O PREÇO DA VERDADE
por Joba Tridente
publicado originalmente em Claque
ou Claquete
O cinema é uma plataforma com fotogramas disponíveis para
os mais diversos assuntos. Porém, alguns são mais cíclicos que outros. Varia
conforme a bilheteria e o público alvo. O que não quer dizer que o assunto da
moda funcione sempre. Por isso, quando um tema espinhoso e indigesto (que se
quer esquecido ou oculto) consegue vencer os bastidores da mediocridade e
mostrar a sua relevância na telona, há que se saudar. Como é o caso do perturbador
drama jurídico O Preço da Verdade (Dark Waters, 2019),
brilhantemente dirigido pelo norte-americano Todd Haynes (Velvet
Goldmine; Longe do Paraíso; Não Estou Lá; Carol).
Roteirizado por Mario Correa e Matthew Michael
Carnahan, a partir do artigo The
Lawyer Who Became DuPont's Worst Nightmare (O advogado que se
tornou o pior pesadelo da DuPont, 2016), de Nathaniel Rich,
publicado na The New York Times Magazine..., tema anteriormente tratado no
ótimo artigo (muito bem ilustrado com áudios e fotos) Welcome
to Beautiful Parkersburg, West Virgínia (2015), de Mariah Blake, e no
documentário The Devil We Know is
(2018), de Stephanie Soechtig..., O Preço da Verdade acompanha o
desenrolar do árduo processo movido (por mais de uma década) pelo advogado
corporativo Robert Bilott ( Mark
Ruffalo), do escritório de advocacia Taft Stettinius & Hollister, de Cincinnati,
Ohio - USA, contra a toda poderosa multinacional DuPont, responsabilizada por
crime ambiental e de saúde pública.
A história começa com uma desconstrução de valores
impressionante. De um lado, Robert Bilott (Ruffalo), um advogado
corporativo satisfeito por ingressar no grupo Taft Stettinius & Hollister, que
defende as mais importantes empresas químicas do país e está negociando seus
serviços advocatícios com a DuPont. Do outro, Wilbur Tennant (Bill
Camp), um fazendeiro desesperado por acreditar que a DuPont está envenenando
as águas da sua terra e matando o seu gado. Por ironia do destino, é Billot
que Camp quer contratar..., movido pela nostalgia de um passado bucólico
do advogado em Parkersburg, West Virginia - EUA. Dá-se, então, entre os dois,
um embate interessantíssimo sobre ética profissional versus corporativismo
versus ativismo. Ao findar o prólogo, a arena para a luta (desigual) entre Davi
e Golias começa se desvelar. O que o espectador verá a seguir, certamente o
deixará enojado...
Com narrativa linear, cuja trama vai sendo tecida ao
ritmo das descobertas de experiências apavorantes ocultadas pela DuPont, no
processo químico de fabricação de seus produtos consumidos em quase (?) todo o mundo,
O Preço da Verdade proporciona ao espectador o mesmo sentimento de
indignação de Robert Bilott diante do drama absurdo que envolve Wilbur
Tennant, sua família e a criação de gado, bem como os empregados da DuPont.
O mergulho nessas águas escuras e fétidas é nada
prazeroso. Principalmente por mostrar a impotência de cada braçada do
cidadão/consumidor para chegar saudável à alguma margem, onde o empresariado
corporativista arma as suas barragens de acordo com o acordo de ocasião (se
possível) com cada reclamante. Há um dilema (de difícil escolha?) que permeia
as entrelinhas do enredo, relacionado ou não à questão da DuPont: Quando uma
cidade inteira depende do emprego de uma fábrica que pratica crime ambiental e
coloca em risco a vida dos seus funcionários, ela deve ser fechada, deixando os
empregados na miséria e ou continuar aberta, matando os funcionários e
destruindo o meio ambiente? No Brasil, inclusive, há muito “cidadão” que é
contra a condenação de empresários corruptos porque os criminosos empregam
“muita” gente.
Enfim, considerando a precisão do roteiro, que flerta
com o documentário e com thriller; a notável direção de Todd Haynes, que
não tem pressa em contar a indigesta história real, focando apenas no que é imprescindível,
para não se atolar na exploração espetaculosa; os diálogos inteligentes e os
silêncios subentendidos; o elenco afinadíssimo, que traz também Tim Robbins, Anne
Hathaway, Victor Garber e Bill Pullman; a edição inspirada: como,
por exemplo, no momento tenso em que Billot explica à sua mulher a
descoberta do processo de envenenamento dos diversos produtos (panelas teflon,
tapetes, água) da DuPont e a fala naturalmente se estende a outros personagens
relacionados, em cenários distintos, numa costura de breves sequências (sem
redundância) da evolução do tempo (de passagem) e da ação narrativa até a
conclusão nervosa, porém, fascinante; o mal-estar da excelente fotografia
naturalista (lúgubre e claustrofóbica) de Edward Lachman..., relevando a trilha
sonora inconveniente e pensando no público que não leu os artigos e ou assistiu
ao documentário e jamais suspeitou dos processos criminosos da DuPont para
fabricação dos seus produtos, e que vai ficar muito apreensivo (com as
revelações) e a pensar seriamente no que fazer (ao menos) com as suas panelas e
frigideiras teflon, recomendo O Preço da Verdade tanto a quem gosta do
gênero investigação/tribunal quanto a quem tem interesse em saber sobre o potencial
da química venenosa que nos rodeia no dia a dia...
*Joba Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários
fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em
2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de
curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência
de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do
norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003),
de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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