Meu ponto de encontro preferido comigo mesmo.
07:50 h, uma vez que não mais vigor tenho para a exigente e ninfomaníaca madrugada
(a manhã se contenta e se satisfaz com um café passado no coador de pano e com um beijo na testa).
Abro o segundo latão de uma - dizem - puro malte,
Aproveitar da melhor forma que posso o pouco tempo que tenho.
Ainda hoje, passar nos correios, no mercado, na quitanda, na padaria, no banco, pegar filho na escola.
Chega,
No lado oposto da rua à minha sacada,
O dono de uma empresa de vendas, reparos, manutenção e assistência técnica de impressoras para abrir a loja.
É o mundo inteiro a acordar e eu sem sono para voltar a dormir.
Rapaz novo, bem-sucedido
Sempre bem-disposto.
Odeio as pessoas que estão sempre bem-dispostas,
Elas têm sempre algo a esconder.
Tênis da moda, calça jeans da moda, camiseta polo da moda, corte de barba da moda.
Trocou sua caminhonete da moda, seu blindado urbano, por um novo utilitário da moda, um SUV da Jeep.
Branco, capota preta, comprido.
Pegando na rua
As vagas de estacionamento de uns três fuscas.
Entra na loja e volta com um balde de água e sabão e uma flanela.
Fica por vinte ou mais minutos
Só limpando,
Lustrando,
Acariciando,
Punhetando o seu comprido SUV.
Eu tomando meu terceiro latão,
Ouvindo Edvaldo Santana em meu velho toca-CDs.
Pernas ao alto
Cruzadas em cima da mesa empoeirada,
Vejo que não tenho limpado sequer os cantos das minhas unhas dos dedões do pé;
Nem lixado meus calcanhares rachados.
Olho para o cara enclausurado na moda,
Olho pro Jeep, brilhante, possante, com computador de bordo, wi-fi, muito mais inteligente do que quem "pensa" que o conduz,
Olho pro cara prestando vassalagem à máquina, ao verniz da por fora bela viola.
E sorrio.
Sorrio em íntima reconfirmação:
Não trocaria
Os acúmulos pretos de sujeira nos cantos dos meus dedões dos pés
Pela vida, pelas posses e pelos poços de ilusões movediças desse cara.
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