Escrito por: Marreta do Azarão
Já aos primeiros comentários a respeito, não simpatizei com ele, o Coringa, o Joker de Joaquin Phoenix, o qual passarei a chamar, pejorativamente e para diferenciá-lo dos outros verdadeiros Coringas, de JOaKin.
Soube,
via primeiras críticas que me caíram aos olhos, que haviam mudado e
mexido em sua origem; agora, depois de assisti-lo, digo que chafurdaram
em sua origem.
Não
se mexe em um clássico! Pode-se até, de tempos em tempos, dar-lhe uma
renovada, uma repaginada, como diriam os afrescalhados de plantão.
Pode-se acrescentar novos elementos à história e à mitologia do
personagem, mas não mexer no básico. Pode-se criar e contar histórias
nunca contadas, adicionar ao clássico adereços e penduricalhos,
histórias de bastidores nunca reveladas; enfim, de tempos em tempos,
pode-se dar ao clássico uma nova roupagem.
Uma
nova roupagem, uma nova vestimenta, um novo verniz, uma nova
superfície. Nunca, jamais, em tempo algum, no entanto, mudar-lhe o
cerne, o âmago, a quintessência. E que maior pedra angular do personagem
que a sua origem?
Mexer
na origem é matar o clássico, é parir outro personagem, ainda que
insistam que é o mesmo. Não é. Outro homem tivesse engravidado a sua
mãe, ou, nem precisaria ter sido outro homem, outro espermatozoide de
seu pai, dentre os milhões possíveis, tivesse fecundado o óvulo que lhe
deu origem, você seria você? Não. Não seria.
Não
fui ao cinema assistir a JOaKin, quando de seu lançamento. Não suporto
aglomerações humanas; cinemas, os quais muito já frequentei, hoje me
causam sufocamento e claustrofobia. Assisti ao filme ontem. Baixei-o da
internet. Com boas qualidades de imagem, som e legendas. Só não com boa
qualidade de filme. Mas, aí, a culpa não é dos valorosos piratas e
ripadores deste nosso Brasil dantes mais varonil.
O JOaKin não é o Joker, não é o Coringa. Em nenhum momento das excruciantes duas horas de filme, vi o Joker em JOaKin. Vi um sujeito desequilibrado, transtornado, psicótico e cheio de autopiedade. Mas e o Coringa, onde estava? Em nenhum lugar.
Para
começar, o JOaKin não foi dado à luz da loucura do mundo por conta da
queda e imersão em um tanque cheio de um gosmento produto químico, do
qual emergiu tantã e lelé da cuca e já, e em definitivo, com a pele
descolorida e branca, os cabelos verdes e os músculos faciais ligados à
boca deformados, irreversivelmente, na forma de um perpétuo sorriso -
como foi estabelecido e sacramentado por Bob Kane, Jerry Robinson e Bill
Finger e, depois, fielmente acatado e reproduzido por Tim Burton e Jack
Nicholson.
O
JOaKin nasceu e enlouqueceu a partir de uma sucessão de percalços e de
desgraças pessoais que se abateram sobre a vida de um tal de Arthur
Fleck (de onde tiraram a porra desse nome?), um comediante fracassado de
stand up. O mundo foi batendo, batendo em Arthur - como bate em
todos nós - até que, num belo dia, ele quebrou. E surgiu o JOaKin. O
JOaKin surgiu da inabilidade de Fleck em revidar, ou, ao menos,
absorver, as pancadas que o mundo nos dá cotidianamente. O JOaKin pinta
os cabelos de verde com tintura Wellaton, maquia a cara com pasta d´água
e desenha com batom o deformado sorriso.
Origem de merda. Plágio do caralho. História muitíssimo melhor contada, inclusive, no inigualável Um Dia de Fúria (1993), dirigido por Joel Schumacher e estrelado por Michael Douglas, um outro clássico. Exponencialmente melhor contada.
Sem
contar que entra por uma linha de pensamento muito da mal-intencionada,
que se propõe a justificar o porquê do sujeito ter se tornado um
bandido, um assassino, que se propõe a transformar o canalha em vítima,
em coitadinho, em produto do seu meio, que se propõe a granjear e a
promover a simpatia e a empatia da sociedade - a verdadeira vítima -
para com o seu algoz. Quantos não passaram pelas mesmas, ou piores
adversidades, e se mantiveram íntegros?
Daí em diante, como não podia deixar de ser, o filme só piora.
O
JOaKin ri desbragada e desrespeitosamente frente a situações não tidas
como engraçadas, tidas como sérias, cruéis, trágicas, repulsivas e
assustadoras - exatamente igual ao Joker. Mas não ri, diferentemente do
Joker, porque acha graça delas, não ri devido ao seu peculiar senso de
humor, que vê e extrai comicidade da calamidade e do caos. O JOaKin ri
desbragada e desrespeitosamente, simplesmente, porque não consegue
deixar de rir.
Inventaram
lá para o JOaKin uma condição médico-psiquiátrica que lhe estoura o
riso a qualquer momento, em qualquer lugar, em qualquer situação, sem
aviso nem contenção possível : irrefreável, angustiante. Inventaram lá
para o JOaKin uma espécie de Síndrome de Tourette, que faz jorrar um
vomitório de gargalhadas ao invés de palavrões, insultos e xingamentos.
O
riso louco do Joker é desbragado, desrespeitoso e, sobretudo,
prazeroso, muito prazeroso, um orgasmo histriônico para o Coringa. O
riso insano do JOaKin é desbragado e desrespeitoso, porém, torturante
para ele. Não há nenhum prazer na risada do JOaKin; há angústia e
consternação, mesmo remorso e culpa. Mais uma vez, querer fazer o
bandido de vítima?
E
a cereja deste bolo de merda : há a tentativa de estabelecer um grau de
parentesco, um vínculo consanguíneo entre o JOaKin e o Batman; no caso,
o jovem Bruce Wayne, à época em que se passa o filme. Há a tentativa de
fazê-los irmãos de sangue. Meio-irmãos, por parte de pai.
Há,
e sempre houve, nos quadrinhos, uma relação estreita, simbiótica e
indissociável entre o Coringa e o Batman, como fossem as duas faces do
mesmo dólar de prata, como se a existência de um houvesse convocado e
justificado e fosse condição sine qua non para a existência do
outro. Jack Napier, assaltante pé de chinelo, caiu no tanque de produtos
químicos ao tentar fugir do Batman, e se tornou no Coringa; pode-se
dizer que Batman o criou.
Há
versões que dizem que foi Jack Napier, em uma tentativa desastrada de
assalto, quem matou Thomas e Martha Wayne, os pais do jovem Bruce Wayne,
trauma que levou o menino a jurar, sobre os corpos dos pais, que
dedicaria sua vida ao combate ao crime, e tornou-se o Batman; pode-se
dizer que Jack Napier criou o Batman, que iria recriá-lo como Coringa.
Sempre
houve, entre os dois personagens, essa relação estreita, essa
codependência de suas origens. Mas irmãos? Ora, vão à merda.
Segundo
o filme, Arthur Fleck é filho bastardo de Thomas Wayne, pai de Bruce,
concebido na época em que a mãe do futuro JOaKin trabalhava como
empregada na Mansão Wayne. Ao longo do filme, tal ligação consanguínea,
confidenciada, às portas da morte, pela mãe a Arthur, é desmentida por
Thomas Wayne, que conta a Arthur que a mãe era uma psicótica com
delírios sobre a realidade, que estivera, quando Arthur era criança,
internada no Asilo Arkham e tal. E que Arthur nem era filho legítimo da
própria mãe, que havia sido adotado por ela. E tirou, Thomas Wayne, o
seu cu fidalgo da reta da paternidade de Arthur.
JOaKin
vai investigar os desmentidos de Wayne. Vai ao sanatório Arkham e tem
acesso a documentos e registros que comprovam a versão de Wayne. Mas vai
saber? Não poderia, Thomas Wayne, o homem mais poderoso financeira e
politicamente de Gotham, ter a tudo forjado para não reconhecer o
bastardo? Para alguém com seus recursos, nada mais fácil que ter
comprado psiquiatras que lavrassem laudos falsos a respeito da saúde
mental da mãe de Arthur Fleck. Nada mais fácil que ter comprado a
cumplicidade de médicos e enfermeiros e internado à força o seu caso
extraconjugal. Nada mais fácil que ter submetido a moça a sessões de
eletrochoques e, quiçá, a uma lobotomia. Nada mais fácil que obter um
certificado falso de adoção. A ideia do parentesco foi lançada e, ainda
que desmentida, ficou a pairar no ar. Talvez para ser usada numa futura
sequência do filme. Que, garanto e adianto, não verei nem sob tortura.
Transformar
a rivalidade de Coringa e Batman numa eterna rixa de ódio entre irmãos?
Acho que esta história também já foi contada. Salvo engano, os nomes
dos irmãos eram Caim e Abel e ela figura na tal da Bíblia, livro de
questionável qualidade literária.
Um conselho : se querem brigas entre irmãos e, assim como eu, preferem os quadrinhos à Bíblia, fiquem com Thor e Loki.
Onde
está o grande filme do ano? A película tão incensada pela crítica
especializada? E, a pergunta mais relevante de todas, onde está o
Coringa, o Joker? Não está. Não o vi. Vi o JOaKin.
Para
mim, Coringa por Coringa, foi muito mais Coringa, e tem muito mais o
meu respeito, o Cesar Romero, da icônica e avacalhada série Batman, de
1966. Aquela do Pow!, Zap!, Sock!, Biff!, Kapow!
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