Em pequena e breve tertúlia sobre cervejas, entre ele e GRF nos comentários do blog, Mr. F disse que não liga de gastar seu dinheiro em boas cervejas, mas que também não foge da raia se alguma mais bagaceira lhe cai ao copo.
Conta-nos que, no quesito cerveja, já foi literalmente do Céu - já provou da lendária Deus Brut Des Flanders - ao inferno, ou, ao menos, ao purgatório - entornou também muito da cerveja Polar. E se mostrou um verdadeiro entendido em Polar, na pérola da cidade de Estrela (RS). Disse existir a Polar gaúcha - a qual já tomei muito, quando de minha estada em Gramado (RS), e que não é das mais intragáveis - e a Polar paraguaia, que nunca provei, mas que, pelo que Mr. F me deu a entender, se um cavalo comer malte, lúpulo e cevada e depois mijar, sai coisa melhor que a dita cuja.
Falou que já tomou da Polar em Santa Catarina, onde residiu por um tempo, e no Paraná, mas que acredita que ela nunca tenha ultrapassado a barreira da região Sul e sido distribuída e comercializada no Sudeste e demais regiões do país.
Engana-se, Mr. F.
Como eu disse, entornei muito da Polar gaúcha quando estive em Gramado (RS), e por dois motivos. Primeiro : porque sou um dedicado pesquisador, um arqueólogo, um escavador de boas e baratas, e, sendo assim, sempre que viajo, vou aos mercados para descobrir marcas locais. Segundo : tomei-a com muito gosto também por nostalgia, para reavivar, fazer pegar no tranco a memória afetiva, para dar uma voltinha no meu túnel do tempo.
Engana-se Mr. F. A Polar já pisou terras sudestinas. Saiba, pois, que além da Polar gaúcha e da Polar paraguaia houve uma Polar paulista. Mais que paulista : uma Polar ribeirão-pretana, uma Polar caipira, por assim dizer. Ou, ao menos, existiu, durante quase toda a década de 1990, uma cerveja que circulou por aqui sob o rótulo de Polar - o porquê desta ressalva, desta desconfiança, digo mais ao fim da postagem.
Na década de 1990, só existiam cerveja de macho! Nem existia, então, o termo artesanal aplicado à boa e velha loura gelada. Artesanal, na época, eram as miçangas, os colares de contas, os brincos de pena, os incensos e os cachimbinhos para fumar maconha vendidos pelos hippies da Praça da Bandeira. Gourmet, então, é que piorou. Era tão-somente uma marca de margarina, ruim pra caralho.
As cervejarias Antarctica e Brahma dominavam o mercado cervejeiro. Existia a Skol e era bem conceituada, mas meio que corria por fora desta briga, parece-me que tinha produção mais modesta e ainda não investia tanto em publicidade. Foi quando começaram a surgir marcas mais baratas e populares, alternativas ao quase monopólio das duas grandes. A Kaiser surgiu nesta época, também a Malte 90, que chegou, se não me falha a velha memória, a patrocinar um Rock'in'Rio. Ainda a Nova Malta, a Krill, a Belco, a Cintra, a Itaipava e outras.
Foi neste novo cenário, de maior diversificação e concorrência, que a Antarctica de Ribeirão Preto lançou a Polar. Uma cerveja mais barata para disputar este nicho mais popular. Uma maneira de abiscoitar parte deste novo filão sem precisar baixar o preço de sua marca líder e correr o risco de depreciá-la às vistas de seus consumidores habituais.
Daí em diante, foi uma festa. Melhor : foram várias festas. Todas na república do meu corno amigo Fernandão. 1990, 91, 92, 93 e Copa do Mundo de 1994. Tudo regado a Polar. Eram tempos de faculdade, todo mundo duro e de bolsos furados. Como manter o (baixo) nível das festas? Polar! A Polar foi nossa tábua de salvação. Era baratíssima. Não me lembrarei de valores exatos, até porque passamos por várias moedas nesta época, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro, Cruzeiro Real. Mas sei que, durante a Copa de 94, a ampola de 600 ml da Polar saía a centavos da recém-criada moeda do Real. Era mais barata que passagem de ônibus. Se fôssemos a pé para a faculdade ao longo de toda a semana, dava pra comprar uma caixa de 24 ampolas no sábado. Sobrava até para o pão e o vinagrete.
Bebi muito da Polar caipira, Mr. F. E não posso me queixar dela no famoso dia seguinte. Muitas vezes, para não perder o público que viajava para a casa de seus pais ao término das aulas da sexta-feira, as festas eram realizadas nas quintas. O batente começava por volta das 21, 22 h e alguns de nós - eu, o Fernandão e os da "diretoria" - íamos fácil até as três, quatro da matina.
E, em verdade, vos digo, Mr. F : nunca tive uma porra de uma ressaca por conta da Polar. Nem sequer uma leve dor de cabeça. No outro dia - aliás, no mesmo dia, apenas umas poucas horas depois -, na sexta-feira, estávamos todos lá, às oito da manhã, a assistir a aula de Cálculo II do grande mestre e mito Jairzão.
Um único efeito adverso decorria do nosso consumo nada moderado de Polar. Um dano colateral que batizamos de O Efeito Polar : a gente cagava mole por uns dois ou três dias. Cagávamos feito patos. Mijávamos pelo cu. Chegava uma hora em que a gente nem mais limpava, só enxugava. E dá-lhe maisena pra não assar o toba.
Porém, voltando agora à ressalva feita mais ao início, há a possibilidade de que a Polar nunca tenha sido mesmo comercializada por aqui, apenas o seu rótulo a conter outra cerveja. É que alguns bebedores-raízes da Antarctica tradicional também experimentaram a Polar e garantiam, e juravam de pés juntos e cambaleantes, que o líquido contido na Polar era exatamente o mesmo das garrafas com o clássico rótulo do Pinguins Imperiais. Que a Polar era a própria Antarctica, em trajes mais humildes, mais classe C, uma Antarctica de chinelos Havaianas (na época, Havaianas eram coisa de pobre fudido). E que a Antarctica adotara tal estratégia para não ter que reduzir a produção, ou não ver parte dela estagnar nos tanques, em virtude da redução das vendas causada pelo advento das emergentes cervejas mais baratas. Sacrificava parte da produção a um preço inferior para evitar perdas maiores. A Polar caipira teria sido o boi de piranha da Antarctica.
Sejam verdadeiros, ou não, os rumores, o fato é que o hábito faz, sim, o monge. Se o rótulo era Polar, também o seu conteúdo. Até porque ela cumpriu com galhardia a sua função : era boa e barata.
Nunca vi dela em latinha, acho que nunca foi produzida desta forma, apenas em ampolas âmbar de 600 ml, e o rótulo que tantas alegrias nos deu era este aí abaixo:
Bem diferente do atual, mais colorido, alegre, festivo, mais turma do arco-íris, enfim... mais gaúcho.
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