce Timm. Um dos motivos pelos
quais considero essa versão do Batman a melhor de todos é o equilibrio que o
Timm e o Dini deram para o herói, sabendo ter o herói sendo sério, sombrio, mas
nunca a ponto de torna-lo antipático, sabendo quando ter momentos onde Batman
deixa de lado sua postura sombria e demonstra sua compaixão, heroismo e o
principal de todos humanidade, tornando episódios como "Coração de Gelo","
Nunca é tarde demais" "A Bonequinha", "Acerto de Contas de
Robin" e "Epilogo" bem mais emocionantes e marcantes.
O futuro do Cavaleiro das Trevas
Em 2021, o Cruzado Encapuzado será adaptado mais uma
vez nas telas no "The Batman" vivido pelo Robert Pattinson. Por um
lado, parece que Matt Reeves tem umas ideias boas para o Batman e tocará em
aspectos ainda não explorados como o lado detetive do morcego. Porém, embora eu
esteja ansioso para o filme e o estilo que Reeves dará aos personagens, eu
espero que a nova franquia não deixe de explorar o lado humano do Bruce,
mostrando ele não só como um vigilante que espanca criminosos, mas também um
herói, uma pessoa que se preocupa com os outros e tenta ao máximo ajuda-las,
seja em sua identidade heroica ou em sua identidade civil.
Depois de vários filmes do Batman focando no lado
lutador e na sua personalidade séria e solitária, seria bom se esse novo reboot
apresenta-se esse outro lado do herói, ajudando a tornar essa versão diferente
das outras, como também dando algo novo para o publico, uma nova versão do
Batman nos filmes que é um vigilante
badass mas também um personagem humanizado.
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