[Texto da tag “Escritor
Convidado”, escrito pelo MN Gérson Peres, o texto é
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É dúvida recorrente no meio
enxadrístico se é possível ou não estudar o meio-jogo?
Essa questão é levantada em
função do gigantesco número de possibilidades que encontramos ao nos
deparar com as posições logo depois da abertura.
Afinal, dá para estudar
meio-jogo? Se sim, como fazemos isso?!
Numa partida entre jogadores
fortes, o vitorioso no embate comumente tem que vencer três
vezes seu rival:
⬛ Na abertura,
adquirindo uma pequena vantagem;
⬛ No meio-jogo, ampliando
esta vantagem conquistada na fase anterior;
⬛ E no final, com a
conversão destas vantagens acumuladas nas duas fases anteriores.
O xadrez exige boa coordenação
entre suas fases, semelhante ao revezamento no atletismo, onde o primeiro
atleta passa o bastão redondinho para o companheiro seguinte
da equipe (de preferência com um bom tempo conquistado na volta
anterior) e assim sucessivamente até o último colega do grupo pisar na
linha de chegada. É exigida muita preparação individual, mas
sobretudo entrosamento para o conjunto funcionar e obter a sonhada
vitória.
Passada então a fase de
liberar as peças, ou seja, a abertura, entramos no MEIO-JOGO. E, tudo
precisa estar sincronizado, onde herdamos o que fizemos na abertura
e trabalharemos agora o meio-jogo com vistas a chegar em boas
condições no final, se possível com alguma vantagem palpável.
Vamos pontuar alguns
tópicos importantes, para termos os elementos e assim poder responder
à delicada questão proposta no título deste artigo com embasamento:
POSSIBILIDADES QUASE INIFINITAS:
A versão de 1997 do
supercomputador Deep Blue, da IBM, calculava 200 milhões de lances
por segundo. Em seu confronto com o ex-campeão mundial russo Garry Kasparov, onde cada partida
durava horas, imagine quantos bilhões ou mesmo trilhões de
possibilidades no meio-jogo a máquina fez ao analisar alguns
minutos uma dada posição? Mesmo assim, o computador não conseguia encontrar o
lance vencedor baseado nesta capacidade gigantesca de calcular.
Isso porque no xadrez não há um
elemento apenas - ilustrado aqui pela força bruta do cálculo - para se
ganhar as partidas. E é aí que nós humanos ainda nos destacamos das máquinas,
ou seja, pelo processo de pensamento seletivo, em que ao invés de termos de
calcular tudo nós conceituamos previamente e calculamos só em cima do que é
relevante.
FALTA DE MATERIAL EM PROFUSÃO:
Diferentemente de outros
pilares do xadrez, o meio-jogo não tem tanto conteúdo específico em livros,
programas, sites ou vídeos. Tente lembrar rapidamente aí de um bom livro de
meio-jogo? Observe que você terá dificuldade para se lembrar. Há,
sim, material sobre o tema, mas em pouca quantidade comparativamente. Isso
porque o estudo do meio-jogo habitual é feito por "tabela", onde o
enxadrista estuda a tática do meio-jogo, a estratégia do meio-jogo, o cálculo
do meio-jogo...
Tática, estratégia e cálculo também
são levados em conta na abertura e no final, porém é no meio-jogo que eles
são mais intensos pelo confronto acirrado das forças. Afinal, já
preparamos cavalaria, infantaria, artilharia... agora é hora de fazer uso
deste arsenal que está pronto para o combate!
FASE MAIS LONGA DA PARTIDA:
Se a abertura termina, a grosso
modo, entre os lances 10 e 15 (a depender a abertura/defesa escolhida,
se clássica ou hipermoderna), e o final algumas partidas
sequer chegam (estatisticamente fala-se em cerca de 40% delas apenas que
vão a esta fase), conclui-se que é no meio-jogo que por mais tempo lutamos
com nossos adversários.
Bom, tendo então exposto a
problemática do meio-jogo, vamos agora para a "solucionática"!
Para o correto estudo do
meio-jogo devemos focar em quatro fatores:
1. BOM
RELACIONAMENTO COM A ABERTURA:
Uma abertura bem estudada leva
em consideração a colocação das peças na estrutura de peões
escolhida, temas táticos típicos, manobras estratégicas recorrentes e a
conexão com o meio-jogo. Isto se faz, em grande parte, estudando partidas de
modelo conduzidas por jogadores especialistas na abertura ou defesa que
optarmos para integrar o nosso repertório.
Um estudo desta forma já
entrega as peças redondinhas no meio-jogo e sabemos de antemão os planos para
elas nesta fase. Tente observar que tipo de posições suas aberturas o têm
levado, assim poderá se aprofundar diretamente nos temas mais comuns, ganhando
tempo de estudo e conseguindo assim resultados práticos mais rapidamente.
2.
PERSPECTIVA DO FINAL:
O meio-jogo tem um facilitador
curioso: o final!
Isso mesmo. Ao estudarmos
livros como Lecciones Elementales de
Ajedrez e Fundamentos del
Ajedrez, ambos do Capablanca,
que por sinal era exímio finalista, ele mostra em seus livros com absoluta
clareza a leitura adequada do meio-jogo, onde devemos manter no tabuleiro as
peças que geram desequilíbrio a nosso favor (bispo melhor que cavalo,
bispo bom x bispo mau, estrutura superior de peões, etc.), enfim, é
um raio x que fazemos no meio-jogo que já projeta um final superior.
E, para isto, é necessário que
conheçamos os princípios que regem a última fase da partida - os
"Finais Teóricos"! Assim, nas posições do meio-jogo você terá
mais facilidade para tomar a decisão se deve ou não passar ao final.
3.
PERSONALIDADE DO JOGADOR:
O extra-tabuleiro é um fator
extremamente relevante para o sucesso numa partida, num torneio ou mesmo na
carreira de um jogador. A personalidade do jogador, as suas
características pessoais, portanto, influenciam sobremaneira nesta fase da
partida.
Ao ter suas peças em jogo um
enxadrista mais empreendedor, mais aguerrido, já busca a
iniciativa, aumentando a pressão sobre o adversário. Pode se aventurar num
ataque na ala da dama, numa incursão pelo centro ou mesmo em uma investida
direta sobre o monarca inimigo, que na maioria das vezes se protege
através do roque pequeno, aquele feito na ala do rei. Características
estas ligadas ao xadrez tático-combinatório.
Já um jogador de temperamento
mais calmo, mais elaborado, organizará suas forças de maneira cadenciada,
lutando para assegurar uma estrutura salutar de peões, dominar casas-chaves,
lutar pelo domínio de uma coluna... Enfim, características do xadrez
posicional, onde o jogador tem uma concepção estratégica da luta nas 64 casas,
buscando pequenas vantagens e através da soma delas derrubar a posição
contrária no momento exato.
Há também uma terceira via de
personalidade enxadrística, essa mais rara e muito eficiente: o jogador
universal. Este tem a habilidade de jogar tudo, parece um camaleão.
Os traços então psicológicos do
jogador têm impacto direto nas ações dele pelo tabuleiro como retratam os
livros de psicologia aplicada ao xadrez dos autores Lapertosa, Fine e Krogius.
O meio-jogo, sendo a fase mais
densa da partida, é onde essa forma de agir do jogador mais se sobressai.
4.
ELEMENTOS QUE GOVERNAM AS POSIÇÕES:
Wilhelm Steinitz, primeiro campeão mundial oficial e pai da
Escola Moderna, preconizava que toda posição se caracteriza por certos
indícios. São estes "indícios" que nos guiam. Primeiro
analisamos, onde o tabuleiro passa preliminarmente por um filtro de
identificação dos temas, e só então é que recorremos ao cálculo para
concretizar o que visualizamos no abstrato, no mundo das ideias.
Sendo o meio-jogo um
"casamento" da tática e da estratégia, em razão de ser o ambiente em
que estes dois pilares são mais fortes, que se chocam e se complementam o tempo
todo, é possível elaborar uma lista de elementos recorrentes que governam as
posições e focarmos nestes elementos no momento de analisar o melhor
caminho.
Julgar uma posição corretamente
e reconhecer suas peculiaridades é um pré-requisito essencial. Devemos,
portanto, indagar quais os fatores que determinam o caráter de uma posição, e
qual o plano a ser conduzido.
A questão é ampla e carece de
muito estudo. No entanto, colocaremos alguns temas a serem pesados durante
o meio-jogo:
► Maioria de peões numa
das alas;
► Peão central isolado (é
comum ser o peão de “d” o isolado, o famoso PDI);
► Par de bispos x bispo e
cavalo ou dois cavalos;
► Cadeia de peões;
► Bispo x cavalo;
► Bispo bom x bispo mau;
► Duas torres x dama;
► Centralização da dama;
► Troca das damas;
► Rei ativo no meio-jogo;
► Sacrifício posicional de
qualidade;
► Casas críticas;
► Casas conjugadas;
► Tipos de centro: fixo,
fechado, aberto e indefinido.
Além dos quatro fatores
abordados acima que impactam diretamente o meio-jogo, deve-se
naturalmente jogar muitas partidas para apurar a técnica nesta fase
da partida, ajudando também nosso jogo a fluir melhor.
Finalmente,
concluindo sobre se podemos ou não estudar o meio-jogo: Yes, we can!
FONTES DE PESQUISA:
- Lições Sobre Meio-jogo:
Valtercides Freitas
- Psicologia e Xadrez: Julio
Lapertosa
- La Psicologia en Ajedrez:
Nikolai Krogius
- Psicologia del Jugador
de Ajedrez: Reuben Fine
- Lecciones Elementales de
Ajedrez: José Raul Capablanca
- Fundamentos del Ajedrez: José
Raul Capablanca
- Juegue como un Gran Maestro:
Alexander Kotov
- Winning Chess Middlegames: Ivan Sokolov
- Understanding Chess Middlegames: John Nunn
Vamos em frente rumo à maestria no xadrez!
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