Não bastasse ser o Demiurgo Supremo do Universo Marvel, Stan Lee incorporou personagens de outras mitologias ao seu mundo das maravilhas. Thor é o mais famoso deles.
O Thor de Stan Lee, contudo, guarda poucas semelhanças com o Thor nórdico, o ruivo, o vermelho.
Walt
Disney também importou para o seu mundo inúmeros personagens de outros
autores, marcadamente de antigos contos de fadas. Contos que, nas suas
versões originais, nada tinham de singelos e de confortadores; antes
pelo contrário, eram terríveis, assustadores, feitos mesmo com o
propósito não de agradar às crianças, sim de apavorá-las, de deixá-las
petrificadas de medo, para que fossem dormir e dessem um pouco de
sossego aos pais.
Só
a exemplos, Chapeuzinho Vermelho e Cinderela. No conto original da
Chapeuzinho Vermelho, de Perrault, o Lobo mata a avó, mas não a devora.
Quando Chapeuzinho chega em casa, o Lobo fantasiado oferece a carne da
avó para a menina comer, que come toda a carne e ainda toma uma taça de
vinho, na verdade, o sangue da avó. Na hora de fazer naninha,
Chapeuzinho Vermelho se deita nua com o Lobo na cama, que, não sendo de
ferro, devora a menina. Em Cinderela, dos Irmãos Grimm, doidas para
desencalhar e tirar as teias de aranha, as irmãs más da Cinderela cortam
uma os dedos do pé e outra o calcanhar, na tentativa de calçar o
sapatinho de cristal e abiscoitar a rola do princípe encantado. O
princípe é avisado do embuste e acaba por não desposar nenhuma delas.
Ainda, as duas irmãs tem os olhos furados por aqueles alegres, cândidos e
dóceis passarinhos que ajudam Cinderela no filme da Disney.
Walt
Disney limpou os contos originais de seus elementos tétricos, de suas
sombras, de seus macabros, os higienizou e os tornou palatáveis, mesmo
que insossos, ao gosto do americano médio das décadas de 1950, 1960,
adaptou-os ao "sonho americano", ao American Way of Life; talvez tenha iniciado, sem intenção, o politicamente correto.
O mesmo aconteceu com o Thor ao ser transposto para os quadrinhos. Stan Lee submeteu o deus do Trovão a um processo de disneyficação.
Foi como se o Thor, ao atravessar o portal entre as dimensões da
mitologia nórdica e do Universo Marvel, tivesse sido limpo e despojado
de seus atributos mais rudes, rústicos e brutos, de suas qualidades mais
másculas.
Stan Lee dysneyficou o Thor. O Thor é a Cinderela do Stan Lee.
O
Thor de Stan Lee é alto, elegante e esguio, tem o físico de quem malha
em academia, está sempre com a barba bem feitinha, tem olhos azuis, e
ostenta longas, brilhantes e sedosas madeixas loiras de foto de caixa de
tintura da Loreal. Ou seja, o Thor de Stan Lee é o irmão gêmeo do
Rodrigo Hilbert. Pããããta que o pariu!!! O Thor nórdico tem modos e
compleição física abrutalhados, não tem barriga tanquinho, tem é de
tanque de guerra, é massudo, tem barba desgrenhada e mal cuidada, não
tem físico de quem puxa ( e leva ) ferro se admirando num espelho, tem
físico de remador, de gladiador romano.
Também educado, gentil e erudito, o Thor de Stan Lee; só trata as mulheres por milady e os homens por milorde,
só fala em segunda pessoa, é tu para lá, é vós para cá. O Thor nórdico
não tem nada de gentilezas, de finos tratos e de ilustrações, é cria de
ambientes hostis e sangrentos, onde os fracos não tem vez, se pedir "por
favor", leva uma machadada na testa, se disser "obrigado e com
licença", lhe comem o cu; tem linguajar de marinheiro, de zonão de cais
de porto.
O
Thor de Stan Lee tem um martelo mágico com o qual invoca raios e
tempestades para lançar contra seus oponentes, e que também lhe serve
como propulsor para alçar voo. O Thor nórdico também tem um martelo com o
qual é capaz de invocar raios e tempestades, e este é o único ponto em
comum entre os dois, ou o ponto quase em comum. O martelo do Thor
nórdico não se presta só à guerra. Com ele, o filho dileto de Odin pode
celebrar casamentos e batizados, pode abençoar a terra e garantir boa
colheita, pode acalmar as tormentas e garantir boa pesca e navegação. Só
não sei se é capaz de curar viking broxa. Além disso, o martelo do Thor
nórdico não lhe confere o poder de voo, para o que Thor se vale de uma
biga puxada por dois bodes voadores, Tanngrisnir e Tanngnjóstr.
O
Thor nórdico nos dá a impressão de que está sempre recém-saído de uma
batalha viking, de uma pilhagem a terras bárbaras, de um confronto com
borrascas, serpentes marinhas, trolls e gigantes de gelo. E de que vai,
depois, descansar e relaxar numa taverna. Vai tomar canecões e mais
canecões de mulso (a cerveja lá deles), canecões confeccionados em ossos
de baleias. Vai comer, com as mãos, meia dúzia de gordurosos javalis
que ele mesmo abateu. Vai arrotar e peidar alto. Vai dançar com as putas
até o nascer do dia. O Thor de Stan Lee nos dá a impressão de que está
sempre recém-saído de uma sessão de crossfit, ou de uma aula de
zumba. E de que vai, depois, descansar e relaxar num restaurante
japonês. Vai comer um sushi e um rolinho primavera e tomar uma saquerita
de kiwi.
Como diria o personagem Severino, do imortal Paulo Silvino, "mas isso é uma bichona!!!!!!!!!!!".
Algumas representações artísticas do verdadeiro Thor, o Vermelho. |
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