Carne, osso e tinta |
Ok, comecemos explicando que o título é um ato de sarcasmo,
assim como aconteceu nas HQs, quando alguém - Garth Ennis? – disse que The Boys
era Watchmen para gente grande. É claro que, sem Watchmen, muito provavelmente
The Boys não existiria, nem muita coisa entre 1986 e, bem, hoje!
Dito isso, passemos para o que importa, a nova série da
Amazon Prime, The Boys, que estreou em 27 de julho.
Ainda não viu? Então, sugiro que pare de ler aqui mesmo, já.
Porque eu vou falar muito sobre a série, suas diferenças com a HQ e isso pode
gerar um pouco de frustração a você.
Segundo a Wikipédia, The Boys surgiu em 2006, numa minissérie
em quadrinhos, em 6 edições, editada pela WildStorm, selo que a DC Comics
comprou de Jim Lee. A editora encerrou a publicação, incomodada com o teor da série
– super-herois que agem como super-herois apenas quando as câmeras estão
ligadas. Afora isso, lembram aquelas estrelas pop, que saíram de algum programa
infantil da Disney direto para sodomia e perversão, tal qual Miley Cyrus.
Você lembra do trailer do filme Esquadrão Suicida, quando o
personagem de Dave Harbour diz: “Senhores, senhoras... e se o Superman
decidisse voar, arrancar o teto da Casa Branca e pegasse o presidente no meio
do salão oval? Quem o deteria?”
Bem, se você havia lido The Boys antes disso, tenho certeza
de que viu não o Super, mas Homelander em seu lugar. Homelander seria capaz
disso. Superman não, ele teve uma educação vinda do Kansas, era o Clark.
Antony Starr é Homelander |
Homelander, não; ele sabia jogar com as cartas que tinha.
Sabe a hora de tirar a máscara e ser o canalha que vê sempre que olha no
espelho.
Homelander é o líder dos 7. A Liga da Justiça do
universo de The Boys. Os outros são Rainha Maeve, Profundo, Black Noir,
Trem-Bala, Jack de Júpiter e Starlight, a novata que ingressou na equipe,
substituindo o Faroleiro. Todos são contrapartes da outra equipe mais famosa:
Rainha Maeve é a Princesa Diana, mais conhecida como Mulher-Maravilha; Profundo
é o Aquaman; Black Noir, um suposto Batman; como o nome já entrega, Trem-Bala é
um Flash; Jack de Júpiter, é Ajax, o Caçador de Marte; Faroleiro, muito
provavelmente seria o Lanterna Verde; e Starlight encaixaria como uma antiga personagem
jovem, chamada Flamejante. Ou a Moça-Maravilha, uma vez que ela idolatra a
Rainha.
Na série, há apenas uma mudança: o bisbilhoteiro Translúcido
entra no lugar de Jack de Júpiter. Como Translúcido pode desaparecer, isso gera
economia para o orçamento da série.
Starlight, Profundo, Maeve, Homelander, Black Noir, Trem-Bala e Translúcido - Os 7 |
Contador de histórias de mão cheia, Garth Ennis não tem
pressa em mostrar aonde quer chegar. Principalmente porque após o fim do
primeiro arco, ele e Darick Robertson precisaram levar a série a outra editora,
Dynamyte, o que lhes foi muito bom. Eles ganharam carta branca para fazer o que
bem entendessem. E fizeram.
Brincaram com teorias de conspirações, tiraram sarro em
estrelas de cinema, de rock e políticos. Mostraram o poder das corporações em
ditar os destinos do mundo, e tudo o que o dinheiro corrompe.
Leite Materno, Billy Açougueiro Butcher e Francês |
Juntos, o que eles desejam? Derrubar os super-herois. E por
quê? Justamente pela indagação de Dave Harbour. E se Homelander decide ir até à
Casa Branca e pegar o presidente pelo pescoço? Quem o deteria?
Mas os Rapazes são tão patriotas a esse ponto? Querem cuidar
do país, das pessoas? Longe disso! O que eles querem – na verdade, o que
Açougueiro quer – é vingança pura e simples. E é aí que a série em streaming se
distancia dos quadrinhos. Na verdade, o streaming mais parece uma prequel das
HQs.
Os Rapazes - e a Fêmea |
Enquanto o Açougueiro das HQs é um cara mais velho, veterano
de guerra, que soube superar seus traumas e fúrias, dando lugar a uma vingança
a ser servida em prato frio, sua contraparte das telas é muito mais sanguínea e
obsessiva. Karl Urban o interpreta muito bem, chegando às vezes a convencer
como o cara que quer pegar Homelander de todas as formas. Acredito que Clive
Owen poderia ser um Billy Butcher melhor, mais velho e matreiro, um
estrategista que sabe o que está fazendo, exatamente como a versão dos
quadrinhos, quando decide voltar à ativa e enviar um recado. Ele ataca uma
equipe de heróis adolescentes, muito provavelmente tendo a finada Tropa Titã
como inspiração.
Hughie Mijão é muito parecido com sua contraparte das telas,
embora o personagem de Jack Quaid é mais visceral também, enquanto o das HQs
seja uma espécie de ‘bundão’. Há inclusive um “batismo de sangue” de ambos e o
das HQs é muito mais verossímil. O ponto interessante é que o Hughie das HQs
foi inspirado no ator Simon Pegg, que aceitou interpretar o pai de Hughie,
Hugh.
Você já assistiu Banshee? Uma série da Cinemax que durou 4
temporadas e contava a história de um ex-ladrão que por situações
circunstanciais se passa por um xerife que veio de fora para assumir a
delegacia da cidade? Se sim, já conhece o trabalho de Antony Starr. Como o
personagem fictício – até para a série – Xerife Lucas Hood, Antony Starr devora
a tudo e a todos com maestria. Um cara durão, que bate em todo mundo e tudo o
que deseja é estar com a mulher que ama, a filha e o dinheiro que roubou. E não
consegue nenhuma das três coisas. É foda até à medula.
Então, quando o nome de Starr apareceu no elenco de The
Boys, imaginei qual personagem ele encarnaria. Quando o vi como Homelander,
percebi que daria certo. E deu! Starr tem o ímpeto assassino suficiente para
ser um Superman sem freios morais. Claro, o Homelander das HQs ainda é muito mais
desencanado e solto. Mas o da Amazon ainda pode chegar lá, só depende dos
roteiristas. O último episódio da primeira temporada mostra exatamente isso, um
super-heroi superpoderoso livre de qualquer amarra moral.
Embora não tenha a altura necessária, Laz Alonso encarna
muito bem o Leite Materno, o personagem que dá o equilíbrio a The Boys. E, ao
contrário de Willian Arão no Flamengo, Leite Materno realmente tem esse papel
no grupo, já que consegue frear o ímpeto de Açougueiro e dar o suporte psicológico
aos outros. Alonso é muito bom ator.
O Profundo, de Chace Crawford nada mais é do que todas as
piadas já feitas com o Aquaman. Um personagem covarde, meio inútil, inseguro e
reclamão que, de profundo, não tem nada. Porém, tem muito mais conteúdo do que
sua contraparte das HQs.
Francês e a Fêmea têm muito mais profundidade, com todo um
background por trás, principalmente da garota que nada diz.
Rainha Maeve |
Trem-Bala também foi muito bem retratado na série, saindo de
apenas um babaca que corre muito, para um supermaratonista que é obcecado em
ser o homem mais rápido do mundo. O tempo todo. Há uma bela metáfora com o
doping e a obsessão de ser sempre o vencedor, e o preço a ser pago por isso. Há
uma cena muito boa, quando o personagem, afrodescendente, está sem uniforme e
usando muletas, numa loja de produtos esportivos. Então, o segurança da loja
começa a vigiá-lo. Quando ele descobre que está diante de um super-heroi,
membro da maior equipe do planeta, já muda de postura. Um tapa bem dado, de mão
aberta mesmo.
Outro tapa quem dá é Starlight, garota dos anos 2010,
empoderada, que não leva desaforo para casa e sabe o que quer. E mesmo quando
faz o que não quer, pensando na própria mãe, não deixa por menos e luta por
suas convicções.
Starlight e sua beleza hipnotizante |
A personagem nos quadrinhos leva mais tempo para ganhar essa
confiança toda.
Ou seja, a série atualiza os personagens, os joga nesse
universo de Comic Cons e potencializa tudo o que é subentendido nas HQs. E
manera nas relações sexuais.
A série também flerta com outros universos. Você enxerga
muito de Poder Supremo e Esquadrão Supremo, duas séries de personagens da
Marvel, baseados na Liga da Justiça, criados nos anos 1970. A forma como
Homelander é retratado como bebê, bem... a capa de Poder Supremo # 01 diz muito
sobre isso. Os olhos sempre incandescentes. Isso sem falar no visual de Black
Noir que, enquanto nas HQs, mais lembra um Noob Saibot do Mortal Kombat; na série,
bebe na fonte de Falcão Noturno, cujo visual foi criado por Gary Frank.
Há também a criação de um superterrorista, muito chupada do
nêmesis de Hipérion, cuja batalha derradeira nós nunca vimos, já que a série se
encerrou ali, com eles frente a frente. Trem-Bala tem muito do “Borrão” de
Atlanta, o Tufão desse universo de Poder Supremo.
Rainha Maeve mantém-se sem dizer a que veio, uma mulher que
parece ter se decepcionado com o mundo. Tem suas convicções, porém, as vai
perdendo conforme a série corre. Translúcido, por questões óbvias, não tem
muito o que contar.
Ironicamente, mesmo tendo o nome de 7, a equipe chega ao final de
sua primeira temporada em 4. Os produtores poderiam ter levado em conta e
substituído aqueles que saíram; teria sido algo muito interessante que todo fã
de quadrinhos gosta de ver.
Elisabeth Shue, que continua um tesão, no alto de seus 56
anos, se segura muito bem como a relações-públicas da Vought, empresa que
controla os 7.
Haley Joel Osment, o menino que via gente morta em Sexto
Sentido também tem uma participação legal.
Então, qual The Boys é melhor? HQs ou streaming? Difícil
dizer, já que elas meio que se complementam. A Amazon fez um belo trabalho,
embora não tenha a qualidade de um Demolidor da Netflix. Faltou um pouco de
ousadia. Um pouco mais de efeitos. Um pouco mais de briga mesmo. Mas está no
caminho certo, uma vez que a série foi um sucesso. Quem sabe a próxima
temporada tenha mais dinheiro e, com isso, algumas batalhas épicas?
Cruze os dedos.
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