Um dos
recentes amigos que fiz pelo Lichess,
Gambini, me mandou ontem um link com essa entrevista. Estudando o volume 1 de “Meus
Grandes Predecessores – Garry Kasparov (republicado pela editora Solis aqui no
Brasil em 2016). Todos os links de onde a transcrevi estarão logo abaixo da
postagem, resolvi transcrever ela aqui, por ela ser de alguns anos atrás, e
assim poder ser lida por mais gente. Só acrescentei imagens e formatei a
estrutura do texto. Boa leitura aos que querem aprender um pouco mais sobre a
história básica do xadrez.
Após
ganhar o Campeonato Mundial de Xadrez da PCA em 2000, tirando a coroa de
campeão do mito Kasparov, Kramnik
concedeu uma entrevista a Vladimir
Barsky, dando sua visão dos treze campeões mundiais antes dele. Como o
próprio Kramnik diz, eles não são campeões ou ex-campeões mundiais, eles são
Reis do Xadrez.
Se
você quer saber como era cada campeão do mundo ou quer saber qual a visão de um
dos melhores jogadores do século XXI a cerca dos campeões anteriores, se
deleite com esse maravilhoso material. Espero que gostem.
Posição de Greco. Brancas jogam e dão mate em 2! |
--
Eu não tive a oportunidade de estudar os clássicos do xadrez quando eu era uma
criança. Eu nasci na cidade Russa de Tuapse onde a literatura de xadrez era
difícil de obter; registra somente os jogadores modernos, tais como Karpov,
Petrosian, etc. estavam disponíveis. Naturalmente, mais tarde eu aumentei minha
instrução. Entretanto, é muito mais fácil para mim falar sobre aqueles que eu
encontrei sobre o tabuleiro, isto é Karpov, Kasparov.
- Como você vê isso, devem os
jogadores mais novos de xadrez estudar os clássicos?
- Em
meu modo de pensar, se você quiser alcançar o alge, você deve estudar toda a
história do xadrez. Eu não posso dar nenhuma explicação lógica clara para isso,
mas eu penso que é absolutamente essencial conhecer toda a história do xadrez.
- Partindo de Gioachino Greco?
- Eu
não penso que é importante começar com aquelas épocas antigas porque aquele é
apenas o ABC do xadrez. Entretanto, os jogos de Philidor devem ser vistos
completamente, sem mencionar Anderssen e Morphy, cujos os jogos devem ser
estudados sem falhas. Este conhecimento será uma ajuda real na auto-melhoria.
WILHELM STEINITZ à
-
Steinitz foi o primeiro a realizar esse xadrez, apesar de ser um jogo
complicado, obedece alguns princípios comuns. Até seu tempo os jogadores de
xadrez compreenderam somente temas individuais. Por exemplo, Philidor propõe e
manteve a seguinte opinião: Os “peões são a alma do xadrez”.
Tenho
impressões diferentes de Steinitz e os outros jogadores de xadrez do século 19.
Isso é porque eu gostaria de compartilhar de meus pensamentos sobre seus jogos.
Eu estudei com cuidado os matchs
jogados por Steinitz contra Chigorin e a Lasker…
Steinitz
fez um estudo compreensivo do xadrez e começou a dar forma a uma base comum
para conclusões individuais. Entretanto, às vezes ele tomou decisões que não
batiam completamente a suas próprias regras. Steinitz era o primeiro a
descobrir determinadas idéias mas ainda estava longe do xadrez de hoje.
Não
pareceu compreender muito bem a dinâmica; a dinâmica era seu ponto fraco. Em
seus matchs contra Chigorin começou regularmente em posições difíceis com
negras. Por exemplo, capturaria o peão do Gambito Evans e transferiria então
todas suas peças à 8ª fileira…
Embora
a maioria de jogadores quizessem renunciar em tal posição, Steinitz defendeu-a
em seu match três vezes, a saber nos jogos 1, 15 e 17, e marcou 1 ½ pontos. Um
jogo que ele inclusive ganhou. Mas a posição do diagrama é absolutamente
desesperada para as negras.
Steinitz
era forte na prática. Teve pensamentos profundos e idéias imaginativas. Por
exemplo, indicou que o rei era uma parte forte, capaz de defender-se. Esta
idéia é realmente imaginativa e mesmo verdadeira em alguns casos mas não é uma
parte da base clássica do jogo.
Até
seu tempo as pessoas tinham apenas jogado o xadrez, Steinitz começou a
estudá-lo. Mas como acontece frequentemente na primeira vez é apenas uma
tentativa. Com respeito devido ao primeiro campeão do mundo, eu não posso dizer
que foi o criador de uma teoria do xadrez. Era um experimentador e indicava que
o xadrez tinha leis que precisavam ser consideradas.
EMANUEL LASKER à
- Em
minha visão, Lasker foi um pioneiro do xadrez moderno. Quando você olha os
jogos de Steinitz você compreende que foram jogados num século antes do último
visto que Lasker teve muitos dos jogos que os jogadores de xadrez modernos
poderiam ter tido. Lasker é a primeira ligação na corrente do xadrez “global”
onde os vários elementos de combate poderiam ser levados em conta. Steinitz se
concentrou principalmente em elementos posicionais individuais. Por exemplo, se
tivesse uma estrutura melhor de peões junto de um ataque promissor no rei
inimigo, pensava que sua vantagem era quase decisiva. Mas Lasker compreendeu
que os componentes posicionais diferentes poderiam se deslocar. Ele percebeu
que esses diferentes tipos de vantagem poderiam ser permutáveis: a vantagem
tática podia ser convertida em vantagem estratégica e vice versa.
Eu
penso de que Lasker teve um conhecimento mais extensivo do xadrez do que
Steinitz. A propósito, é significativo que o Campeão Mundial de xadrez em 1894
(para não mencionar o retorno) foi uma disputa errada.
Minha
impressão é que dois jogadores completamente diferentes nos termos da
introspecção se encontraram sobre o tabuleiro. No rating atual, nós diríamos
que um jogador com uma avaliação de 2700 jogou de encontro a outro avaliado em
2400. Isso é porque a vitória de Lasker era muito convincente; quase jogou seu
oponente pra fora. Eu sabia que Steinitz era um grande jogador mas no match ele
foi derrotado fortemente, que veio como um choque cultural a mim. Eu nunca vi
uma diferença tão enorme entre os participantes de um Campeonato do mundo,
parecia mais uma exibição simultânea do que um match para o título. Naquele
tempo Steinitz já deveria ter estado sobre a montanha. Mas eu não poderia ter
imaginado que era aquele jogador fraco porque manteve resultados decentes nos
torneios.
Lasker
era uma pessoa impressionante. Ele compreendia muito o xadrez. Eu estava
olhando seus jogos há um tempo atrás e fiquei assombrado: seu conhecimento era
inacreditávelmente grande para seu tempo! Era o primeiro a compreender a
importância de fatores psicológicos e começava a a prestar atenção a eles.
Começou a adaptar sua estratégia e, até certo ponto, seu estilo aos oponentes
diferentes. Enquanto que Steinitz manteve um conceito porque pensou: isto está
correto e aquilo não está.
Lasker
compreendeu uma idéia que era consideravelmente difícil para uma época em que
as pessoas viam o xadrez somente em preto e branco. O xadrez é um jogo muito
complicado e pode ser absolutamente obscuro o que é certo ou errado. É possível
agir de maneiras diferentes. Lasker era muito flexível e sem dogmas. Era o
primeiro jogador sem dogmas na história do xadrez. Não pensou em termos de
“isso é bom e isso é ruim”. Por exemplo, se você controlar e ocupar o centro, é
bom, se não, é mau”. Aquilo foi um passo grande para o desenvolvimento do
xadrez.
Em
minha opinião, quando Lasker retirava de Steinitz seu título, ele estava acima
e adiante de todos os outros. Desde essa época a história do xadrez não viu uma
diferença tão grande. Lasker havia ultrapassado todos até o surgimento de uma
nova geração e seus oponentes, como Tarrasch, ficaram mais fortes.
- Nós mal podemos dizer que Tarrasch
representou a nova geração porque era seis anos mais velho que Lasker…
- Eu
penso que Tarrasch ficou mais forte com o passar do tempo. Quando Lasker estava
lutando pelo título, o jogo de Tarrasch não era impressionante.
- Tarrasch considerou Lasker como um “novo
sistema” porque quando Tarrasch já era “o professor da Alemanha”, Lasker não
era ninguém. Steinitz desafiou Tarrasch para um match, mas desistiu mais tarde.
- Eu
não fiquei impressionado com jogo de Tarrasch. Teve idéias imaginativas mas
como todos os jogadores desse tempo era propenso a rigidez. E Lasker não era.
- Lasker se tornou campeão do mundo em
1894 quando Pillsbury ganhou o famoso Torneio de Hastings de 1895 onde Chigorin
estava em segundo e Lasker ficou somente com o terceiro lugar. Teve oponentes
dignos…
- Eu
não discutirei. Esta é minha visão pessoal e eu penso que em meados de 1890
Lasker estava a frente dos outros na compreensão, na capacidade e na força do
jogo. Este período não durou muito, dois a três anos, seus oponentes foram
melhorando, aprendendo com ele.
Ao
mesmo tempo Lasker foi uma figura subestimada. A lenda que Steinitz era um
jogador super estratégista enquanto Lasker era principalmente um psicólogo… eu
gostaria de disipar este mito.
- De qualquer maneira, nem todos sabem
que Lasker negou exercer “a influência psicológica” em seus oponentes dizendo:
“Meu sucesso é baseado principalmente na compreensão da força das peças, não na
natureza do oponente”.
Naturalmente,
teve oponentes dignos. Nós não devemos esquecer de Rubinstein, um jogador de xadrez incrível talentoso e fantástico. É
uma pena que com seu conhecimento extensivo do xadrez, ele não fosse um campeão
do mundo. Ele criou verdadeiras obras primas algumas ultrapassando a sua época.
Para compreender isso, você deve apenas olhar a coleção de seus melhores jogos.
Por que não se transformou num campeão do mundo? Isso é um mistério para mim.
Seus nervos podem ter desempenhado um papel nisso ou ele pôde não ter sido
muito bom na prática. Em todo o caso, era um homem de grande talento.
Lasker
manteve o título por 27 anos. Era realmente um grande jogador de xadrez. Entretanto,
naquele tempo nem todos os oponentes dignos tiveram uma oportunidade de jogar
para o título e aqueles que participaram do Campeonato do mundo não eram sempre
os jogadores mais fortes.
JOSE RAUL CAPABLANCA à
O MAGNÍFICO
"O xadrez é muito mais do que um jogo. É uma diversão intelectual que tem um pouco de arte e muito de ciência. É além disso um meio de aproximação social e intelectual." |
- Mas Capablanca mereceu jogar o match!
-
Capablanca era um gênio. Era uma exceção que não obedeceu nenhuma regra. Eu não
diria que desenvolveu qualquer coisa no xadrez… Tal pessoa poderia nascer em
qualquer momento, apenas como Morphy: no meio do século 20 ou ainda no século
19. Capablanca tinha uma sensibilidade para o jogo consciente e harmonioso.
Quando eu era um menino eu gostava muito de seu livro. Capablanca ensina o
xadrez porque explicou determinados princípios de uma maneira muito simples e
exata, que era fácil de compreender. (Agora, entretanto, eu não considero que
algumas de suas indicações estavam corretas).
Teve
um talento natural, que não foi acompanhado de trabalho duro. Hipoteticamente,
nós poderíamos dizer que se Capablanca gastasse tanto tempo trabalhando no
xadrez como Alekhine e Lasker, ele teria um progresso melhor. Entretanto, em
minha visão, estas coisas eram mutuamente exclusivas: o trabalho duro não
acompanhou seu talento. Não necessitou trabalhar duramente. Nós podemos
comparar Capablanca com Mozart, cuja a música fluia sem esforço em sua mente.
Eu tenho a impressão que Capablanca não sabia mesmo porque preferiu este ou
aquele lance, apenas movia as peças com sua mão. Se trabalhasse muito no
xadrez, poderia ter jogado pior porque começaria a tentar compreender coisas.
Mas Capablanca não teve que compreender qualquer coisa, ele apenas teve que
mover as peças!
Dizem
que perdeu para Alekhine devido a sua preparação incompleta. Eu não concordo.
Fêz o que era direito para ele; se não, ele teria minado seu talento único.
Em
1921 Capablanca derrotou Lasker. A propósito, Lasker não estava jogando mal
nesse match; reteve a grande força prática. Em minha opinião, este era o
primeiro match para o título do Campeonato do mundo onde ambos os oponentes
eram muito fortes. Capablanca era mais novo, mais ativo e um bocado mais forte.
No último jogo Lasker cometeu um erro terrível. Entretanto, os jogos
precedentes viram uma luta uniforme e fascinante.
Nos
outros matchs onde Lasker jogou,
viu-se bons confrontos ou muitos erros, como acontecidos em seu encontro a Schlechter. Quanto ao match de Capablanca-Lasker, havia poucos erros e
os jogos eram uma luta real. Lasker era um jogador de xadrez impressionante,
visto que Capablanca era um gênio natural. Francamente, é incrível como Alekhine
conseguiu derrotá-lo!
ALEXANDER ALEKHINEà
O DINÂMICO
"Para competir no xadrez, é preciso, antes de mais nada conhecer a natureza humana e compreender a natureza do contrário." |
- Bem como sua natureza e vontade forte… certamente,
Alekhine também era um jogador dotado e tinha grande talento. Entretanto, é
difícil compreender porque ele ganhou contra Capablanca. Aconteceu apenas e
isso é ele. Eu concordo com o Kasparov que Capablanca não suportou a tensão da
luta. Em seu match contra a Lasker, Capablanca aplicava a pressão enquanto seu
oponente defendia. Lasker estava "respondendo a pressão" de tempo em
tempo mas na defesa. Alekhine conseguiu lidar com essa pressão e estava
tentando aumentar a tensão ele mesmo. Capablanca não pôde lidar com esse stress selvagem. Foi usado para jogar
torneios fáceis, ganhando algumas empatando outras graças ao seu talento ficava
geralmente com o primeiro ou segundo lugar e então relaxava, bebendo vinho, apreciou
a vida! … Mas lá teve que enfrentar a tensão aguda. O match era longo; os jogos
eram sérios e com muito combate. Alekhine colocou em dificuldade o campeão do
mundo em cada jogo.
- Foi Alekhine o primeiro jogador de
xadrez a empreender realmente uma análise moderna da abertura?
-
Alekhine era definitivamente um trabalhador compulsivo. Teve um talento
estratégico e foi o primeiro jogador que teve uma sentimento consciente para a
dinâmica. Lasker usou a dinâmica de maneira importante mas não deu forma a base
de seus jogos, ele manteve-a apenas na mente e usou-a as vezes. Mas Alekhine
colocou uma aposta na dinâmica e descobriu verdadeiramente essa área do xadrez.
Provou que era possível aproveitar-se da vantagem da dinâmica pelos seguintes
princípios posicionais principais: para começar a tecer um tipo de rede desde
os primeiros movimentos, ameaçando e atacando em cada etapa sem procurar uma
vantagem a longo prazo.
- No fim de 1920 começo de 1930
Alekhine atropelava seus rivais. Ou ele não tinha jogo para dominar Lasker em
seu tempo?
- Eu
penso que aconteceu por causa de alguma sorte “de dias problemáticos”.
Capablanca não jogou muito. Capablanca e Lasker não participaram daqueles
torneios onde Alekhine triunfou. Botvinnik e Keres não tinham desenvolvido sua
força ainda, os jogadores mais velhos estavam subindo a montanha. Alekhine era
definitivamente um campeão excepcional do mundo, mas a diferença entre ele e os
outros pode ser explicada por estas razões. Eu não diria que demonstrou
qualquer coisa diferente naqueles torneios em seu jogo antes e durante o match
de encontro a Capablanca. Estava jogando no mesmo nível. Naturalmente, Alekhine
enriqueceu seu jogo, tornou-se mais experiente, mas eu não diria que era um
inovador. Por que esta distância não existiu antes do match e apareceu somente
após? Francamente, eu não penso que tenha feito qualquer coisa pelo xadrez. Seu
match contra Euwe provou isto.
MAX EUWE à
O VERSÁTIL
"Quem não vê um objetivo no xadrez além de dar xeque-mate nunca se tornará um bom jogador." |
- O Holandês Max Euwe foi o quinto
campeão do mundo. Alguns dizem que não mereceu ganhar o título, e o foi por
pura casualidade.
-
Euwe era um jogador de xadrez muito bom. Botvinnik
é conhecido por ter dado forma à base de um sistema detalhado de preparação,
mas eu penso que o crédito pertence a Euwe. Ele mostrou como era importante a
abertura e a preparava brilhantemente. Além disso, ele tinha um sentimento
sutil para aspectos da preparação da abertura. Apesar do trabalho duro de
Alekhine ele usava aberturas obviamente duvidosas. Fazia-o mesmo nos jogos
muito importantes, que vieram como uma surpresa pra mim. Isso significa que os
outros não sentiram que a abertura era duvidosa ou esperavam que ela poderia
funcionar. Euwe preparou uma abertura fundamental e racional. As aberturas eram
sempre seu ponto forte. Era sempre muito bom em aberturas.
- A parte disso, era o primeiro a
listar a ajuda dos principais grandes mestres. Por exemplo, Flohr…
-
Euwe levou uma posição profissional ao xadrez. Era um jogador de xadrez
versátil porque é difícil de descrever e subestimado. Era uma classe de jogador
“indefinido” e seu estilo é difícil de rever. Eu não o estudei completamente.
Pode ter consistido de uma combinação de elementos diferentes mais os nervos do
aço, mais uma posição saudável a vida. Era uma pessoa muito calma e
bem-equilibrada. Aquelas eram as chaves de seu sucesso e mereceu inteiramente
seu título do Campeonato mundial derrotando
Alekhine.
Sim,
Alekhine estava fora de forma. Mas não é verdade que estava em má forma durante
o match inteiro. Estava lutando ferozmente, no início exibiu um jogo brilhante.
Assim, nós não podemos dizer que estava em má forma quando começou o match. Em certo ponto Euwe começou a tirar Alekhine do jogo, que agora
estava preso a garrafa… (Nota do Ozymandias: Kramnik se refere aos problemas com o Alcool que Alekhine passava, em
boa parte causado por terem lhe tirado sua família, terra natal, e terem
destruído sua reputação sobre acusações dele ter colaborado com os nazistas)
algumas outras razões prevaleceram: estas podem ter sido fatores psicológicos
ou algo mais. Não era uma questão de má forma. Euwe manteve melhor a tensão
“travando” seu oponente nas aberturas. Ataques de Capablanca primeiramente
repeliu os ataques de Alekhine nas aberturas. Alekhine era conhecido como uma
enciclopédia de aberturas de xadrez enquanto que Euwe conseguiu frequentemente
ganhar uma vantagem nas batalhas da abertura, conceitual e em linhas
específicas. Por exemplo, usaram a Defesa
Eslava com ambas as cores. Euwe ganhou
a batalha.
Eu
olhei o livro escrito sobre seu match de retorno em 1937 e vi outra vez um
mesmo encontro. Alekhine é lembrado por ter recuperado facilmente o título. O
boato era que perdeu o título por causa de seu hábito de beber, quando parou
com a bebida, ganhou, o que realmente não tem nada a ver com a realidade.
Primeiramente, Euwe teve uma contagem positiva (3-1 em jogos decisivos) de
encontro a Alekhine no período entre seus match e retorno-match. Isto significa que embora Alekhine quebre seu hábito
bebendo quase imediatamente depois do match, Euwe se manteve. O retorno viu
também uma competição uniforme. No primeiro match foi Alekhine que desmoronou
quando no retorno a mesma coisa aconteceu a Euwe que perdeu diversos jogos em
uma sequência. Por que aconteceu? Euwe poderia não querer continuar como
campeão do mundo, o título pode ter sido um ônus psicológico pesado para ele.
Em todo o caso, eu penso que não aconteceu por pura possibilidade. O retorno
não era “um pedaço do bolo para Alekhine”; este mito deve desaparecer.
MIKHAIL BOTVNNIKà
O CONCEITUAL
- E agora atingimos Botvinnik, o
primeiro campeão do mundo que você conheceu atualmente.
-
Botvinnik representou definitivamente uma nova era no xadrez. Eu o chamaria de
o primeiro profissional verdadeiro. Foi o primeiro a perceber que o desempenho
do xadrez não era somente dependente das habilidades no xadrez. Desenvolveu a
preparação detalhada para as competições que consistiram em longos estudos de
aberturas aliados com um sono saudável, rotina diária e exercícios físicos. Era
um pioneiro neste campo.
É um
pouco engraçado para um moderno jogador de xadrez ler sobre o match de Alekhine-Euwe: os jogos
adiados, um jogador tinha problemas com a bebida, o outro teve uma reunião de
negócios antes do começo do jogo… tais
coisas não poderiam acontecer a Botvinnik.
Seus
jogos são de um nível muito elevado . Entretanto, às vezes teve falhas. Eu não
sei qual era a razão. Eu tenho a impressão que deu tudo que sabia em cada jogo
e estava jogando com toda sua força. Pareceu falhar de tempos em tempos devido
ao stress
colossal. Apesar do fato que foi chamado "O homem com uma vontade de ferro”.
- Tais falhas aconteceram também a
Botvinnik em sua juventude ou somente em sua idade madura após tempos sem
jogar?
- Eu
penso que tais falhas aconteceram em toda a idade. Eu não estou me referindo a
torneios (entretanto, ocorreram também), mas as falhas em jogos individuais. E
mesmo quando você olha seus matchs
para o Campeonato do mundo você vê aquilo em um, dois, e às vezes em três
jogos, ele desmoronou. Eu observei-o,
mas não encontrei nenhuma explicação para isso. Eu quis apenas atrair sua
atenção a este fato, que era de algum modo despercebido por jornalistas. De
qualquer forma, isso não é importante em comparação ao enorme número de jogos
excepcionais que jogou. Botvinnik levou muitas idéias conceituais ao xadrez.
- Você ouvia sempre opiniões de
pessoas que diziam que Botvinnik ganhou os jogos devido a seus caráter e
vontade forte, embora alguns de seus oponentes tivessem um talento maior no
xadrez?
- Eu
concordo com esta indicação até certo ponto. No entanto, o talento não pode
existir separado, sem os outros elementos. O Talento é algo difícil de se
perceber. Alguns jogadores não conseguem resultados excepcionais, entretanto
são considerados talentosos. Mas eu penso que quem goste do xadrez como em todas
as outras atividades, talento é apenas um dos componentes. Não deve ser mais importante do que o caráter. Isso é porque as
indicações populares como “ele é um homem talentoso, mas não consegue o sucesso
por causa de sua natureza sensível” não trabalha. Eu concordaria que Capablanca
teve um talento maior no xadrez do que Botvinnik, quando o último se sobressaiu
outros elementos, isto é caráter, na preparação, que não é assim tão fácil. Ele era um gênio nestas áreas. Assim,
as indicações acima não diminuem os méritos e importância de Botvinnik como um
jogador de xadrez porque o potencial é uma coisa enquanto a realização é outra.
De fato, a carreira de Botvinnik foi a de um gênio, embora não fosse um gênio,
em meu modo de ver.
- Botvinnik esteve um passo adiante no
desenvolvimento do xadrez comparado a seus predecessores?
-
Levou um grande número de coisas conceituais. Criminoso enquanto pode soar, eu
não penso que avançou o xadrez, contribuído com algo absolutamente novo ao
jogo. Entretanto, fêz uma contribuição grande à preparação. Outra vez o gosto
difere: algumas pessoas pensam que a preparação é uma parte do jogo, outro a
considera um elemento separado. Em minha visão, a preparação é uma parte integral
do jogo. Se nós comparássemos Botvinnik com o Capablanca, Capablanca era uma
pessoa mais dotada, um jogador de xadrez magnífico, visto que Botvinnik fêz uma
contribuição muito maior ao xadrez.
- Que impressão as reuniões pessoais
com o patriarca fizeram no jovem Vladimir Kramnik?
-
Muito favorável. Eu compreendo que era uma figura controversa e seus colegas
tinham intrigas com ele. Eu ouvi opiniões diferentes e não as quero comentar.
Eu não estou tentando evitar o assunto, mas eu não vivi em seu tempo e não vi
estas coisas com meus próprios olhos. Assim, eu não posso chegar a conclusões
“profundas”. Eu sei que Botvinnik em seus últimos anos fizeram uma favorável
impressão em mim.
Eu
gostaria de mencionar uma coisa que pareceu estranha para mim. Significa certa
discrepância entre sua opinião e seu caráter. Botvinnik acreditou sinceramente
em idéias comunistas. Além disso, gastou muito tempo pensando e acreditando
nelas. Ao mesmo tempo era uma pessoa muito sábia e inteligente com as maneiras
de um professor de St. Petersburgdo que não tinha nada a fazer com a Rússia
pós-revolucionária. Me é um mistério como controlou combinar suas convicções
comunistas com a natureza de um
intelectual verdadeiro. Esta discrepância me impressiona. Em regra geral,
tais eram as regras do jogo que os intelectuais soviéticos levaram uma posição
oportunista em pagar o tributo as idéias comunistas.
Naturalmente,
Botvinnik era muito rígido. Aquela era sua força. Eu penso que deve ter sido
categórico por natureza. Mas esta qualidade deve ter sido uma desvantagem em
sua colaboração com as pessoas.
VASILY SMYLOV à
O PRECISO
-
Como você descreveria o sétimo campeão do mundo, Vasily Smyslov?
-
Como posso me expressar de maneira correta? … É verdade no xadrez! Smyslov joga
corretamente, vorazmente e tem um estilo natural. A propósito, por que você
pensa que lhe falta essa aura do místico que tem Tal ou Capablanca? Porque
Smyslov não é um ator no xadrez, seu jogo não é artístico, nem fascinante. Mas
eu sou afeiçoado a seu estilo. Eu recomendaria um estudo dos jogos de Smyslov
as crianças que querem aprender a jogar o xadrez porque joga o jogo como deve
ser jogado: seu estilo é o mais próximo
“da verdade virtual” no xadrez. Tentou sempre fazer o lance mais forte em
cada posição. Superou muitos outros dos campeões do mundo no número dos lances
mais fortes feitos. Como um profissional, esta habilidade me impressiona. Eu
sei que os espectadores estão mais interessados nas falhas… melhor e pior. Mas
do ponto de vista profissional, subestimou-se Smyslov.
Dominou
todos os elementos do jogo. Smyslov era um especialista
brilhante do fim de jogo, tudo em todo seu jogo assemelhou-se a um fluxo
limpo, como uma canção. Quando você olha seus jogos, você tem esse sentimento
claro como se sua mão estivesse fazendo todos os movimentos por si quando o
homem não faz nenhum esforço - como se estivesse bebendo o café ou lendo um
jornal! Passa a sensação de um leve toque de Mozart! Nenhum stress, nenhum esforço, tudo é simples,
contudo brilhante. Eu gosto desta característica de Smyslov e eu sou afeiçoado
de seus jogos.
- Smyslov e Botvinnik jogaram quase
cem jogos uns contra os outros, includindo três Campeonatos do mundo.
Produziram jogos de alta qualidade nos termos dos padrões modernos?
-Jogos
de real qualidade. Naturalmente, cometeram erros desde que os matchs eram muito longos mas o nível
médio de seus jogos eram muito elevados. Às vezes erravam, porém eu não diria
que isso teve um impacto forte na avaliação geral do jogo. Ao mesmo tempo a
força média de cada lance era muito elevada.
- O diamante cortou o diamante - eram
oponentes dignos, não eram?
-
Sim, eram. Embora diferissem em sua posição no xadrez, no todo era uma
competição uniforme. Eu me sinto um pouco pesaroso que Smyslov não segurou o
título por um período maior porque, em minha visão, é realmente um jogador
excepcional. Jogou o uma Final de
Candidatos quando tinha 63! Isto indica a classe mais elevada. Os jogadores
de xadrez que adotam uma posição intensiva normalmente não podem manter sua
posição no nível mais elevado nessa idade. Smyslov poderia, e não era por causa
de seu energia, impulsão ou caráter - teve uma compreensão profunda do xadrez. Botvinnik era um grande jogador, mas ao
passar dos 50 começou a jogar pior, embora conseguisse manter um bom nível
por muito tempo. Não pôde segurar o título por muito tempo porque não teve um
desejo ardente de o fazer. Eu penso que não era importante para ele. Sob
determinadas circunstâncias Smyslov poderia ter segurado o título por
aproximadamente 15 anos. (Nota do Ozymandias: Acredito que as “determinadas
circunstâncias” a qual ele se refere, fosse a regra do “match revanche”, um
privilégio que o campeão mundial Botvinnik pode usufluir, sem precisar jogar 3
anos de torneio contra a elite para tentar recuperar seu título).
- Diria que o jogo de Smyslov era como
de seus predecessores?
-
Não., jogou diferentemente, ele teve seu próprio estilo de xadrez. Era um
mestre do jogo posicional e superou seus predecessores nesta área. Era também
bom na abertura, na preparação e nas táticas mas não mais que isso. Smyslov não
teve idéias conceituais incríveis mas era muito preciso e realizava suas idéias
“milímetro a milímetro”. Provavelmente, foi o primeiro jogador de xadrez a
alcançar o nível mais elevado da exatidão. Até certo ponto, Smyslov era o
pioneiro deste estilo, que adiante foi desenvolvido brilhantemente por Karpov,
isto é a montagem gradual da pressão posicional baseada no cálculo mais preciso
de linhas curtas.
MIKHAIL TAL à
DE OUTRO PLANETA
- Eu
conheci mal a Mikhail Tal mas eu era sortudo por jogar um par de jogos com ele.
Em 1990 ele participou de um forte torneio em Moscou. Eu fiquei preocupado com
ele porque ele parecia doente. Não nos encontramos sobre o tabuleiro no torneio
principal, mas os organizadores arranjaram um blitz no dia seguinte.
- E
como foi?
-
Nós empatamos no blitz. No jogo de 15 minutos eu pretendia ganhar. Tal
sacrificou uma peça, então outra sem nenhuma compensação; apreciou o jogo,
jogou-o para o divertimento e o fez facilmente, o resultado não tinha nenhum significado. Quando fez um esforço, Tal
poderia tranquilamente manter um alto nível de jogo. Incidentemente, teve um
bom desempenho no blitz, nós compartilhamos o 2o-3o lugares. Eu tinha 15 anos
naquele tempo e não era forte, mas eu
tinha uma mente rápida. O torneio de blitz teve um bom nível: havia 12
jogadores, incluindo 10 GMS, um mestre internacional e eu mesmo - um Mestre
FIDE (MF).
Em
um ponto em meu jogo contra Tal, meu coração bateu forte. Em uma posição
difícil e aproximadamente igual nós tínhamos meio-minuto cada um. Eu fiz um
lance e acreditei que meu oponente tinha um sopro tático oculto em sua posição.
As bandeiras estavam penduradas e era nossas mãos que faziam os lances! E Tal
encontrou imediatamente esse sopro me deixando numa posição desesperada. Eu não
posso dizer que fiquei impressionado - eu era ciente que era Tal, mas era um
Tal que sofria de uma doença séria… Nenhum outro jogador encontraria este sopro
tático mesmo em um jogo clássico. Entretanto, com as bandeiras aproximadamente
a cair, o jogo terminou num empate por
xeque perpétuo.
Tal
era uma estrela, um gênio real do xadrez. Ele não era ambicioso em tudo, jogou
principalmente para o divertimento e apreciou o jogo. Esta atitude é totalmente
anti-profissional. Mas era um
jogador incrivelmente dotado e uniforme com uma posição tão amadora, Tal
conseguiu transformar-se um campeão do mundo.
Quando
eu era uma criança eu não estudei muitos de seus jogos. Como eu já mencionei
havia poucos livros de xadrez na cidade provincial onde eu vivi. Quando eu
cresci, eu analizei jogos de Tal. Eu posso dizer que era um jogador posicional
forte. Entretanto, muitas pessoas consideram-no apenas como um tático. De fato,
embora teve uma mente tática excelente, ao mesmo tempo era um jogador de xadrez
versátil, como todo o profissional de sua força. No fim dos anos 70 e início
dos anos 80 conseguiu sua segunda onda de sucesso, jogando de uma maneira
disciplinada e posicional, e muitos jogos vencidos com disposições posicionais
brilhantes.
- Que é considerado por ter sido um
resultado de sua cooperação com o Karpov.
- Eu
não penso assim. Naturalmente, sua cooperação com o Karpov era útil porque
desviou sua atenção de todos aqueles prazeres restantes que gostava além do
xadrez. Em lugar disso, trabalhava no xadrez. Mas eu não penso que sua
cooperação com o Karpov foi crucial. Tal era completamente e simplesmente um
jogador de xadrez versátil excepcional. Naturalmente, sua atitude no xadrez
teve um efeito. Se tivesse o caráter de Botvinnik, poderia ser impossível derrotá-lo…
- Entretanto, uma pessoa não pode ter
tudo - é uma qualidade ou outra.
-
Sim, isso é correto. Há mais um ponto que eu gostaria de discutir: cada jogador
de xadrez tem seus pontos fracos. Um ponto forte causa algum ponto fraco. É
impossível combinar os pontos mais fortes de Botvinnik com os de Tal porque são
mutuamente exclusivos (no sentido do xadrez). O talento de Tal, sua posição no
jogo, a atitude relaxada e a energia criativa enorme deram-lhe uma vantagem
substancial mas tiveram também seus inconvenientes. Eu penso que tal atitude
não permitirá que uma pessoa segure o título para, vamos dizer, 15 anos. É como
um flash espetacular, uma estrela levantando-se e caindo - tais pessoas podem
ser incapazes de viver de outra maneira. Este tipo da estrela é assim tão
brilhante que é incapaz de reter sua energia por muito tempo e se queimará.
É
difícil falar sobre Tal porque era uma pessoa incomum e um jogador muito
fascinante. Como um fenômeno natural. Eu estou absolutamente certo que ele
seria um sucesso em todos os campos de trabalho. Teve uma mente rápida e
brilhante. Se fosse um acadêmico, ganharia
um prêmio de Nobel. Era um homem extraordinário. A propósito, muita gente
que o conhecia absolutamente bem, disse que ele não tinha nenhuma relação com
homo sapiens. Era como um homem de um outro planeta! Isso é porque jogou o
xadrez “inidentificável”. Analisar seus jogos de xadrez é semelhante a discutir
o sexo dos anjos.
TIGRAN PETROSIAN à
O EQUILIBRADO
"Dizem que as minhas partidas poderiam ser mais interessantes. Eu poderia ser mais interessante e perder também." |
- Foi o campeão do mundo seguinte, mais um
homem extraordinário?
-
Sim, era uma pessoa extraordinária. O estudo cuidadoso dos jogos de Petrosian é
requerido para dar forma a uma impressão clara dele. Era, um jogador muito
“reservado”. Nós podemos chamar Petrosian de o primeiro defensor com um D.
maiúsculo. Era a primeira pessoa a demonstrar que é possível defender
virtualmente cada posição. Petrosian contribuiu no elemento defensivo do xadrez
- um elemento que está se desenvolvendo mais e mais hoje. Mostrou que o xadrez
contém um número enorme de recursos, incluindo a defesa.
Petrosian
era um jogador de xadrez muito intenso e difícil de compreender. Eu não penso
que foi apresentado ao público de maneira correta. É um dos poucos jogadores de
xadrez de quem eu não consigo dar forma a uma opinião clara após estudar sua coleção
de jogos. Há algo misterioso sobre Petrosian. Era um jogador estratégico tático
e brilhante, embora sua compreensão
posicional não fosse tão boa quanto Smyslov. Entretanto, muitas pessoas
consideram-no ter sido um mestre do jogo posicional. Foi definitivamente um
jogador que poderia lidar com cada tipo de situação, mas eu não penso que o jogo posicional foi sua xícara de chá. A defesa
e uma visão tática magnífica eram seus pontos mais fortes -- do porque era
assim tão bom na defesa. -- Somente um tático brilhante pode ter sucesso na
defesa, e teve a visão perfeita de todas as oportunidades e nuances táticos de
seu oponente. Eu poderia dizer que o ataque, é melhor que a defesa, é uma
habilidade posicional. Você pode atacar na maior parte na base de idéias
gerais, visto que na defesa você tem que ser específico. Os cálculos das linhas
e a verificação de características posicionais específicas são mais importantes
para a defesa do que para o ataque.
Naturalmente, eu devo mencionar o
sentido sutil de Petrosian ao perigo.
Até certo ponto, esta habilidade vai em conjunto com eficiência na defesa.
Petrosian podia sentir o perigo. Eu penso também que poderia ser muito
imprevisível.
- Parece que ele não fez progresso
rápido e nem aumentou muito seu nível após passar dos 30.
-
Tanto quanto eu compreendo que era “escorregadio”: constante, calmo,
bem-equilibrado com um sistema nervoso forte, uma disposição muito sadia. E
progrediu nessa maneira: conseguiu seu objetivo sem falhas e sem apressar-se.
BORIS SPASSKYà
O DETALHISTA
"Se quer ganhar de Petrosian, pegue-o pelas bolas. Mas não as duas de uma vez, só uma, caso contrário ele escapa." |
- E como você descreveria Boris
Spassky?
- Eu
concordaria com “a versão oficial”:
foi o primeiro jogador realmente versátil. Eu gosto de seu jogo amplo e
detalhado. Eu penso que é um companheiro muito ocupado que não presta muita
atenção as probabilidades e as extremidades diversas. O jogo de Spassky
lembra-me o de Keres. Mas Spassky tem mais fantasia e imaginação do que Keres,
que em minha visão, teve alguns problemas com fantasia.
Spassky
é também um jogador correto, neste aspecto “clássico” é como Smyslov. Mas visto
que Smyslov é um jogador calmo, Spassky tem um estilo de ataque. Combina as
qualidades de jogadores de xadrez diferentes. Como Alekhine ele avalia o tempo.
É um jogador estratégico muito bom. Pode não ter polido sua eficiência tática e
às vezes calculou um pouco mau, penso que a energia gastada por Spassky em cada
jogo de xadrez era um reflexo de seu caráter. Seus jogos são agradáveis de
prestar atenção: usa o tabuleiro inteiro. Controla tudo, usa o espaço, gira
sobre a pressão aqui e lá… Eu estudei com cuidado o match de Fischer-Spassky e posso dizer que o
jogo de Spassky era quase tão bom quanto Fischer.
- Quais eram seus pontos fracos então?
-
Incrivelmente ele fez lances errados em virtualmente cada jogo perdido. Eu não
compreendo o que lhe aconteceu. Deve ter sido a energia de Fischer e a pressão
extrema que podia carregar tudo antes dela, mesmo Spassky. Mas se nós
deixássemos de fora aqueles enganos o match
seria uma competição uniforme. Embora se considerou uma forma incorreta de
disputa pelo fato de poucos matchs
para o título onde a contagem não refletiu a situação real. Na segunda metade
do match Spassky estava contornando a pressão enquanto Fischer estava ficando
distante em cada jogo. Nesse match Spassky pôde ter sofrido de sua negligência
naquelas probabilidades e extremos diversos: não calculou, errou em uma posição melhor ou decidida. E seu ponto
forte foi em torno de um ponto fraco. Provavelmente sua preguiça o deixou
inferiorizado. Por exemplo, eu ouvi que Spassky não gastava muita tempo com o
xadrez. Não teve muito profissionalismo.
Spassky
não era suficientemente disciplinado nem ambicioso. Pelo que foi referido, eu
penso que não havia muita diferença entre o Campeonato do mundo e o Campeonato
de Leningrado. Ele teve praticamente a mesma preparação. E não teve muita sorte
porque teve na mesma era que ele nada menos que Fischer, um homem que poucos campeões do mundo poderiam vencer!
- Qual foi sua impressão de Spassky
quando você se encontrou com ele?
-
Nos falamos muito e jogamos para o mesmo clube. Uma vez que eu permaneci com
ele. É um homem muito decente, sincero, sábio e ingênuo. Eu aprecio muito estes
traços. E seu nível mais elevado do xadrez é óbvio. Quando nós nos encontramos,
nós analisamos às vezes posições diferentes: é muito rápido na compreensão e
faz sempre propostas sensíveis. Por mais estranho que possa parecer eu não
posso dizer o mesmo sobre Botvinnik. Tal era minha impressão quando eu atendi a
sua escola. Naturalmente, as sugestões de Botvinnik eram sempre muito
interessantes mas as vezes sugeriu algo “duvidoso”. Isso certamente não
aconteceu muito frequentemente, mas aconteceu. Spassky é algo mais, ele vai
sempre ao ponto. As vezes não calcula inteiramente mas entenderá o sentido
correto do jogo em 15 segundos! Está aqui um outro episódio notável. Três anos
atrás nós jogamos um torneio que comemorava o jubilee de Korchnoi onde Spassky, que estava já sobre seus 60 anos,
venceu Short com um jogo perfeito. Além disso, estava num tipo da posição que
era o forte de Short!
Spassky
não pôde ter alcançado seu potencial completo por um número de razões. Mas, em
todo o caso, os jogos que jogou em seus melhores anos são de grande
importância.
- Assim, Spassky era sem sorte por ter
sido contemporâneo de Fischer!
BOBBY FISCHER à
O VIGOROSO
"Sou um indivíduo detestável. Meus ideais são o xadrez e o dinheiro.Todos querem ser ricos, mas ninguém diz, é pecado?" |
-
Que posso eu dizer sobre Fischer? Eu sinto que este homem tinha que ser o
campeão do mundo e nada o pararia. Eu penso que cinco anos antes de se tornar
campeão do mundo, todos estavam cientes que o inevitável aconteceria. Era uma
força impulsora verdadeira! E Spassky teve que correr contra essa “máquina”. Eu
penso que todos os outros jogadores perderiam contra Fischer . Não eram fracos,
ele tinha a vontade e acreditava - Fischer romperia qualquer barreira.
- Fischer dominou por causa de sua
energia e compreensão?
- Em
um determinado momento teve tudo: energia, impulsão, preparação, jogo forte,
etc. como se todos os raios fossem recolhidos junto a um ponto! Não teve nenhum
ponto fraco em tudo - como pode você segurar tal pessoa?! Isto acontece a cada
jogador excepcional quando tudo se une. Como eu o vejo, Fischer alcançou seu
auge durante o ciclo dos candidatos e seu match de encontro a Spassky.
- Kasparov apontou Fischer como um
pioneiro do xadrez moderno.
- Eu
não penso assim. Spassky jogou também o xadrez moderno. Fischer descobriu a
preparação moderna na abertura. Ao contrário de Botvinnik que mostrou a
importância da preparação, Fischer deu-lhe uma inclinação moderna: ajustou
tarefas para seu oponente em cada lance com uma ou outra cor e em cada
abertura. Fischer mantinha seu oponente ocupado desde o começo, ele começava a
dar problemas desde o primeiro lance! Mais tarde Kasparov melhorou este estilo “alta-tensão”; Fischer foi
o primeiro jogador de xadrez a criar uma tensão do primeiro até o último lance
sem dar ao seu oponente a brecha mais ligeira. Ele tinha um preceito similar
para jogos posicionais e táticos: tentou fixar tantas tarefas para seu oponente
como poderia. Jogou muito o xadrez “vigoroso”.
- E o que aconteceu-lhe?
- Eu
não sei. É uma pena Fischer ter parado de jogar xadrez, seu match contra Karpov seria muito interessante. Há um ponto que
eu gostaria de assinalar. Com o desenvolvimento do xadrez e nível mais elevado
do jogo, os jogadores de xadrez perdem seu curso individual e há poucos
jogadores com um estilo claro. Nós estamos movendo-nos para um estilo versátil.
Eu não posso dizer que Fischer teve o curso claro - era um jogador versátil. Eu
o chamaria de estilo cumulativo. Em seus melhores dias combinou a exatidão de
Smyslov com o universalismo de Spassky e a energia de Alekhine… Seu
racionalismo era seu único ponto fraco, não era bom em posições irracionais e
loucas. Aqui Spassky prevaleceu. Fischer tinha um modelo claro para seu jogo. A vitória de Spassky sobre ele no 11º jogo
do match foi notável. Derrubou virtualmente Fischer na variação envenenada
do peão. Não foi uma matéria de preparação da abertura, este tipo de xadrez era
simplesmente difícil para Fischer. Naturalmente, estas são nuances, uma tentativa
de encontrar uma ligação fraca e de demonstrar que tipo da pessoa foi. Mas
Fischer admitiu este ponto fraco ele mesmo e estava tentando evitar aquelas
posições.
As
idéias claras cristalinas eram sua força. Fischer
era perfeito na Ruy Lopez. É difícil criar o caos no tabuleiro nesta
abertura.
ANATOLY KARPOV à
- Nós podemos ter um argumento longo
sobre o resultado possível do match de Fischer-Karpov. Que você pensa, Karpov
tinha chance?
- Eu
penso que Fischer tinha as melhores possibilidades mas Karpov tinha seu cartão
de triunfo também. Eu estou consultando a preparação de Karpov porque Fischer
era “um marinheiro solitário”. Não teve assistentes sérios na preparação e
jogava aberturas arriscadas. Karpov teve sua chance fixando problemas na abertura
de Fischer. Eu gostaria de mencionar que
Geller teve uma contagem positiva de encontro a Fischer. Geller era
eficiente em aberturas e adotava um jogo intensivo a teoria, que não era fácil
para Fischer. Quanto ao nível do jogo Fischer seria superior a Karpov.
Entretanto, se Karpov conseguisse uma vantagem real na abertura, o match veria
uma competição uniforme.
-
Karpov seguiu o padrão versátil?
-
Naturalmente sim. Adicionalmente, há algo misterioso sobre seu jogo, ninguém
mais poderia lidar com as coisas como ele o fez. É mais fácil para mim falar
sobre Karpov porque sua coleção de jogos foi meu primeiro livro de xadrez. Eu
estudei seu trabalho quando eu era uma criança, mais tarde joguei alguns jogos
contra ele. É um jogador de xadrez versátil, um bom tático que calcula
brilhantemente linhas e posição fortemente. Tem também uma característica
distinta. Ele negou com eficácia o pronunciamento de Steinitz: se você tiver
uma vantagem você deve atacar, se não, você a perderá. Quando tinha uma vantagem, Karpov marcou frequentemente o tempo e
ganhou ainda a vantagem! Eu não conheço qualquer outro que poderia fazer isso,
ele é incrível. Eu sempre fiquei impressionado e encantado por esta
habilidade. Quando parecia ser o período culminante de começar um ataque
decisivo, Karpov joga a3, h3, e a posição do seu oponente desmorona.
Karpov
derrotou-me no Torneio de Linares, de 1994, onde fez 11 em 13. Eu comecei com
um fim de jogo inferior. Entretanto, não pareceu terrível. Então eu fiz alguns
lances apropriados e não pude compreender como eu tinha ficado em uma posição
perdedora. Embora eu já estivesse entre
os Dez melhores do mundo, eu não o compreendi mesmo após o jogo. Este foi
um dos poucos jogos depois do qual eu me senti como um idiota completo com uma
falta total da compreensão do xadrez! Tais coisas acontecem muito raramente aos
jogadores de nível superior. Geralmente você entende porque você perdeu. Este
momento desafia a descrição - há algo quase imperceptível sobre ele e é essa a
característica de Karpov.
Vamos
recordar a vitória de Karpov sobre Korchnoi em seu último jogo do match em
Bagio. Korchnoi começou a tirar Karpov do jogo no final do match. Eu não sei
porque aquilo aconteceu, Karpov deve ter começado cansado. Quando Korchnoi
conseguiu uma vantagem, Karpov demonstrou um jogo brilhante! Como se nada
tivesse acontecido e a contagem 5:2 mudou para 5:5, e não havia nenhum jogo
duro após o adiamento onde perdeu em um fim de jogo pior, Karpov jogou como se
fosse o primeiro jogo do match! Apesar da pressão selvagem, quando seu futuro
era dependente do resultado do match, estava jogando como se estivesse
treinando em sua cozinha de uma maneira relaxada. Naturalmente, era um incrível
lutador!
- Para adicionar algumas “qualidades
humanas”, quais eram os pontos fracos de Karpov?
- Eu
penso que ele não prestou atenção a estratégia. Porque eu já disse, ele esquece
facilmente as coisas que tinham acontecido no tabuleiro. Provavelmente, não
teve uma linha estratégica suficientemente profunda do jogo. Karpov é um
jogador de xadrez de um grande número de curtas, duas a três combinações de
movimento: transferiu seu Cavalo, conseguindo espaço, enfraquecendo um peão. Em
minha visão, não foi um jogador estratégico por natureza. E como o Fisher
poderia ficar confuso quando viu o caos no tabuleiro. Entretanto, todos estes
pontos fracos são simbólicos.
As
vezes deve ter sido muito auto confiante. Ele estava tão certo que encontraria
uma maneira de sair, se necessário, que ele tomou muita liberdade. Karpov deve
ter compreendido que sua posição estava começando a ficar ruim mas era provável
pensar: “Eu viro o jogo de qualquer maneira”. Quando se enfrentou com Kasparov
ele caiu. Em seu primeiro match começou em posições duvidosas e cada match
seguido era mais e mais difícil para ele conseguir escapar delas.
Possivelmente, faltou a aproximação estrita. Poderia explicar sua dominação
antes da aparição de Kasparov. No início ele não precisava de exatidão, ele
estava a frente, com o passar do tempo ficou difícil treinar novamente.
- Mas Karpov também deve ter melhorado
em seus matchs contra Kasparov?
-
Naturalmente, Karpov fêz também um progresso como todo o jogador de xadrez: excepcional
enriqueceu seu jogo. Mas Kasparov estava melhorando em velocidade fantástica.
Kasparov em 1984 e em 1985 era como dois jogadores diferentes, o último poderia
ter dado um peão e recuperá-lo adiante. A potencialidade de Kasparov de estudo
foi sempre seu ponto forte. Karpov deve também possuir esta qualidade, mas
Kasparov superou-o.
GARRY KASPAROV à
O FLEXÍVEL
"Para se tornar bom em algo, você recorre aos princípios básicos. Para se tornar excepcional, você descobre a hora de violá-los. |
- Podemos dizer que Kasparov é um
fenômeno no xadrez?
-
Sim, claro. É sempre difícil falar sobre Kasparov. Primeiro, porque nós estamos
na mesma era, e jogamos muitas partidas. Segundo, é um jogador de xadrez que
não parece ter pontos fracos. Pelo menos, eu não sei que ponto fraco teve em
seus melhores dias. Muitos livros podem ser escritos sobre ele.
É um
trabalhador incansável, ele trabalha mais duramente do que Fischer. Kasparov é
uma combinação de circunstâncias afortunadas: um bom treinador em sua infância, condições convenientes para estudos,
uma vontade incrivelmente forte.
Quanto
a sua forte força de vontade, Kasparov poderia ser comparado a Botvinnik, mas
superou seu professor porque é muito mais flexível. Como eu já disse, a rigidez
de Botvinnik era seu ponto forte. Ao mesmo tempo teve seus inconvenientes.
Embora rígido, Kasparov está aberto a todas as mudanças. Pode mudar seu estilo
no xadrez em seis meses. Kasparov absorve coisas como uma esponja; absorve
todas as mudanças, tudo que vê ele processa rapidamente e já passa a fazer
parte de seu arsenal. Eu penso que esta é a qualidade principal que faz
Kasparov, diferente dos outros jogadores de xadrez.
Objetivamente,
Karpov ensinou-o muito. Antes do match Kasparov não poderia ter compreendido
todos os méritos de Karpov. Você pode apreciá-los inteiramente somente quando
você começa jogar contra ele. Karpov ensinou muito a Kasparov em seu match de
1984. Como nós vemos em seu confronto seguinte, Kasparov melhorou aqueles
aspectos de jogo que eram tradicionais pontos fortes de Karpov.
Kasparov
tem definitivamente um grande talento. Não há nada no xadrez que foi incapaz de
fazer. Os outros campeões do mundo tiveram algo que “faltava”. Eu não posso
dizer o mesmo sobre Kasparov: pode fazer
tudo. Se desejar jogar brilhantemente algum tipo de posições, ele o fará.
Nada é impossível para ele no xadrez.
Entretanto,
é também impossível ser perfeito em tudo no mesmo período de tempo. Kasparov
teve pontos fracos em cada etapa de sua carreira porque uma pessoa não pode
concentrar em tudo. Mas ele pode cobrir seus pontos vulneráveis em dois a três
meses. Em seguida aparece outro ponto fraco, você não sabe qual. É muito
importante tirar vantagem de seus pontos fracos que “rapidamente desaparecem”
porque você não os encontrará mais tarde.
Está
claro que em 1984 Kasparov teve alguns problemas com defesa, ele era muito
impulsivo. Mas em 1985 demonstrou um estilo completamente diferente de jogo.
Kasparov enxerga o que está indo mal em um determinado momento e pode corrigir
seus pontos fracos. Sua capacidade para o estudo é incrível!
- Em 1995 em que você ajudou Kasparov
a se preparar para seu match contra Anand, quem ensinava quem?
-
Ambos. Eu espero que eu tenha também alguma capacidade para o estudo. Pode não
ser tão boa quanto a de Kasparov, mas eu a tenho. Estávamos apenas trabalhando.
Kasparov quis ganhar o match e eu
ajudei-lhe sem pensar por um segundo. Eu não tentei aprender qualquer coisa
dele. Eu penso que ambos ganhamos algo dessa cooperação.
Fontes:
Kramnik: http://www.kramnik.com/
Tradução: Canal Xadrez – (???)http://www.cjb.net/
Link de onde tirei a entrevista:
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