Crítica: A Vida Invisível



A VIDA INVISÍVEL
por Joba tridente 
publicado originalmente em Claque ou Claquete

Quanto tempo o tempo leva para abrandar a saudade, esmaecer as lembranças e fazer um elo fraterno virar pó de estrela? Poucos dias ou uma vida inteira para quem carrega consigo uma parte qualquer de um pertence compartilhado? Quem é que sabe?! O tempo é tão fugidio quanto o vento!

A Vida Invisível (2019) é o mais recente filme do premiado diretor Karim Aïnouz (Viajo porque preciso, volto porque te amo). Ganhador do prêmio Un Certain Regard, do Festival de Cannes 2019, e escolhido para representar o Brasil no Oscar 2020, o melodrama fala de laços de fraternidade que não se rompem e de memória que não se desvanece...,  bem como de gente que desaparece de vista (por diversas razões) e de gente que está à vista de todos, mas que (por diversas razões) é tratada como se estivesse invisível (desaparecida).


Não li o livro A Vida invisível de Eurídice Gusmão (2016), de Martha Batalha, mas, pelos resumos e resenhas da obra literária na web, parece que os roteiristas Aïnouz, Murilo Hauser e Inés Bortagaray deram uma boa enxugada na história e nas personagens. Ao excluir tramas paralelas, o enredo ganhou agilidade e metragem para falar apenas da ousada Guida (Julia Stockler) e da recatada e talentosa Eurídice (Carol Duarte e Fernanda Montenegro), que sonhavam grande ao entrar na vida adulta nos, ainda (?) conservadores, anos 1950. Porém, a vida real tem lá seus percalços e, quando se tem um pai austero (António Fonseca) e uma mãe submissa (Flávia Gusmão), um sonho pode muito bem virar um pesadelo. Aí, ou você se arrisca, como fez Guida, que, levada pela paixão, se envolveu com um marinheiro estrangeiro e, no vai e vem das marés, acabou trazendo pra casa um incômodo “presente de grego”. Ou se sujeita à “tradição familiar”, como fez Eurídice, de 18 anos, que viu seu sonho de estudar piano em Viena ir teclas abaixo, ao se casar com Antenor (Gregório Duvivier).


Toda via da felicidade incerta, no entanto, as irmãs que, da noite pro dia, se separaram e cujas vidas tomaram rumos inesperados, não perderam a esperança de se reencontrarem. Perto da memória, mas longe dos olhos, embora morando na cidade do Rio de Janeiro, ambas imaginam que a realização dos seus sonhos juvenis as levaram para longe uma da outra. Guida acredita que a irmã está feliz estudando piano na Áustria. Eurídice acredita que a irmã está feliz com o seu amor na Grécia. A saudade as corrói, mas a esperança de um breve reencontro lhes dá força para enfrentar a sociedade repressora e macho-falocrata em que vivem.

Situado nos primeiros oito anos da década de 1950, A Vida Invisível busca foco na carência afetiva e no cotidiano inconstante das resilientes irmãs. A narrativa é comedida na exposição (incômoda) de algumas situações de violência contra a mulher e parece evitar qualquer virtual alívio cômico. Até há uma ou outra “piada picante”, mas, de tão antiga (do tempo do onça), passa batida. O que prevalece mesmo é o tom melancólico, que beira o claustrofóbico, fielmente detectado pela fotografia de Hélène Louvart. Os personagens são verossímeis, a química de todo elenco é excelente e a reconstituição de época é um primor.


Enfim, com a presença marcante de Fernanda Montenegro, na pele da idosa Eurídice, dando os últimos pontos na trama, A Vida Invisível deve comover, principalmente aquele público cujo familiar se “perdeu” (na vida pessoal e ou profissional) mundo afora. É um filme bonito, com uma história básica sobre laços fraternos, que fará os espectadores mais suscetíveis deixar algumas lágrimas na sala de cinema...


Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no Paraná, Brasil.
*  No Claque ou Claquete você encontra muitas resenhas atuais e antigas!

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