O Brasil tem grandes nomes da cultura popular do
rádio, teatro, cinema, literatura, televisão, folclore que, sob o olhar certo,
resultariam em excelentes documentários e ou cinebiografias dramatizadas
(docudramas). Pena que a maioria (e dependendo da ocupação artística!) só ganha
reconhecimento cinematográfico após a morte..., talvez porque não tenha como
contestar do além-túmulo, caso a adaptação não lhe faça jus e ou extrapole na
fantasia (do ouvi dizer) sem comprovação de dados. Há que se atentar
também para que a cinebiografia não vire uma cine-hagiografia, confundindo
devoção ao artista com devoção ao cinema. A linha é tênue e é preciso cuidar
para que não se quebre o encanto dos fãs...
Em geral, as personalidades mais visadas para
abrilhantar as telonas são da área do entretenimento musical. Assim, já se
destacaram nas salas de cinema os cantores e compositores Cazuza, Zezé de
Camargo e Luciano, Gonzação
e Gonzaguinha, Erasmo Carlos, Tim
Maia, a cantora Elis
Regina, o cantor Wilson Simonal. Houve espaço também para o médium
Chico Xavier, o médico Bezerra
de Menezes, jogador Heleno, a militante alemã Olga Benário. Bem como
para os apresentadores de televisão Bingo
(Bozo) e Chacrinha,
que agora ganham a companhia iluminada da cantora, atriz e apresentadora Hebe
Camargo (1929-2012) em Hebe - A Estrela do Brasil.
Como virou tendência destacar apenas um breve recorte na vida de qualquer cinebiografado, o docudrama Hebe - A Estrela do Brasil, dirigido por Maurício Faria, a partir do roteiro de Carolina Kotscho, traz somente fatos ocorridos nos anos 1980, quando Hebe, com 40 anos de carreira, comprou briga contra a censura, os políticos corruptos, a igreja, os produtores e a televisão, para que tivesse a liberdade de falar o que pensasse e apresentar em seu programa, sempre ao vivo, quem ela quisesse, inclusive transgêneros, como Roberta Close. Nesse período de abertura censurada, ao sentir-se amordaçada e enquadrada em movimentos partidários, já que falava também dos menos favorecidos, clamou: A Hebe não é de direita! A Hebe não é de esquerda! A Hebe é direta!
Além dos atropelos da célebre apresentadora na frente e atrás das câmeras, na televisão, Hebe - A Estrela do Brasil expõe parcialmente um lado menos conhecido de Hebe Camargo (Andréa Beltrão, magnífica): a vida em família, onde o relacionamento harmonioso com o filho Marcelo (Carlos Horowicz) contrasta com a relação conturbada com o abusivo e ciumento marido Lélio (Marco Ricca). Também é tocante o registro sutil da sua solidão, nos bastidores dos holofotes, e a escassa vida social em meio a tanto luxo.
Hebe - A Estrela do Brasil traz, em meio a
flashes de histórias paralelas (que podem soar pulverizadas) com o filho, o
marido e o sobrinho Cláudio Pessutti (Danton Mello), uma composição
interessante e nada monótona da vida da famosa apresentadora, muito bem
interpretada (e não imitada!) por Beltrão. Em sua narrativa não faltam as
discussões com empresários, a intimidade com os convidados, no famoso sofá, os selinhos
(na boca), o figurino e as jóias exuberantes (caríssimas), as polêmicas (por
falar o que queria) e as contradições (por falar o que queria) desta que foi
considerada a melhor apresentadora de televisão de um Brasil de outros tempos
(?). De um Brasil que prometia abertura e não do que insiste na meia volta-volver
(!). Dificilmente nesse Brasil do retrocesso a apresentadora teria o brilho de
outrora..., já que não parecia ser dada a concessões.
Hebe - A Estrela do Brasil não é um filme hilário, mas tem lá seus breves momentos de humor, num enredo por vezes pesado. A reconstituição de época é excelente. A montagem é ágil e os recortes fotográficos, com Hebe de costas, é genial. O elenco, assim como Andréa Beltrão, não imita, mas interpreta (por exemplo, Roberto Carlos ou Silvio Santos), o que valoriza a personificação. Uma vez que a Globo é a produtora, há que se louvar a liberdade aparentemente incontida das críticas de Hebe a ela e da citação dos canais Bandeirantes e SBT, palcos dos famosos programas. Se bem que não podia ser diferente se o que se busca e dar veracidade ao relato.
Enfim, esta pode não ser aquela cinebiografia ampla, geral e irrestrita, recheada de divertidas fofocas, que todo fã espera dos seus ídolos, mas vale pelo registro de seus dias mais emblemáticos, quando finalmente Hebe vence a hipocrisia política, religiosa e televisiva e conquista definitivamente o seu direito de dar voz a quem bem entendesse. O que não quer dizer que nas décadas seguintes sua vida tenha sido um mar de flores perfumadas.
Vale ressaltar ao espectador que se incomodar com o
conteúdo minguado, que talvez ele encontre um brilho maior de Hebe Camargo na
minissérie que a Globo está preparando para 2020, e ou no documentário realizado
pela roteirista Carolina Gotscho que será lançado no próximo ano.
Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeos-documentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem
(Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já
fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à
"traumatizante" e divertida experiência de
cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do
norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado em Curitiba, no
Paraná, Brasil.
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