Escrito por: Marreta do Azarão
Respeito muito a prática de atividades físicas. A pessoa que caminha, corre, nada, pedala. Eu mesmo, quando me sobra um tempo, gosto de fazer caminhadas de médias distâncias, 8, 10 km.
Respeito
muito a prática de atividades físicas como uma forma de respeito ao
corpo, como uma forma de reverência - não de devoção -, como uma forma
de manutenção - não de culto. Como um cuidado - não deixá-lo enferrujar
ao relento feito um Fiat 147 -, como um zelo - conservá-lo sempre pronto
a um funcionamento satisfatório.
Respeito
muito a prática de atividades físicas como forma de proporcionar ao
corpo o que a leitura, a escrita, um bom filme, uma boa música,
proporcionam à mente e ao intelecto.
Não
obstante e sem nenhuma paradoxalidade, detesto os esportes! Que é a
atividade física colocada a serviço da competição, da rivalidade e do
fanatismo. Que é a atividade física que não serve ao salutar; antes pelo
contrário, à violação e profanação de todos os limites naturais do
corpo, ao massacre dos joelhos, quadris, coluna, ossos, ligamentos etc. E
também a transformar imbecis em heróis nacionais.
Mais
ainda que ao esporte, detesto as academias de ginástica. Abomino-as.
Que é a atividade física colocada a soldo da mais reles vaidade, do mais
fútil da imagem. Que não serve ao corpore sano; antes pelo
contrário, ao insano da busca por uma beleza das mais questionáveis -
homens com bíceps do marinheiro Popeye e mulheres com coxas e
panturrilhas de jogador de futebol.
Ambiente
dos mais tristes e degradantes, as academias. De atmosfera mefítica de
suores rançosos. De grandalhões em autoadoração em frente a grandes
espelhos. Grandalhões puxando ferro para endurecer os glúteos e depois
levarem ferro. Grandalhões fazendo "rosca" para depois queimarem a
rosca. O fundo do poço do frívolo e do exibicionismo, as academias.
O
fundo do poço? Não. Quando o assunto é o inútil, o superficial e o
vazio, o ser humano sempre arruma jeito de cavar mais fundo.
De uns tempos para cá, as academias foram "elevadas" a um novo grau, a um novo estágio de insignificância : surgiu o Crossfit.
Que é a atividade física posta a serviço do retorno às cavernas e ao
paleolítico, do retorno à cauda prênsil e do regresso às árvores. Que é a
atividade física posta a serviço do atavismo da espécie. Um templo, um
altar erigido em honra e adoração ao Australopithecus.
Anteontem, justamente voltando de uma de minhas caminhadas, passei defronte a uma dessas academias de Crossfit, a Centaurus,
com um enorme desenho a decorar a parede lateral de sua entrada, o
desenho estilizado de uma criatura, representada apenas da cintura para
cima, de um homem com cabeça de cavalo a exercitar o bíceps com um
pesado haltere. De onde se vê que Jumentus seria um nome muito mais apropriado ao estabelecimento.
Os
gorilas, os orangotangos, os babuínos e os mandris estavam todos lá,
distribuídos pelas diversas modalidades de exercícios. Um fazia
agachamento com um peso de 200 quilos nos ombros (com certeza treinando
para melhor aguentar o macho nas costas), outro subia por uma grossa e
áspera corda presa ao teto da academia, outro escalava uma parede, outro
abraçava um grande tambor de ferro e marchava pelo recinto com ele,
outro ainda quase estourava as pregas do cu para carregar um pneu de
caminhão.
Claro
que também não podia faltar outro elemento importantíssimo à prática
tribal : a música. A música a alavancar, a propelir e a comungar num
transe catártico a elite da espécie. A música a servir de mantra
motivacional para quando os músculos e os ânimos começarem a fraquejar e
a esmorecer. Alto, a vedar os tímpanos e a enxotar qualquer resquício
de pensamento que, por acaso, ou por ousadia, por ali pudesse passar ou
surgir, tocava um funk : "Senta, senta, senta! Senta, senta, senta! Senta, senta, senta!".
Ao
chegar em casa, comentei o horror que havia presenciado com minha
esposa. Que me deu uma bela duma espinafrada. Falou que eu parasse de
ser implicante, que deixasse as pessoas fazerem o que bem quisessem e
agradasse a elas. Não retruquei.
Até
porque ela pode muito bem estar certa. Afinal, mas que sujeito chato
sou eu, que não acha nada engraçado? Macaco, praia, carro, jornal,
tobogã, crossfit... eu acho tudo isso um saco!
Afinal,
o que de maior um ser humano do século XXI pode almejar para a sua
vida, para a sua realização pessoal e para a sua felicidade do que
carregar um pneu de caminhão no lombo ao som de um "Senta, senta, senta! Senta, senta, senta! Senta, senta, senta!" ?
Esse aí, não só não inventou a roda como também não descobriu ainda que é muito mais fácil, simplesmente, rodá-la.
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