Crítica: Um Dia de Chuva em Nova York



UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK
por Joba Tridente
publicada originalmente em Claque ou Claquete


Ah, essas poderosas produtoras puritanas que, preocupadas com suas reputações conservadoras (?), estremecem o mercado do entretenimento em prol do patrimônio da família, do patrimônio da moral e do patrimônio do mercado, pela preservação do patrimônio dos bons costumes norte-americanos. Quebra de contrato (de cinco filmes) da Amazon Studios, mimimi de atores inseguros e factoides à parte..., eis que, dois anos depois do tititi da onda de assédios no reino cinematográfico, finalmente a comédia romântica Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day in New York), escrita e dirigida pelo mestre Woody Allen, chega às salas de cinema (que não o boicotaram) em alguns países, inclusive no Brasil.


Um Dia de Chuva em Nova York é um filme nostálgico, com toques de melancolia, trilha sonora envolvente, diálogos irônicos e personagens inquietos..., algo habitual nas obras de Allen, mas que nunca soam redundantes, já que a retórica sempre traz argumentos diferentes. Desta vez o contexto é bem mais juvenil, ao apresentar três jovens (brancos e muito ricos), na faixa dos vinte anos, em busca de um lugar na sociedade, para satisfação pessoal e ou de suas abastadas famílias: Gatsby Welles (Timothée Chalamet), culto e sem rumo, apaixonado pela boemia e por um bom piano num bar esfumaçado;  Ashleigh (Elle Fanning), aspirante a jornalista e apaixonada por cinema; Shannon (Selena Gomez), apaixonada por moda.

A trama de encontros, desencontros e revelações bombásticas, acontece praticamente num dia chuvoso de sábado, quando o casal de universitários Gatsby e Ashleigh vai passar um fim de semana romântico em Nova York. Ela, porque conseguiu marcar uma entrevista com o renomado diretor de cinema Roland Pollard (Liev Schreiber). Ele, porque quer apresentar as maravilhas da cidade para a sua amada. Porém, apesar da agenda cultural combinada, a ingênua e entusiasta Ashleigh acaba indo além do tempo previsto com o depressivo Roland e, de quebra, se vendo dando atenção também ao incompreendido roteirista Ted Davidoff (Jude Law) e ao sensual ator Francisco Vegas (Diego Luna). Enquanto aguarda pela amada, Gatsby anda pela cidade, e, entre alguns velhos amigos, encontra Shannon, a irmã de uma ex-namorada. Daí, até o final da noite, tudo (mesmo) pode acontecer com esse trio tão desencontrado, mas cheio de desejos..., a mãe de Gatsby (Cherry Jones) que o diga! Depois de tantos atropelos sob a chuva do sábado, a tranquilidade do domingo certamente surpreenderá a cada um...


Maravilhosamente fotografada por Vittorio Storaro, a trama de Um Dia de Chuva em Nova York parece tecer uma viagem no tempo e ou um resgate no tempo, ao trazer um jovem alter ego de Woody Allen de ontem para dialogar com a Nova York de hoje, que ainda guarda preciosos resquícios do passado do diretor. A divertida provocação causa um curioso estranhamento na atmosfera verbal e visual do jovem casal contemporâneo, mas com viés vintage..., principalmente em Gatsby, saudoso de um passado cultural que não viveu. Saudade essa manifestada numa emocionante sequência em que ele toca piano e canta a adorável Everything Happens to Me (Tudo Acontece Comigo, 1940), de Tom Adair e Matt Dennis, que Frank Sinatra gravou quatro vezes, mas cuja versão (no filme) se aproxima da interpretação de Chet Baker.

(Nota: Infelizmente, como é padrão nas traduções cinematográficas brasileiras (excetuando alguns musicais), sempre que aparece alguém cantando, mesmo tendo a ver com a trama, a tradução cessa, como se fosse crime traduzir letra de música. Toda via melódica, no entanto, para você não ser levado(a) a esmo pela enxurrada dos versos, saiba que a canção fala de um cara que lamenta seu azar no amor, no lazer, no jogo..., por mais que ele tente acertar, algo dá errado.). Como se ouve ali, para quem conhece o valor das palavras do coração, Allen não economiza seus diálogos geniais nessa belíssima sequência, mas sabiamente aproveita um que está pronto e o condensa com maestria numa tocante cena melódica. Talvez, o que quer que tivesse escrito, por melhor que fosse, naquele momento único soaria banal...


Enfim, Woody Allen, diretor de Vicky Cristina Barcelona - o filme mais sensual que já assisti até hoje, e de: Tudo Pode Dar Certo; Para Roma Com Amor; Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos; Meia-Noite em Paris; Blue Jasmine, entre outros que amo, mas que não resenhei, continua me surpreendendo positivamente. Assim, considerando as tiradas inteligentes sobre cinema, cultura de almanaque, literatura de costumes, relacionamentos amorosos e de ocasião; a mordacidade dos diálogos; o humor leve; a fotografia fantástica; a jovialidade do roteiro e do elenco, que se sai muito bem; o ritmo narrativo que precisa apenas de 90 minutos para contar uma história simpática; a trilha sonora; o jogo de espelhos com a veracidade do teatro e o engodo da vida..., a comédia romântica agridoce Um Dia de Chuva em Nova York é um bom espetáculo para se assistir em qualquer clima...

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.
*  No Claque ou Claquete você encontra muitas resenhas atuais e antigas!

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