Reassisti a O Sombra, filme em que Alec Baldwin interpreta o famoso personagem
dos pulps. Quem não conhece o Sombra
tem de saber que ele é um dos antecessores de certo Cavaleiro das Trevas (que
sofreu muita influência do personagem) e foi muito popular em sua época, graças
ao programa de radio e às revistas pulps.
Nos anos 80, ele teve um revival nos
quadrinhos por Howard Chaykin pela DC Comics e, desde então, tem mudado de
editoras. Nos anos 90, o personagem era publicado pela Dark Horse; nos anos
2000, é pela Dynamite.
O impacto cultural que o Sombra teve na
cultura norte-americana não é brincadeira. Nós que vivemos na Banânia não temos
nem ideia, mas ele foi realmente um personagem de grande relevância. Está certo
que hoje em dia seus fãs fazem parte de um nicho. Entretanto, o Sombra teve até sua
série de matinês nos anos 30.
Então, nos anos 90, os produtores de
Hollywood tiveram a ideia de levar o Sombra para os cinemas. Finalmente, em
1994, o filme foi realizado, e Alec Baldwin foi escalado para o papel. A
despeito de eu achar Baldwin um canastrão, ele realmente calhou bem na
representação do personagem, até mesmo fisicamente. Apesar de que, durante o
filme, muitas vezes Baldwin dispensa a maquiagem do Sombra para deixar seu
rosto à mostra.
A origem do Sombra no filme é diferente
da dos pulps. No original, ele é Kent
Allard, um ex-aviador que lutou na Primeira Guerra Mundial e depois voltou para
os Estados Unidos e assumiu a identidade do misterioso Sombra e também de seu alter ego, Lamont Cranston. No filme, já
desde o começo é Lamont Cranston, mas, após ter lutado na guerra, ele migrou
para a Ásia e dominou o comércio de ópio como Ying-Ko, um tirano sanguinário,
deixando que o mal tomasse conta de seu coração.
Cranston então é sequestrado por monges
tibetanos e levado a Tulku, o líder do templo, que faz com que ele se arrependa
de sua vida de crimes e abandone a existência como Ying-Ko. Sete anos depois,
Lamont Cranston está de volta a Nova York, agindo como o Sombra, com a ajuda de
vários de seus agentes. Ele também conhece Margot Lane, uma bela mulher que
resiste a seu poder de sugestão e consegue ler sua mente. Pelo menos nos
quadrinhos que li, é evidente que Lamont Cranston tem uma relação de alcova com
Margot, a come, mas a relação deles é um tanto fria. O Sombra até gosta de
Margot, mas não é por isso que deixa de usá-la como uma de suas agentes em seus
estratagemas para combater o crime. A personagem também tem uma origem
diferente nos quadrinhos e nos contos pulp;
Margot era uma vigarista que enganava os ricaços com sua beleza, mas que acaba
sendo recrutada por Cranston.
No filme, Margot é a filha do professor
Reinhardt Lane, interpretado por nada mais nada menos que sir Ian McKellen, o eterno Gandalf,
Magneto etc., mas que na época era desconhecido tanto pelo espectador americano
quanto pelo bananense, apesar de no Reino Unido ser já há muitos anos conhecido
como um grande ator shakespeariano. O chefe do professor Reinhardt é o
mau-caráter Farley Claymore, cujo ator é o grande Tim Curry. O filme tem um
elenco de destaque. Margot é interpretada por Penelope Ann Miller, uma
proeminente atriz de Hollywood na época. O relacionamento de Lamont Cranston e
Margot Lane na película é de romance hollywoodiano mesmo, para ser mais
palatável para o público.
A tranquilidade do Sombra tem fim quando Shiwan
Khan, o herdeiro de Genghis Khan, surge em Nova York, com
intenção de expandir seu império para a América. O vilão tem poderes mentais de
sugestão hipnótica e controle da mente e consegue dominar telepaticamente o
professor Reinhardt, com o objetivo de fazer uso de um
dispositivo inventado por ele e criar uma bomba. Shiwan Khan é realmente um dos
grandes vilões do Sombra nas revistas pulps.
O personagem não tinha muitos vilões recorrentes, pois ele não costuma deixar seus
inimigos com vida. Entretanto, acho que Shiwan e Benedict Stark eram os dois
vilões do Sombra mais presentes nas histórias. Shiwan até é retratado por
Bill Sienkiewicz na HQ Luz e sombra.
Hoje em dia, nestes tempos politicamente corretos, não seria admissível um
personagem que encarna o estereótipo asiático de um Fu Manchu genérico, mas nos
anos 90 não tinha essa frescura e estava tudo de boa. E agora a China voltou a
ser do mal graças ao coronavírus mesmo.
Margot pede ajuda a Lamont Cranston para encontrar
seu pai, e ambos acabam confrontando Shiwan. O roteiro estabelece um paralelo
entre o Sombra e Shiwan, e o vilão na realidade seria o que Lamont Cranston teria
se tornado, se não tivesse renunciado ao mal. O Sombra e Margot devem então
encontrar o edifício invisível de Shiwan e impedir a detonação da bomba que
varreria Nova York do mapa.
É óbvio que o roteiro de O Sombra é uma transcrição dos pulps, e há todo tipo de estereótipo desse tipo de história. É um
tipo de roteiro simples, mas que cumpre sua finalidade em um enredo de filme de
aventura/ação/quadrinhos. A direção de Russell Mulcahy é competente e consegue
dar o tom retrô necessário. A cenografia e a reconstituição da Nova York dos
anos 30 estão ótimas e não ficaram datadas; convencem até hoje. Em uma época de
exaustão de filmes de heróis de quadrinhos, O
Sombra consegue ser melhor que muito filme da Marvel lixo da atualidade.
Evidentemente que pode ser discutível se é um filme de quadrinhos, pois o
Sombra é um personagem da literatura pulp.
No entanto, por esse argumento, Conan também não é um personagem oriundo dos
quadrinhos, apesar de esta ter sido a mídia que o ressuscitou para um novo
público de leitores. E o tom de O Sombra é
mesmo de HQs e também de homenagem aos pulps. É igualmente discutível se o Sombra é um herói; creio
que, pela percepção contemporânea, ele não seja, pois tem uma justiça
implacável e é manipulador. No entanto, para a época em que foi criado, os
violentos anos 30 pós-Grande Depressão, não seria forçoso o considerar um
herói.
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