Uma
foto tirada nas ruas de uma cidade da Malásia está a escandalizar as
sensibilidades e a encolerizar os brios do povinho sebento e excomungado
das redes sociais, os patrulheiros da moral mundial e globalizada.
Um
retrato da miséria e das condições sub-humanas em que vive grande parte
do povo malaio? Uma polaroide chocante do tráfico, do trabalho forçado e
da prostituição infantis, que colocam a Malásia na lista negra da ONU
dos lugares de maior vilipêndio ao menor? Porra nenhuma! Que ser humano
vivendo na merda é o que mais há nesse mundão do bom Deus, e os
paladinos do feicibúqui só se ocupam das "minorias", daqueles que
não têm como se proteger do abuso, exploração e preconceito. A miséria
humana generalizada já não causa mais comoção nem dá mais ibope, e os
justiceiros sociais de iphone querem é bombar, é viralizar, é receber milhões de likes e de cutucadas no cu.
A
foto que vem matando de catapora as bichanas politicamente corretas é a
de um cachorro, sem nenhum sinal de maus-tratos físicos, de doenças ou
de desnutrição, que alguém, muito provavelmente o dono, tingiu a pelagem
de laranja e traçou nela listras verticais pretas, a imitar a
padronagem de um tigre. Ficou até legal.
Foi
o que bastou para que os bostonautas vomitassem todo o seu repúdio e
suas indignações de gente bem nascida e bem nutrida contra o anônimo
maquiador do cachorro. É um abuso, gritaram alguns; quem vai pagar pelo
sofrimento e humilhação impostos ao cão, bradaram outros.
De que forma esse cachorro pode estar a padecer? Que incômodo, a sentir? Será que está a ser alvo de gozação e de bullying por parte dos valentões do bairro, da vira-latada barra pesada? Será que o ONG Tigres de Bengala, Sim, Porém Sempre em Riste
está a ameaçá-lo com um processo por falsidade ideológica? Será que a
pintura vai deixar o cachorro em dúvida e com profundos conflitos a
respeito de sua identidade e gênero? Ora, vão à merda! Depois de sua
suma criação, o ser humano "vitiminha", o Homo mi-mi-mi, que é o
encostado a quem o mundo nunca dá oportunidade, o politicamente correto
está em fase final de testes de seu último protótipo : o animal
oprimido, o pet discriminado. Quiçá, conseguirá lavrar um novo
inciso em nosso Código Penal, o Peticídio. É muita viadagem! Sem, de
forma alguma, querer ofender ao veado, o galante e imponente cervídeo.
Sem portar nehuma coleira, ou qualquer outra forma de identificação, o cachorro foi recolhido pela Persatuan Haiwan Malaysia,
associação de defesa dos animais no país asiático, que relatou a
"triste" história do cachorro no feicibúqui da organização para ver se
consegue localizar o dono ou alguém que conheça o animal. Agora é que o
dono não vai aparecer, mesmo. Agora é que ele não vai se arriscar a ser
linchado por ativistas e passivistas de ONGs ambientais.
Vai
ver o nome do cachorro é Tigrão, ou o seu equivalente em malaio, e o
dono só quis adequar a pessoa ao nome. Fantasiou o bicho de tigre.
Aliás, fantasiou, não, fez um cosplay! Que fantasia, agora, virou cosplay! Valha-me São Clóvis Bornay!
O cachoro malaio é um cosplay do Tygra, dos Thundercats! E sai com essa espada pra bem longe do meu olho de thundera!!!
Denúncias de "abusos" semelhantes chegam também de outras partes do mundo. No mês passado, uma outra foto, publicada pelo Indian Express,
tirou o sono e fez descer a menstruação dos protetores dos animais. Em
uma festa de casamento realizada em Cadiz (Espanha), havia, como parte
da "decoração" do ambiente, dois cosplays de zebra, dois burricos pintados com listras verticais negras. E dá-lhe chilique dos ambientalistas.
Burro
pintado de zebra não é abuso. É tradição. É um clássico. Quando eu era
moleque, era comum a figura do carroceiro, geralmente um senhor de
idade, que passava pelas ruas a levar pelo cabresto um burrico atrelado a
uma charrete. Os bom velhinho ia perguntando às mães se não desejavam
fazer uma foto dos seus pimpolhos na charrete ou mesmo montados no
burrico. Eram charretes todas decoradas, com burricos ornados e
paramentados, mais enfeitados que bicicleta de baiano. Não raro, esses
burricos estavam caracterizados de zebras, era comum. E lá estava o
burrico, todo tranquilo, gordo, com pelos lustrosos e bem escovados,
manso, sem nenhum medo da aproximação das pessoas, atitude comum em
animais que passam por maus-tratos. Hoje, aqueles simpáticos velhinhos
seriam denunciados, autuados pelo IBAMA e privados de seu ganha-pão. O
que é maior abuso, ou, simplesmente, o que é abuso, o sujeito que
traveste o burrico de zebra ou o grande industrial que o transforma em
mortadela defumada e gourmet?
Minha
sogra, pessoa da maior honestidade e correção, ganhou a vida fazendo
bolos para festas; casamentos, batizados, aniversários, formaturas. Até
bolo para aniversário de puta de zona, ela já fez muito. Verdade! Eram
suas freguesas habituais, as meninas da Buate da Vilma (com "U"
mesmo), estabelecimento de diversão adulta muito famoso na pequena
cidade mineira em que reside nas décadas de 1970, 80 e 90. Tinha festa
no zonão, só dava a minha sogra, o bolo da minha sogra, quero dizer.
Pois bem. Por quase 15 anos, minha sogra teve uma cadela poodle que a acompanhou ao pé do fogão em sua faina diária, a lhe fazer companhia e à espera de alguma sobra de bolo. Não era dessas poodles toys. Era uma poodle
gigante. Grande e gorda, devido à dieta de raspas de bolo; uma cadela,
literalmente, tratada a pão de ló. Branca, mais parecia uma ovelha que
uma cadela; não por coincidência, respondia por Dolly. Odiava-me, a
Dolly. Não podia me ver que já rosnava.
De
vez em quando, dava uma louca na minha sogra e ela coloria a Dolly,
tingia a pelagem dela com as suas anilinas de bolo. A Dolly ficava azul,
rosa, alaranjada. Verde-amarela, nos anos de Copa do Mundo. Morreu de
velhice, gorda, feliz e sempre muito bem tratada e paparicada. Hoje, se
algum(a) desocupado(a) passasse em frente ao portão da casa da minha
sogra e tirasse uma foto da Dolly azul a dormir tranquilamente no
alpendre e a postasse nas redes sociais, a minha sogra estaria em palpos
de aranha. A Sociedade Protetora dos Animais, acompanhada da Polícia,
logo bateria à sua porta com um mandado de busca, apreensão e condução
coercitiva. Minha sogra seria execrada nas redes sociais. A "véia" seria
"cancelada". Nunca mais venderia um mísero bolo em sua vida. Nem pra Buate da Vilma.
Apesar do brasileiro ser um povinho que copia o que há de mais inútil dos outros povos, tenho certeza de que o cosplay
de tigre para cachorros não pegará por aqui, não se tornará em uma
tendência. Primeiro porque o belo animal nem faz parte de nossa fauna
nativa e, segundo, que o animal em voga no momento, o bola da vez, é um
parente muito mais próximo, assemelhado e nobre do Canis familiaris : o lobo-guará. No Brasil, o cosplay pra cachorro que vai "causar" nesta próxima estação é o de lobo-guará.
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