Voando Alto
por Joba Tridente
publicada originalmente em Claque ou Claquete
Todos sabem que a animação é um “gênero”
cinematográfico que ocupa seus realizadores por muitos anos. Por isso, quando uma
produção chega às salas de cinema, a história contada pode lembrar muitas
outras que chegaram antes. Aí, o que até então poderia ser inédito cai no piso
da sala de projeção. O que não quer dizer que, mesmo um déjà-vu, não
possa agradar alguma parcela de espectadores (principalmente a infantil) que
espera o reforço das mensagens edificantes na formação de seus pimpolhos. Ainda
que nem sempre os realizadores estejam preocupados com a moral da história, mas
em uma narrativa que seja divertida para toda a família.
Esticando esta linha tênue, em busca de nós cegos,
poderia tranquilamente dizer que Voando Alto (Manou - Flieg Flink!,
2019), cuja produção começou em 2014, é uma animação “genérica”, já que lembra,
entre outras, as recentes Missão Cegonha (2017); Pato Pato Ganso
(2018) e Ploey - Você Nunca Voará Sozinho (2018). Assim como estas
animações, ela também se ocupa tanto com a indefectível jornada do herói
do seu protagonista, quanto com questões pertinentes ao racismo; à tolerância; ao
pertencimento; ao preconceito; às diferenças raciais e à solidariedade entre
colônias de aves vizinhas e ou entre pássaros desgarrados de seus bandos.
Assim, se o argumento e o roteiro lembram algo já visto, na telona ou na
telinha, pode não ser culpa dos realizadores, mas mero fruto do acaso. O que
não quer dizer que, quando as semelhanças são demais, independente da questão
técnica, o espectador não deva desconfiar dos grandes (e famosos!) estúdios.
Que cinéfilo não se lembra do quibrocó envolvendo as animações mexicanas
Festa
no Céu (2014) e Dia de Muertos (?) e a
norte-americana Viva
- A Vida é uma Festa (2018)?
Toda via dos voos espetaculares por ruelas, florestas
e mares, que leva alguns pássaros a migrar da fria Europa para a quente África,
no entanto, vamos pousar no que interessa no momento: a animação alemã Voando
Alto, dirigida por Andrea Block e Christian Haas,
proprietários da LUXX Studios (responsável pelos efeitos especiais de Independence
Day: Resurgence e The Grand Budapest Hotel). O roteiro
simples de Axel Melzener e Andrea Block se passa na Riviera Francesa e
narra as aventuras da andorinha órfã Manou que, após um incidente em seu
ninho, é adotada por um casal de gaivotas e cresce acreditando ser uma gaivota,
fazendo praticamente o impossível para agir como uma ave marinha..., mesmo sem
ter corpo e natureza para tanto. Mas, quando
parece que o destino está conspirando contra a sua estadia na colônia das
gaivotas, Manou acaba conhecendo e se identificando com as andorinhas Yusuf,
Poncho e Kalifa, dá um novo rumo à sua vida, na colônia das ágeis
companheiras, e será o fiel da balança na hora da migração das gaivotas...,
contrariando a ideia de que as duas espécies de aves não se bicam!
Embora, aos olhos de um adulto, a narrativa escorregue
aqui ou ali, não se deve esquecer que Voando Alto é uma animação pensada
(?) para crianças entre os cinco e os dez anos. Ainda que pouco original e
equivocada (?) em algumas informações sobre nidificação, a história é bacaninha
e bem colorida. Tecnicamente salta aos olhos a arte hiper-realista na criação
de um segundo plano onde se destacam os belíssimos cenários panorâmicos (ou detalhes
impressionantes) da Côte d'Azur, na França, contrastando com uma arte mais
caricata no traçado/desenho estilizado dos personagens..., fazendo, por
exemplo, com que as andorinhas (com seu bicos curtos) pareçam tão estranhas quanto
o personagem Percival, uma ave esquisita (que deveria ser o alívio
cômico da trama) que lembra o extinto Dodô, mas que, segundo minhas pesquisas,
seria uma ave brasileira (?).
É sempre saudável a chegada de novos produtores ao
mercado do desenho animado. Pois, dependendo da qualidade técnica e da história
contada, pode atiçar os grandes concorrentes, diversificar o campo de
criatividade, e até mesmo (tentar) quebrar a hegemonia norte-americana na área.
Voando Alto é a primeira animação da LUXX Studios e, pelo que se vê,
está bem acima da média, apresentando sequências aéreas de tirar o fôlego. O
que não quer dizer que está isenta de equívocos (como os grandes estúdios), ou
que não precise de mais de atenção no desenvolvimento do roteiro e mesmo na
edição (como os grandes estúdios), evitando que o ritmo lento ou a carência de
humor (mesmo infantil) comprometa a narrativa, que nem precisa ser inédita,
desde que seja inovadora.
A animação alemã realmente tem pontos semelhantes com
aquelas citadas acima, mas também busca uma abordagem diferente e menos piegas
em sua trama. As escorregadelas..., como os diálogos fora do contexto infantil e
ou furos (?) relacionados à distância entre o ninho da recém-nascida andorinha Manou
e o ninho das gaivotas; ovos sendo chocados às vésperas da migração; um filhote
de gaivota órfão (?); o antropomorfismo desnecessário na apresentação musical (totalmente
deslocada) de uma banda de andorinhas..., possivelmente incomodarão mais a um
adulto (atento). Detalhes que, para qualquer criança mergulhada na convidativa fantasia
e no fascinante momento lúdico, passarão batidos.
Enfim, Voando Alto, com sua mensagem altruísta
e conciliadora, é um filme que tem elementos para agradar crianças e seus
acompanhantes. Afinal, a construção de uma ponte sempre facilita o diálogo entre
os divergentes.
*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo),
em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista
e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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