Crítica: Adoráveis Mulheres


Adoráveis Mulheres
por Joba Tridente 
Publicado originalmente em Claque ou Claquete

Lançado originalmente em dois volumes (1868 e 1869) e posteriormente em apenas um (1880), o romance altruísta Little Women (Mulherzinhas), da escritora norte-americana Louisa May Alcott (1832-188), é um fenômeno de crítica e de popularidade, principalmente entre o público feminino, que se vê absorvido pela singularidade e resiliência das jovens irmãs March: Meg (16), Jo (15), Beth (13) e Amy (12). A consideração à obra é tanta que a história da carismática Família March continua recebendo adaptações para teatro (desde 1912), musical, ópera, rádio, televisão (só na BBC foram quatro minisséries: 1950, 1958, 1970 e 2017) e cinema (de 1917 até hoje já somam sete). A mais recente versão cinematográfica do cativante Little Women (Adoráveis Mulheres) a chegar às salas de cinema, com roteiro e ousada direção de Greta Gerwig (Lady Bird), traz em seu elenco Emma Watson (Meg), Saoirse Ronan (Jo), Eliza Scanlen (Beth), Florence Pugh (Amy), Laura Dern (Marmee), Mery Streep (a solteirona tia March), Timothée Chalamet (Laurie, jovem rico e ocioso apaixonado por Jo), Louis Garrel (professor Friedrich Bhaer) e James Norton (tutor John Brooke).


Adoráveis Mulheres (Little Women, 2019) é um drama romântico familiar situado em Concord (Massachusetts) e Nova York, entre as décadas de 1860 e 1870. Na versão de Greta Gerwig, o espectador é apresentado às idiossincrasias da benevolente Família March (em meio à Guerra de Secessão Americana e após o conflito) através do relato, em flashbacks, da impulsiva aspirante a escritora Jo (Ronan), que, na adolescência, escreve peças teatrais e as encena com as irmãs (Meg, que sonha com uma vida melhor e roupas de qualidade; Beth, a tímida e gentil pianista; Amy, a caçula mimada que espera se casar com um homem rico), e, na fase adulta, se dedica à literatura comercial. Fruto de uma família muito amorosa e solidária, Jo fará de tudo para mantê-la unida. Mas, mesmo que não aceite pensar no assunto, sabe que vai chegar o dia em que cada uma deixará o ninho dos pais para construir o seu..., inclusive ela. Afinal, a busca de identidade e de um lugar no mundo (doméstico e ou profissional) não requer, necessariamente, se desfazer dos laços de família ou que deixar de lado o amor matrimonial e os valores humanos.


Ao traçar um paralelo entre a história dos March, relatada por Jo, e um possível processo criativo de May Alcott, que teria se inspirado em sua própria família para escrever Adoráveis Mulheres, o roteiro de Gerwig flerta discretamente com a metalinguagem, homenageando a escritora ativista e com pendor feminista. Toda via narrativa, no entanto, se, por um lado, essa relação entre criadora e criaturas dá um certo frescor à célebre história centenária, por outro, a forma embaralhada (via flashback) escolhida para recontá-la pode não agradar a todo espectador. É que, uma vez que a narrativa inusitada acompanha, de forma totalmente fragmentada, o desenrolar da vida de cada uma das (sonhadoras) irmãs e de alguns personagens circunvizinhos, caberá a ele dar coerência ao enredo. Esse vai e vem (fora de ordem) de passagens (sequências) que joga com o tempo e o espaço narrativo, contribui para abreviar o sentimento do público em relação à doença de Beth, por exemplo. Algumas sequências (passagens) são tão ligeiras que, por mais que uma cena/diálogo evoque uma emoção genuína, não há sequer tempo de absorver e mesmo de se comover antes do próximo salto para o futuro (qualquer) e ou passado (qualquer) da trama. É como se um leitor ansioso folheasse o livro ao acaso, lendo uma página aqui e outra acolá, na esperança de aparecer alguém que lhe explique o encadeamento da trama. Para quem conhece o romance, tudo bem..., a edição jogo da memória cinematográfico pode até ser divertida. Mas, para quem está sendo apresentado a este alvoroçado universo feminino, vai precisar de paciência para amarrar as pontas do enredo. Ou seja: um jogo se cena gratuito que soa mais como puro exibicionismo.


Pode até ser questão de orçamento para contratar um elenco maior (ou escolha equivocada de elenco), mas, em filmes que se passam em épocas diferentes, com personagens que transitam entre a juventude e a velhice, me incomoda a idade dos intérpretes, que nem sempre condiz com a idade dos personagens. E isso vem desde os primórdios do cinema, quando atrizes e atores, com idade e porte físico de 30 anos, “representavam” personagens com a metade da idade. Na maioria das vezes nem a maquiagem salva (O Irlandês que o diga!). Assisti recentemente à adaptação de Adoráveis Mulheres numa bonita e luminosa minissérie da BBC, dirigida por Vanessa Caswill em 2017, e revi a melancólica e envolvente versão cinematográfica dirigida por Gillian Armstrong em 1994. O curioso, na versão de Armstrong, é que, excetuando o fato de apenas a personagem de Amy (aos 13: Kirsten Dunst) envelhecer quatro anos (aos 17: Samantha Mathis), as personagens convencem na jovialidade (física) na primeira fase.

Lembrei desse detalhe acima porque, na versão de Greta Gerwig para Adoráveis Mulheres..., cuja narrativa ágil e não linear quica feito uma bola de pingue-pongue no presente (adulto) e no passado (adolescente), sem se preocupar  com o contexto ou a sequência anterior..., as personagens não envelhecem um fio de cabelo e ou de barba em sete anos. É constrangedor ver Florence Pugh (com a voz grave) fazendo papel duplo: a Amy menina mimada e vaidosa de 13 anos (cabelo solto) e a Amy adulta preocupada com a segurança econômica de um bom casamento, aos 20 (cabelo preso). A atriz, por suas características físicas, dá um ar bem caricato à personagem jovem que, mesmo sendo a mais nova, parece a mais velha das quatro irmãs.


Enfim, embora confunda desnecessariamente o espectador, com um roteiro (de thriller?) que se quer moderno (na exposição de lembranças esparsas), quando a simplicidade original pede linearidade, Adoráveis Mulheres, com seus personagens francos, contraditórios, alegres e repletos de boas intenções, ainda que tenha um apelo (atemporal) feminino/feminista, com diálogos e ou monólogos pertinentes (a mulher no casamento; direitos civis; racismo; moral; solidariedade), não é um filme exclusivo para mulheres jovens e adultas, tem um bocado a dizer também ao público masculino, já que o seu subtexto (inspirador em dias obscuros) tem abrangência global. O elenco é excelente; a direção de arte, o figurino e a fotografia (de Yorick Le Saux) são deslumbrantes. Descontando uma ou outra situação caricata ou inverossímil e a ausência de humor, os/as fãs da roteirista e diretora não devem se decepcionar...

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil. 
*  No Claque ou Claquete você encontra muitas resenhas atuais e antigas!


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