Privada Anticagão


Estão querendo pôr um fim à privacidade do privadão, ao lúdico e ao terapêutico da cagada, ao necessário ócio purgativo : enfim, estão querendo acabar com a alegria e a boa vida do cagão das antigas.
Eu gosto muito de me deixar e de me largar ao vaso sanitário, mesmo depois do serviço acabado. Muito me apraz esquecer da vida sentado ao trono do privadão. São meus raros momentos de tranquilidade. Não sei se acontece com todos, mas esteja eu fazer o que estiver fazendo - assistindo a um filme, lendo um livro, ouvindo uma música, fazendo comida, bebericando uma boa e barata -, sou constantemente solicitado e interrompido : o filho pede uma coisa, a esposa pergunta outra, o telefone toca, Testemunhas de Jeová batem à minha porta etc.
O único lugar em que não sou perturbado nem interrompido é o banheiro. Quando estou ao trono celestial, ninguém me chama. Parece haver um respeito natural e atávico por quem está cagando, talvez por sugerir uma posição de vulnerabilidade. Ninguém me pede nada quando estou a obrar - ou quando acham que estou.
É no privadão que, muitas vezes, eu leio, faço palavras cruzadas, escuto uma musiquinha, rascunho textos para o Marreta. Tenho sempre, na pedra de granito sob a pia do banheiro, ao alcance de minha mão, ainda que sentado, um caderno e uma caneta bic, uma edição de palavras cruzadas e vários livros. A exemplo, estão por lá, hoje, um Dalton Trevisan, um Rubem Fonseca, uma biografia do Bukowski, uma coletânea do contos do Machado de Assis e um Isaac Asimov. Palavras cruzadas que não resolvo em outros cômodos da casa, são facilmente solucionadas no banheiro. Textos emperrados desempacam.
Tenho a impressão de que os pensamentos e as ideias fluem melhor e mais livres no privadão. Talvez não seja só impressão, afinal, alguns cientistas chegam mesmo a chamar os intestinos de um "segundo cérebro". 
Nossos intestinos têm meio bilhão de neurônios, que produzem mais de 30 neurotransmissores, incluindo 50% de toda a dopamina e 90% da serotonina presentes no organismo. São bem menos neurônios do que existem no cérebro (cerca de 85 bilhões), mas é número suficiente para formar um sistema nervoso próprio, responsável por coordenar tarefas como a liberação de substâncias digestivas e os movimentos que estimulam o bolo fecal a ser despachado. Esses circuitos operam sozinhos, ou seja, independem do comando cerebral. Nossos intestinos são bem mais inteligentes que a cabeça do pau e do que eleitor do Lula, e do que o próprio Lula.
Faz todo sentido : a gente vai lá, evacua os intestinos, libera o espaço para novas ideias, os neurônios são estimulados e os pensamentos brotam. Será que dos neurônios entéricos advém também o fato de que boa parte dos grandes gênios da humanidade tenham sido homossexuais? De que brilhantes mentes se apeteciam de dar ré ao quibe, de agasalhar o croquete? O gênio levava aquela cutucada no cano de escape, os neurônios eram excitados e grandes obras eram produzidas. Será que daí vem o eufemismo "obrar",  relativo à evacuação dos intestinos?
Sinceramente, digo-vos que não sei. Só digo que, se uma das portas de acesso à genialidade for a porta do cu, eu prefiro me resignar mesmo à minha inteligência mediana. Ou merdiana? Eis uma porta da percepção, valha-me São Huxley, que eu me abstenho de abrir. Longe, muito longe de ser sexual ou erótico o prazer que sinto ao me recolher ao banheiro é existencial, metafísico, um desapego da matéria, se é que vocês me entendem.
Pois, agora, neste mundo globalizado e corporativo selvagem, estão querendo acabar com isto, com o lazer e prazer do cagão.
O designer de bosta Mahabir Gill criou um vaso sanitário extremamente desconfortável, diria até hostil e beligerante ao seu usuário, para ser instalado em grandes corporações britânicas. A ideia é que os funcionários ingleses passem menos tempo no banheiro durante seus horários de trabalho.
Uma pesquisa filha da puta do app Protecting (sei lá que porra é essa), feita na Inglaterra, revelou que pessoas ficaram em média 28 minutos, durante o mês de dezembro de 2019, no banheiro enquanto estavam no trabalho. “Só no Reino Unido, intervalos longos durante o expediente custam R$ 21 bilhões por ano às empresas”, disse Gill.
Logo na Inglaterra estão tentando coibir os cagões? Logo na terra do trono mais famoso do planeta? E convenhamos, 28 minutos em  um mês, considerando um mês de 20 dias úteis, dá mais ou menos um minuto e meio por dia.
O truque do vaso sanitário repelente de cagão é a inclinação de seu assento, que foi inclinado em 13º em relação à horizontal, ao chão. A inclinação causa desconforto nas pernas do cagão, deixa a perna como num exercício de agachamento. Segundo Gill, mesmo o mais estóico dos cagões não aguenta mais que cinco minutos nesta posição.
O criador ainda afirma que seu vaso traz beneficios à saúde; afinal, de acordo com o canalha, "ficar muito tempo na privada pode desenvolver hemorroidas, diminuir a força pélvica e prejudicar a postura das costas. Como o movimento da perna imita o do agachamento, ainda ajuda a malhar a perna". Conversa mole. O que dá hemorroida é cagar pra dentro, não pra fora. O vaso, batizado de Standard Toilet promete otimizar o tempo dos funcionários das empresas no uso do banheiro e, a depender do modelo, pode custar de 800 a 2600 reais.
Mas o projeto já recebe críticas. A especialista em banheiros (sim, isto existe) Charlotte Jones, curadora do projeto Around The Toilet, que investe em pesquisas sobre o que torna o banheiro um espaço seguro, agradável, acessível e autossustentável, tem um outro enfoque da questão : “Se o seu funcionário está passando muito tempo no banheiro, talvez o ambiente de trabalho da empresa não esteja agradável”, disse. Ou seja, se o ambiente de trabalho é uma merda, o funcionário passa mais tempo no banheiro. Simples assim. Concordo com Charlotte.
Não nego, por outro lado, que possam haver abusos no uso do sanitário por parte de certos funcionários. Como na história me narrada como verdadeira pelo grande Odair, professor de química, ufólogo, livre-pensador e filósofo diletante. Contou-me Odair que, em certa época, lecionara com um professor de história, o qual chamarei aqui, a bem de seu anonimato, de Zé Roberto. Disse-me Odair que Zé Roberto, invariavelmente, sem falhar em único dia letivo, chegava na escola pontualmente às 07:00h. Em todos os dias, às 07:00h. Entrava pela porta principal já com o sinal de entrada a soar e corria para o banheiro, nem dava bom-dia a ninguém, nem passava pela sala dos professores. Um dia, meses depois de ficar observando o comportamento do Zé Roberto, Odair me disse que resolveu perguntar : "por que você não caga em casa?". Respondeu-lhe o sábio Zé Roberto : "porque em casa eu não estou ganhando pra isso".
Pãããããããããããta que o pariu!!!!!



Eis a privada anticagão

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