Crítica: Judy - Muito Além do Arco-Íris



JUDY - MUITO ALÉM DO ARCO-ÍRIS
por Joba Tridente
publicado originalmente em Claque ou Claquete

Ano a ano chegam às livrarias, aos teatros e aos cinemas, em grandes centros culturais do mundo, biografias (autorizadas ou não) de renomados (as) intelectuais e, a se confiar nos (as) biógrafos (as), nos damos conta de que, praticamente, além da sua arte, nada sabemos sobre escritores/escritoras, atores/atrizes, artistas plásticos com quem nos identificamos. Ou melhor, nos identificávamos, uma vez que a maioria já é morta. Ai, perdemos o chão pelo fato do intelectual ser inferior à sua obra e ou muito maior que o seu legado cultural.

Para os amantes do cinema, é impossível ouvir o nome de Judy Garland (1922-1969) e não associá-la (primeiramente) à graciosa e ingênua Dorothy, do cultuado O Mágico de Oz (1938), e à sua magnética interpretação da clássica canção (Somewhere) Over the Rainbow. O filme, dirigido por Victor Fleming, está preservado no National Film Registry e a canção, composta por Harold Arlen e Yip Harburg, ainda é a primeira da lista das melhores canções de filmes americanos. Judy Garland volta ser assunto nas salas de cinema com o drama Judy - Muito Além do Arco-Íris (Judy, 2019), com Renée Zellweger, em estado de graça, incorporando magnificamente a célebre atriz e cantora, num pequeno recorte da sua biografia (musical), sob direção precisa do britânico Rupert Goold.


Baseado no sucesso teatral End of the Rainbow (2005), do inglês Peter Quilter, o enredo adaptado por Tom Edge costura com elegância agridoce o ocaso da cantora Judy Garland, durante a conturbada turnê no The Talk of the Town, em Londres, no ano de 1969, para o empresário Bernard Delfont (Michael Gambon), que também acolheu a dupla Oliver Hardy (o Gordo) e Stan Laurel (o Magro) em fim de carreira (visto no tocante Stan & Ollie, de Jon  S. Baird). Toda via dos conflitos empresariais, financeiros e maternais, no entanto, ainda que o foco seja os bastidores do show em Londres..., destacando as tensas e intensas semanas que antecederam à morte da grande estrela norte-americana (viciada em barbitúricos e álcool) meses depois..., a narrativa busca iluminar também o passado longínquo de Judy, revolvendo o seu alvorecer no cinema, quando, ainda jovem (Darci Shaw), aos 16 anos, preparando-se para protagonizar O Mágico de Oz, a sua adolescência foi sequestrada pelo rígido Louis B. Mayer (Richard Cordery), presidente da MGM, que praticava bullying com o elenco juvenil, obrigando-o a uma entrega escrava ao cinema. É a partir de flashbacks das ações desse passado solitário (e doentio) que a trama tece as reações futuras de carência e de dependência da famosa cantriz. Vejo (também) nesse recorte biográfico (vida adulta) e nota de rodapé (vida adolescente) de Judy, um alerta às tantas promessas jovens que, ao crescer, são esquecidas no Vale das Drogas..., talvez pouco ou nada tenha mudado na Vale dos Sonhos. Será que é o passado que desenha o futuro? Ou o futuro que desdenha o passado? Afinal, na seara do show business nem tudo é jogo de cena. Ou será que é?


Sinceramente não sei se Judy Garland era (tão) multifacetada, como vista na impactante performance de uma irreconhecível Renée Zellweger, que também interpreta com segurança e estilo as belas canções do drama, pois só a conheço do cinema e de um ou outro artigo. Mas, atento às nuances dos fatos sobreviventes àqueles dias confusos, o roteiro me pareceu coerente com o retrato da personalidade icônica que propõe emoldurar..., e sem apelar para o melodrama e ou a pieguice, ao referir-se à relação de Garland com o ex-marido Sid Luft (Rufus Sewell) e os filhos pequenos do casal e ao romance com Mickey Deans (Finn Wittrock).

Li, em algum lugar, que Liza Minelli (citada em uma sequência do filme), filha de Judy Garland, usou as redes sociais para desaprovar a cinebiografia. A verdade é que, no palco das celebridades, um biografado (que jamais autorizou a publicação da sua história de vida) e seus herdeiros nunca ficam felizes com a exposição de “detalhes” pessoais que comprometam a sua “boa” imagem na mídia (ou fita) junto aos fãs. Quem não se lembra do filme biográfico Mamãezinha Querida (1981), de Frank Perry, baseado no livro homônimo (1978) de Christina Crawford, que virou do avesso a vida da grande atriz Joan Crawford (1904-1977)? Felizmente não me parece ser o caso do comedido Judy - Muito Além do Arco-Íris, que visa a compaixão à artista e não o escândalo da artista.


Enfim..., considerando o formidável desempenho de Renée Zellweger (que recebeu vários prêmios por sua performance, incluindo o Globo de Ouro); a direção irretocável de Rupert Goold; a sinceridade do roteiro envolvente que acertou em cheio ao desvelar o antes (alvorecer) e o depois (ocaso) do estrelado de Judy Garland; o ritmo narrativo e a edição enxuta que costura apenas os assuntos de interesse, optando, inclusive, por deixar um bom material subentendido; os tons da fotografia espetacular de Ole Bratt Birkeland (Ghost Stories, The Crown, American Animals); a trilha sonora com as canções marcantes apresentadas no momento certo (e quem resiste a este impacto?); a produção caprichada; a eficiência do elenco coadjuvante, que traz também Jessie Buckley na pele de Rosalyn Wilder, a assistente Judy em Londres..., ainda que o apelo dramático possa alcançar o grande público, creio que o fascinante e imersivo Judy - Muito Além do Arco-Íris tocará mesmo é a velha geração de espectadores. Porém, se a nova geração se der uma chance, poderá se surpreender e também se emocionar com a minibiografia musical da carismática Judy Garland.  


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
* No Claque ou Claquete você encontra críticas para diversos outros filmes.

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