HERÓIS MODESTOS
por Joba Tridente
publicada originalmente em Claque ou Claquete*
Parece que, após o sucesso da adorável animação em longa-metragem
Mary e a Flor da Bruxa (2017), o novo estúdio japonês Ponoc, criado por
Yoshiaki Nishimura para produzir desenhos animados infantis que agradem a espectadores
de todas as idades, não vai ter muito empecilho para se estabelecer num mercado
global tão concorrido. Ao menos é o que indica o volume um do seu
festival de curtas-metragens intitulado Heróis Modestos (Chiisana
Eiyuu: Kani to Tamago to Toumei Ningen, 2018), que estreou recentemente na
Netflix, trazendo três fascinantes animações: Kanini & Kanino, de Hiromasa
Yonebayashi; A Vida Não Se Perderá, de Yoshiyuki Momose; Invisível,
de Akihiko Yamashita. Assim como Nishimura, os três diretores são “crias”
do famoso Studio Ghibli, do mestre Hayao Miyazaki. Os temas tratados nos três
curtas são originais e não subestimam a inteligência da criançada e muito menos
de qualquer jovem ou adulto que ame desenho animado e uma história de
excelência..., ao falar de relacionamento familiar, alergia e invisibilidade
social.
Kanini & Kanino, dirigido
por Hiromasa Yonebayashi (As Memórias de Marnie; O Mundo
Secreto de Arrietty; Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar; Mary e
a Flor da Bruxa) conta a história de dois pequeninos irmãos anfíbios que
vivem e aprendem a caçar com o pai em um córrego, onde estão sujeitos a vários
perigos, já que podem ser levados por uma correnteza mais forte e ou abocanhado
por animais maiores, inclusive peixes. Quando um incidente os afasta do pai, as
duas crianças partem à sua procura... Embora tenha uma pitadinha de suspense, a
natureza exuberante deste mundo fantástico e o tom bucólico, com o ruído da
água entre as pedras, é até relaxante. Praticamente sem diálogo, com algumas
boas pontuações da trilha e o gestual dos personagens graciosos, em um traçado
limpo (clássico!), o curta Kanini & Kanino, com seu roteiro
redondinho, encanta (qualquer público) do princípio ao fim! É pura magia!
A Vida Não Se Perderá, do
diretor Yoshiyuki Momose, é uma das mais originais histórias animadas que
já vi. Nunca imaginei que um tema como alergia a certos alimentos
pudesse gerar uma animação tão instigante. Essa narrativa singela, baseada em
fatos, acompanha o dia a dia do pequeno e apaixonante Shun, um garoto vigoroso
que, desde cedo, aprendeu a lidar com a sua alergia. Porém, por mais
atentos que a mãe superprotetora e ele estejam, um vacilo na leitura de um
rótulo alimentar pode fazer a diferença entre a vida e a morte. A Vida Não
Se Perderá é um filme que traz a bela luz da primavera e do verão num
traçado simples e deliciosamente colorido. O roteiro tem todos os elementos
para escorregar na pieguice...; porém, a direção sóbria jamais tangencia o
dramalhão. A sequência final impressiona e arrepia pela intensidade. Mas, a cena
em que Shun acredita que se conseguir acabar com o alimento que lhe
causa alergia os seus problemas estarão resolvidos é um achado precioso. Enfim,
uma pérola que, com certeza vai emocionar crianças e adultos! Lindo demais!
Invisível, com direção de Akihiko
Yamashita, é uma brilhante metáfora sobre a invisibilidade social. Nele
acompanhamos um dia na vida de um homem que, por mais capacitado e gentil que
seja, é totalmente invisível aos olhos dos colegas de trabalho, dos comerciantes,
dos pedestres, dos motoristas ao seu redor. Seu corpo e sua alma são tão leves,
que ele precisa carregar algum objeto pesado para conseguir se movimentar entre
as pessoas..., para se sentir um humano entre humanos. Mas não é fácil quando
se vive em um mundo de aparências e em que cada um só enxerga aquilo que lhe
interessa (principalmente o próprio umbigo). Toda via da ignorância visual, no
entanto, quando a vida lhe parece não ter mais sentido algum, a compreensão e a
cumplicidade podem vir do olhar de alguém que ele menos espera... Magnífico! Ainda
que melancólico, Invisível é de uma beleza perturbadora, no traçado ágil
(e bota agilidade nisso!) e no roteiro inteligente que nos convida a refletir profundamente
sobre a solidão individual e coletiva também nas redes sociais, onde cada
carinha (anônima ou não) fica à espera de uma curtida e ou um cutucão que
talvez jamais receba. Provavelmente muitas carinhas do mesmo livro passarão
umas pelas outras (nas ruas, calçadas, praças) sem se reconhecerem e ou sequer
se cumprimentarem...
Sugiro que, após se deleitar com esta excelente
seleção de curtas japoneses, que distingue três modestas formas de heroísmo, você
assista também à entrevista de Yoshiaki Nishimura, que fala da produtora Ponoc,
dos três diretores convidados e do processo de criação das animações!
*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem
(Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já
fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à
"traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de
última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power
Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito,
rodado aqui em Curitiba.
* No Claque ou Claquete você encontra outras críticas de cinema e muito mais.
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