"Necessário...Realmente necessário?"



Desde que foram lançadas em 1894, as histórias do indiano Rudyard Kipling foram muito adaptadas para o cinema, principalmente sua maior obra: O Livro da Selva, que ficou mundialmente conhecida pela versão animada da Disney em 1967, que posteriormente foi repaginada em um live-action 49 anos depois.





Assim querendo ou não, é praticamente inevitável não estabelecer uma comparação entre Mowgli – a nova e "sombria" versão da história dirigida pelo talentoso na captura de movimentos Andy Serkis em sua nova espreitada como diretor - com a versão de 2016, do tambėm talentoso Jon Favreau. Mais será que há espaço para outra versão? Ou será que já deu?

Por se basearem na mesma história, há semelhanças claras entre as obras, há começar pela premissa inicial (com algumas diferenças, claro) que você já deve saber: a história do bebê que um dia seria menino (Rohan Chand) criado em uma alcatéia de lobos em meio às selvas da Índia e vivendo ao lado deles, junto da pantera Bagheera (Christian Bale) e do urso Baloo (Andy Serkis). O garoto é aceito por todos os animais das matas, menos pelo temível tigre Shere Khan (Benedict Cumberbatch).

Aqui, a selva tem as próprias leis, e dentre elas está aquela de que não se deve atacar as vacas, animais sagrados para o homem, pois assim mantém-se a paz. Shere Khan obviamente está nem ai e deixa espalhadas vacas estripadas pelo caminho, e então há o crescimento da tensão na comunidade dos animais, tudo isso para o vilão conseguir o garoto. Enquanto isso ao crescer, Mogli sente-se como um estranho no ninho, e vai se deparando com o seu lado humano cada dia mais e mais, e aumentando assim a crise entre ele e seus amigos da selva.


Mas as diferenças presentes é o que fazem o longa de Serkis conseguir afirmar sua própria identidade e mostrar um pouco do que quer: apesar dessa "crise" de Mogli, o filme não fala tanto sobre seus conflitos, mas existem pequenas passagens que retratam essa dualidade – algo que se encaixa no subtítulo brasileiro (que ainda soa genérico independente se tem a ver com o filme) de que ele transita entre dois mundos. – Provas como a corrida e fuga do predador (no caso, Bagheera) são comuns para que se aceite novos membros na alcatéia, e o longa se utiliza desses artifícios como ferramentas narrativas, a fim de que o protagonista possa decidir sobre aceitar ou não sua natureza humana.
Assim como a versão de 2016, a ênfase se dá entre os animais, onde os humanos pouco aparecem. Os únicos que merecem menção são o caçador Lockwood (Matthew Rhys) e Messua (Freida Pinto), que aparecem mais na segunda metade do filme, onde um é peça primordial para a decisão de Mogli quanto à sua identidade, assim como a outra mostra a bondade do ser humano. Esses comportamentos são divisores para a jornada do herói em escolher lutar para permanecer no grupo na selva, ou aceitar a condição humana e viver entre os seus semelhantes.


Mais e o tal "tom sombrio e mais fiel ao livro", que foi usado para vender o filme no marketing?

 Bom: Rohan Chand interpreta bem uma criança bestializada, apesar de que a comunicação entre homens e animais seja o inglês/indiano e, em certos momentos, a interação entre humanos mostre certa falta de comunicação entre eles. Mas o menino faz bem seu papel.



O longa é de fato mais pesado que o da Disney (com um visual mais denso e dark) mas muito mais por coisas como algumas sequências com sangue, feridas no corpo do Mogli, nos corpos dos animais, o destino de certos personagens (um em especial eu gostei como fizeram) e vacas com órgãos expostos. Mais ainda é uma versão (menos, mas ainda suavizada) da obra original,onde o longa seria no máximo para maiores de 14 anos, onde na verdade, a partir da segunda metade do filme é que as coisas mais pesadas acontecem, visto que a primeira parte tem até seus momentos descontraídos.


A parte de efeitos especiais no geral é boa, mas ao observar o filme de Favreau de 2 anos atrás, a fluidez dos movimentos, os detalhes nos animais (como os pelos dos lobos) são mais bem elaborados que esses dessa nova versão. Pegando trabalhos do próprio Serkis como comparação, a nova trilogia de Planeta dos Macacos mostra personagens computadorizados extremamente realistas, enquanto que na adaptação atual os animais são mais voltados ao "cartoon" e têm uma animação que é eficaz, mas às vezes meio datada. Sem falar que os personagens renderizados representam mais os rostos dos atores que os dublam do que animais propriamente ditos.

Quanto aos atores além do de Mogli, os destaques ficam para Christian Bale (que faz um ótimo Bagheera) e o Baloo de Serkis, que tem um tom mais ríspido e selvagem que o irreverente e com toques de pilantra da Disney, mas nem de longe é o personagem mais interessante da carreira do ator. Já Kaa (Cate Blanchett) apesar da importância na trama original, serve mais como narradora e conselheira do que outra coisa aqui, enquanto o Shere Khan de Cumberbatch é intimidador (com o ator sabendo utilizar o diafragma para dar o tom certo)...apesar dele ser ironicamente mais light em cena do que o de Idris Elba. Por fim, a fotografia é eficiente e, em certos momentos, compõe cenas de beleza ímpar, como a festa no vilarejo.

No fim, Mowgli é sim um bom filme, correto e bem realizado, mas que não causa nenhuma impressão duradoura ao término. Cada filme deve ser analisado individualmente, e comparações excessivas podem ser injustas... Mas nesse caso elas são inevitáveis, e a versão anterior da Disney ainda é mais impressionante visualmente e narrativamente. Mais independente de qualquer questionamento e comparações, tanto para a obra de Favreau quanto à obra de Serkis, é bom observar o equívoco que Hollyhood deixou acontecer nesse caso.

"Como assim?"

Eu estou falando do bola a fora de dar sinal verde para DUAS produções sobre o Menino da Selva AO MESMO TEMPO. O resultado foi 2 filmes programados para estrear no mesmo ano, onde a diferença seria de seis meses do lançamento de um para o outro. Óbvio que isso não iria dar certo, já que a época em que se lançavam obras similares em curto espaço de tempo como Impacto Profundo e Armageddon (ambos filmes de 98) e isso não afetava a parte da bilheteria não existe mais.


E como a lei do mundo capitalista é exatamente igual a lei da selva (ou seja, prevalecem os mais fortes), Favreau se deu bem ao lançar seu projeto antes, até porque o cineasta responsável por Homem de Ferro e a muito aguardada versão live-action de Rei Leão possui o carimbo da Disney em seus contratos, e hoje em dia não há peso maior que este (junto do "bônus" de sua versão beber da fonte da querida animação do estúdio). Desta maneira, Mowgli acabou sendo empurrado para 2018, até que em julho deste ano a Netflix comprou o longa da Warner, fazendo um lançamento diferente do que havia sido planejado.

Inegavelmente, Favreau foi tão bem sucedido que não é à toa que ele vai comandar o live action de uma das mais aclamadas animações da Disney, enquanto o filme de Serkis teve de se contentar mais com comparações. De qualquer forma, o longa é um bom caminho para o ator ao trilhar seu caminho como cineasta, onde basta ele saber agarrar mais sua própria narrativa, pois assim, mais do que coração, produzirá grandes materiais.




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